https://valor.globo.com/legislacao – 19/08/2021.
Por Renata Oliveira, Marcos da Costa e Amanda Vilela
A mudança da LRF que passou a prever o conselho fiscal permanente para companhias abertas enquanto durar a recuperação judicial e suas obrigações parece acertada.
A Lei nº 14.112/20 entrou em vigor em janeiro de 2021 e promoveu diversas alterações na Lei nº 11.101/05 (LRF), que trata da recuperação judicial, extrajudicial e falência. Dentre as mudanças, está a inclusão do artigo 48-A, que prevê a obrigatoriedade da formação e funcionamento do conselho fiscal em companhia aberta enquanto durar a recuperação judicial e o período de cumprimento das obrigações assumidas no plano.
Sem a pretensão de discutir as eventuais limitações de atuação do conselho fiscal, como os critérios de independência dos seus membros e a eleição da maioria dos integrantes pelo controlador, trata-se de órgão que desempenha função de fiscalização da atuação dos administradores e de dar informação aos acionistas minoritários e, em um cenário de recuperação, também poderia auxiliar na prestação de informações aos credores da devedora, endereçando, assim, a problemática da assimetria de informação e reforçando o cumprimento dos deveres fiduciários dos administradores também perante os credores.
A mudança da LRF que passou a prever o conselho fiscal permanente para companhias abertas parece acertada
Em suma, compete ao conselho fiscal fiscalizar a administração; opinar sobre o relatório anual da administração e sobre propostas a serem submetidas à assembleia sobre reorganizações societárias, emissão de bônus de subscrição ou debêntures, distribuição de dividendos e outros temas; analisar o balancete, demonstrações trimestrais e as demonstrações financeiras; convocar a assembleia geral nas hipóteses cabíveis; e denunciar erros, fraudes ou crimes.
Cabe ainda ao conselho fiscal fornecer informações aos acionistas representando, no mínimo 5% do capital social, mediante solicitação, conforme artigo 163, parágrafo 6° da Lei nº 6.404/76 (LSA). Para companhias abertas, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), no contexto de maior aperfeiçoamento dos mecanismos de proteção a investidores e acionistas minoritários, reduziu esse percentual em função do capital social, conforme a Instrução CVM nº 627.
Em relação aos deveres fiduciários, o artigo 165 da LSA se limita a dizer que os deveres dos administradores dos artigos 153 a 156 se aplicam aos membros do conselho fiscal, que devem ainda responder por danos causados no exercício de suas funções. De modo geral, nos parece que nem todos os deveres previstos nos artigos mencionados seriam inteiramente aplicáveis à função de conselheiro fiscal, tendo em vista suas particularidades e distinções. Não obstante, o conselheiro fiscal deve obedecer ao dever de diligência, atuar de forma leal à companhia e ainda, no caso de companhia aberta, informar à CVM a sua posição acionária na companhia.
Para as sociedades anônimas, a existência do conselho fiscal é obrigatória, mas o seu funcionamento pode ser permanente ou temporário. Nesse último caso, a instalação ocorre na assembleia em que for solicitado por acionistas que representem, no mínimo, um décimo das ações com direito a voto, ou 5% das ações sem direito a voto, tendo o seu funcionamento até a próxima assembleia geral ordinária. Os acionistas titulares de ações preferenciais sem direito a voto ou com voto restrito e os acionistas minoritários, titulares de 10% ou mais das ações com direito a voto terão o direito de eleger um membro e seu suplente em votação em separado.
Observadas essas disposições, o acionista controlador elege os demais membros. Os acionistas podem se valer da flexibilização da Instrução CVM nº 324 que reduziu o percentual de participação mínima necessária para o pedido de instalação do conselho fiscal em função do capital social. A despeito da pessoa que tiver indicado o conselheiro, este deve agir sempre no melhor interesse da companhia e exercer suas atividades de forma independente e conforme a lei.
É possível concluir que o conselho fiscal é tão mais forte quanto mais robustos os critérios de escolha e apontamento dos seus membros, os mecanismos de controle internos da companhia, e o efetivo cumprimento das obrigações pelos conselheiros. Neste sentido, a mudança da LRF que passou a prever o conselho fiscal permanente para companhias abertas enquanto durar a recuperação judicial e suas obrigações e, portanto, uma situação de “anormalidade”, parece acertada.
De outro lado, porém, é preciso refletir que o funcionamento obrigatório do conselho fiscal irá aumentar ainda mais os custos da empresa em recuperação, o que pode ser excessivamente oneroso. Neste sentido, caso a assembleia geral delibere pelo não funcionamento permanente do conselho fiscal, a recuperanda poderia, mediante apresentação dos custos envolvidos, demonstração do cumprimento das obrigações por seus administradores, sem violação do disposto no artigo 64 da LRF e comprovação de que o acesso a informações aos minoritários e credores tem sido garantido, pleitear perante o juízo da recuperação a dispensa do funcionamento permanente do conselho fiscal.
Nesses casos, caberia ao juiz avaliar as circunstâncias do caso concreto e, se for o caso, dispensar o cumprimento da obrigação do artigo 48-A da LRF, tendo em vista a decisão soberana da assembleia e os custos envolvidos.
Em breve pesquisa com quase 190 companhias listadas no Novo Mercado, identificou-se que oito estão em recuperação judicial. Das oito companhias, quatro instalaram o conselho fiscal nas assembleias realizadas neste ano, mas em apenas uma das atas consta a exigência do artigo 48-A da LRF – no caso, a instalação não ocorreu por fala de quórum.
Como se trata de modificação bastante recente, só o tempo dirá como as companhias e os juízes responsáveis por processos de recuperação judicial irão lidar com o assunto e construir um entendimento sobre o tema.
Renata Oliveira, Marcos Gomes da Costa e Amanda Costa Vilela são, respectivamente, sócios e advogada do Machado Meyer Advogados
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