https://valor.globo.com/financas/coluna -28/07/2023.
Por Fernando Torres (*)
Se na questão dos fundos exclusivos é difícil achar mérito contra a tributação, o eventual fim (ou não) do JCP talvez mereça um debate dentro de uma reforma mais ampla da tributação sobre a renda.
Nosso sistema de tributação sobre a renda não é tão caótico e confuso quanto o que incide sobre o consumo, mas talvez também mereça aperfeiçoamentos, em especial se a ideia for buscar isonomia e simplificação, como ao menos era o desejo inicial do projeto de criação de um Imposto sobre Valor Adicionado no Brasil.
Se exceções e “regimes especiais” também existem e são questionados (e questionáveis) quando se fala de tributação da renda, talvez o ponto mais conhecido de uma possível reforma nessa área seja a da reintrodução da cobrança de Imposto de Renda sobre dividendos.
A linha mais aceita é aquela que procura manter a carga total que incide atualmente sobre o lucro corporativo, mas substituindo o modelo atual, que incide de uma única vez com alíquota elevada no nível do CNPJ, por outro em que a cobrança ocorrerá em duas etapas – uma na empresa e outra no recebedor, com alíquotas menores.
Embora traga mais complexidade para a cobrança, há evidências de que esse novo modelo, adotado amplamente nos países desenvolvidos, aumenta a progressividade do sistema, com os mais ricos pagando mais do que no atual.
Outra vantagem de cobrar ao menos uma parte do tributo sobre os dividendos é deixar mais neutra a decisão entre distribuir ou reter lucros. Uma vez que o ganho de capital é tributado a pelo menos 15% no Brasil, hoje há um incentivo para pagamento de dividendos que talvez não leve à melhor alocação de capital.
Quando se sai, porém, da discussão teórica para a prática, alguns outros pontos surgem na discussão.
Um deles é sobre qual é a alíquota efetiva que incide hoje sobre o lucro corporativo. Na teoria, grandes empresas do lucro real pagam 34%, dos quais 25% a título de Imposto de Renda e 9% de CSLL. Já os bancos recolheriam 45%, sendo os mesmos 25% de IR e uma CSLL diferenciada de 20%.
Na prática, contudo, quando se olha grandes janelas temporais, a alíquota efetiva dessas companhias costuma rodar em torno de 22% a 24%, que talvez não seja tão alto internacionalmente.
Entre as principais razões para a diferença aparecem temas que geram grande discussões no Carf e nos tribunais – como lucro de controladas no exterior e amortização de ágio de aquisições – e outros menos controversos juridicamente, como incentivos regionais, Lei do Bem e o também famoso Juro sobre Capital Próprio (JCP).
Embora não seja alvo de enormes discussões jurídicas (as “pequenas e médias discussões” existem), o JCP é constantemente motivo de debates teóricos e de mérito.
Nos últimos dias, ele voltou ao centro das conversas porque o governo pretende incluir sua revisão ou sua extinção como um caminho para o cumprimento da meta fiscal de 2024.
Para alinhar o conhecimento, o JCP é uma forma fiscalmente favorecida de distribuição de dividendos. O valor que a empresa paga aos acionistas a título de juros sobre capital próprio é dedutível para ela, a uma alíquota de 34% (ou 45%, se banco), enquanto a pessoa física que recebe recolhe 15%. Há uma economia de 19% a 30% sobre o valor distribuído.
Para lembrar, o dividendo tradicional é isento para quem recebe, mas não gera dedução.
Mas há limites para uso do JCP, que se dá pela multiplicação do patrimônio líquido da empresa pela taxa de juros de longo prazo, hoje em 7% ao ano.
Dessa conta se extrai talvez o princípio do JCP. A ideia é que a tributação do IR não deveria incidir sobre o lucro nominal da empresa, mas somente sobre a parcela que exceder uma espécie de “remuneração mínima sobre o capital”.
Ao existir um instrumento como esse, haveria também mais neutralidade para as empresas optarem por se financiar com dívidas, cujo pagamento de juros é sempre dedutível fiscalmente, ou com dinheiro dos sócios. Esse é o lado bom do JCP.
Já os críticos apontam que ele é uma “jabuticaba” e que acaba estabelecendo uma vantagem fiscal para companhias grandes e que não precisam.
De fato, quando se olha as empresas abertas que mais usam JCP, nota-se que os grandes bancos e empresas enormes são os principais beneficiários.
No caso dos bancos, é da própria natureza do negócio ter PL grande, para atender requisitos regulatórios. Mas outro ponto que chama a atenção é que o JCP incentiva desproporcionalmente as empresas maduras e com forte geração de caixa, ao passo que companhias em fase de crescimento não podem (ou não devem) distribuir tanto lucro.
Se a história da jabuticaba não é verdadeira quando se fala em alguma dedutibilidade da remuneração do capital próprio, já que é algo existente em países como Itália, Bélgica e Croácia, a exigência da distribuição do lucro para que haja a dedução é uma peculiaridade local. Uma alternativa, em busca de mais isonomia para empresas de crescimento, seria dar esse benefício independentemente da distribuição.
E, com base no impacto fiscal disso, pensar em qual a alíquota nominal e efetiva que deveriam incidir sobre os ganhos corporativos na prática.
Não faz sentido sequer discutir essa saída, porém, enquanto a distribuição dos dividendos seguir isenta.
Se na questão dos fundos exclusivos é difícil achar mérito contra a tributação, que trará aos multimilionários um tratamento equânime ao da classe média, o eventual fim (ou não) do JCP talvez mereça um debate dentro de uma reforma mais ampla da tributação sobre a renda.
(*) Fernando Torres é jornalista, mestre em contabilidade e editor-executivo do Valor
E-mail: fernando.torres@valor.com.br