https://valor.globo.com/legislacao – 30/12/2020.
Por Leonardo Egawa e Paulo Henrique Lucon.
A nova lei não tratou com maior afinco da questão dos bens essenciais ao soerguimento da empresa.
A nova Lei de Recuperação Judicial (Lei nº 14.112/2020), sancionada pelo Presidente da República no dia 24 de dezembro com vetos pontuais, trouxe consigo alguns temas que já vinham sendo aplicados pela jurisprudência, como a possibilidade de prorrogação do “stay period” – suspensão das ações e execuções em face da empresa em recuperação, previsto no §4º do art. 6º -, e novos institutos, como a previsão da assembleia-geral de credores por sistema eletrônico.
A nova Lei também preocupou-se com a recuperação extrajudicial, prevendo a redução do quórum de aprovação para mais da metade dos créditos de cada espécie e a concessão do stay period, fortalecendo o procedimento e possibilitando que seja mais utilizado na prática.
A nova lei não tratou com maior afinco da questão dos bens essenciais ao soerguimento da empresa
No entanto, a nova lei não tratou com maior afinco da questão dos bens essenciais ao soerguimento da empresa em recuperação judicial.
Não obstante as boas intenções e a inegável qualidade da nova lei, fato é que se trata de tema de suma importância no trâmite de uma recuperação judicial, o qual será tratado neste breve ensaio.
Como se sabe, na prática de uma recuperação judicial, intermináveis discussões são travadas entre devedor e credores sobre se determinado bem é ou não essencial, eis que a grande maioria das empresas que decide pelo ajuizamento de uma recuperação acaba pleiteando que o juiz decida pelo reconhecimento da essencialidade de determinados bens (móveis ou imóveis), direitos, ou coisas, que anteriormente foram livremente oferecidos em garantia de operações bancárias, como nos casos de alienação ou cessão fiduciária, sob pena de afetar o soerguimento da atividade empresarial, com base no artigo 47 da LREF. Esse fato, infelizmente, acaba impactando o trâmite do procedimento e prejudicando toda a coletividade de credores.
Considerando que tais impasses têm surgido em momentos diferentes durante o processamento de uma recuperação, seria possível reduzir-se drasticamente tais situações se, desde a decisão de deferimento do processamento, o juiz exigisse que o devedor apresentasse toda a relação de bens que entenda ser essenciais à empresa – determinando a intimação dos credores proprietários de tais bens, para que, querendo, apresentem impugnação ao reconhecimento da essencialidade, em incidente processual, com a intimação de todos os credores a respeito dos atos ali praticados.
Com isso, elimina-se, em um primeiro momento, toda a discussão ocasionada em diferentes momentos do procedimento em torno da essencialidade ou não de determinado bem, imprimindo, portanto, maior eficiência ao procedimento, eis que os esforços do magistrado estarão concentrados no processamento da RJ.
Além disso, o mencionado incidente terá o condão de garantir o contraditório e a ampla defesa necessária para eventual fase probatória, seja ela técnica, in loco, ou documental, fundada em prova pré-constituída.
Acresça-se que o incidente também contribuiria com a segurança jurídica do procedimento, visto que a nova lei não elegeu a fase processual para que o devedor em recuperação judicial busque o reconhecimento da essencialidade desses bens de capital essenciais.
Outra recomendação é que o administrador judicial seja intimado de todas as decisões proferidas em tais incidentes, seja em primeiro grau de jurisdição ou em sede recursal, para que tenha condições de apresentar a lista atualizada de bens essenciais aos credores antes da realização da assembleia-geral de credores.
A apresentação desta lista de bens essenciais antes da realização da assembleia terá o condão de garantir que os credores votem cientes da relação de bens essenciais que são de propriedade da recuperanda, os quais, a priori, serão utilizados pela empresa após eventual homologação do plano de recuperação judicial.
Além disso, os credores terão ciência da relação de bens essenciais que são de propriedade de credores não sujeitos ao procedimento e que poderão ser retirados do estabelecimento do devedor após a aprovação do plano de recuperação judicial, nos termos do § 3º do art. 49º da nova lei.
Em conclusão, a exigência de que o devedor apresente toda a relação de bens que entende ser essenciais ao soerguimento da empresa logo no início do procedimento, terá o condão de suprimir a lacuna sobre qual a fase processual adequada para se pleitear o reconhecimento da essencialidade destes bens de capital, bem como imprimirá celeridade ao trâmite da recuperação e garantirá maior transparência e uma efetiva fase probatória para fins de se identificar a real essencialidade de um bem.
Leonardo Nobuo Pereira Egawa e Paulo Henrique dos Santos Lucon são, respectivamente, advogado em São Paulo, membro da Comissão de Direito Bancário da OAB-SP, pós-graduado em Direito Empresarial (FGV-SP) e pós-graduado em Processo Civil (FADI-SP); advogado, membro da Comissão de Direito Bancário da OAB-SP, professor associado da Faculdade de Direito da USP, presidente do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP) e sócio do Lucon Advogados.
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