https://valor.globo.com/legislacao – 24/07/2020.
Por Edison Fernandes – São Paulo
O ponta pé inicial da reforma tributária foi dado; agora, cabe à sociedade e ao Congresso Nacional corrigirem alguns pontos.
Na era da pós-verdade, parece que o que vale é a experiência (e a crença) pessoal, o que afasta experiências de outrem e, principalmente, dos “antigos”. Na reforma tributária da segunda metade da década de 1960 (Emenda nº 18, de 1965, e Código Tributário Nacional, de 1966), foi amplamente discutida a questão da tributação sobre o valor agregado e a prestação de serviços.
Nessa época, Bernardo Ribeiro de Moraes, um dos maiores nomes do direito tributário, especialmente em matéria de tributos sobre o consumo, já apontava e justificava a dificuldade do tributos sobre valor agregado para o setor de serviços: a “cadeia de produção” tende a ser mais curta, há emprego de muita mão de obra e, em significativa parte dos casos, os serviços são prestados diretamente às pessoas físicas. Por esse motivo, os serviços gerais ficaram fora do então criado imposto sobre o valor agregado, o ICMS.
Ora, direis, muita coisa mudou em mais de 50 anos, principalmente com a prestação de serviços? Eu vos direi, sim, é verdade, com destaque para a introdução da tecnologia. No entanto, de maneira geral, os serviços continuam a ter “cadeia de produção” curta, a ser intensivos em mão de obra e a serem prestados diretamente a pessoas físicas. Por que, então, as dificuldades de hoje para se implementar um IVA amplo seriam diferentes daquelas de cinco décadas atrás?
Argumenta-se, em primeiro lugar, que quem conhece o IVA (portanto, a CBS) percebe que o setor de serviços, em verdade, não se prejudica, mas, ao contrário, beneficia-se dessa estrutura de tributação. Isso porque, atualmente, a prestação de serviço não gera crédito para o tomador do serviço, como ocorrerá com a CBS.
Correto, em termos: alguns serviços já proporcionam o crédito de PIS/Cofins para os tomadores e, quando prestados diretamente a pessoas físicas, não haverá qualquer transferência de crédito fiscal. Nesses casos, o aumento da alíquota tende a aumentar o preço final. E quando se fala em impacto no preço, sabemos que isso implicará negociação – lembremos da adoção da não cumulatividade principalmente da Cofins, em 2003.
Depois, diz-se que, atualmente, a base de créditos fiscais é muito restrita e a CBS ampliará essa base, permitindo crédito de “todas” as compras de pessoas jurídicas. Correto, todavia, o efeito não é tão favorável: a um, porque em muitos serviços o principal custo é com mão de obra, que não gera direito a crédito fiscal; a dois, porque serão necessárias compras expressivas de bens e serviços de pessoas jurídicas para equilibrar o aumento de alíquota proposto (principalmente, no caso do lucro presumido: de 3,65% para 12%).
Ainda, sustenta-se que a maioria dos serviços prestados diretamente a pessoas físicas são executados por empresas optantes pelo Simples Nacional, que não sofrerá mudança por conta da CBS. Não conheço pesquisa nesse sentido, mas, tendo a acreditar que esteja correto o argumento, pois estamos tratando de salões de beleza, lavagem de carro, “petshop” etc.
Porém, um prestador de serviços que amplie seus negócios e, por decorrência, seu faturamento, ao atingir uma média de R$ 400 mil por mês, estará fora do Simples Nacional. A CBS contribui para aumentar o já alto degrau de carga tributária na linha do crescimento do negócio empresarial, o que tende a incentivar medidas “pouco ortodoxas” para que as empresas se mantenham no Simples Nacional.
Para encerrar, resgato outras duas lembranças, agora mais recentes: na implementação da não cumulatividade do PIS, em 2002, e da Cofins, em 2003, houve aumento da carga tributária. Em 2011, com a substituição da contribuição sobre folha de salário pela Contribuição Patronal sobre a Receita Bruta – CPRB (“desoneração da folha”), os setores mais prejudicados foram aqueles com intensa mão de obra, particularmente com atividades ligadas à tecnologia.
Tenho a opinião de que deveríamos começar o processo de reforma tributária, por isso, de maneira geral, sou favorável à apresentação do Projeto de Lei n° 3.887, que unifica PIS/Cofins na CBS. Tal processo seguirá seu curso de amadurecimento por meio das discussões na sociedade e no Congresso Nacional – só espero que essas discussões sejam feitas com base em informações e não em crenças ou em percepções exclusivamente pessoais.