Por Leandra Peres e Vandson Lima | De Brasília – 13/03/2014 às 05h00.
O governo aceitou mudar a Medida Provisória 627, que trata da tributação das multinacionais brasileiras no exterior, para atender as reclamações feitas pelo setor privado. Em reunião ontem com grandes empresários em Brasília, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, sinalizou que aceitará mudar a fórmula prevista para o cálculo do imposto sobre lucros fora do país. Em compensação, avisou aos empresários que irá discutir a aplicação dos tratados de tributação internacionais para evitar que a mudança na MP deixe espaço para a elisão fiscal e informou que o assunto pode, inclusive, ser definido por meio de uma segunda medida provisória que tramitaria depois da aprovação da 627.
O Valor apurou que Mantega disse aos empresários que os pontos acordados em cerca de dez reuniões feitas ao longo do ano passado, entre representantes do governo e do setor privado, para discutir as novas regras de tributação serão refletidos no texto da MP 627 que será votado no Congresso. Segundo relatos de participantes do encontro, esse texto deve incorporar uma mudança feita pelo relator, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que resolve a principal reclamação dos empresários. A proposta do governo estabelece que o IR deve ser calculado a partir do que a Receita Federal chamou de “parcela de ajuste no valor do investimento”. Na prática isso significa que as empresas teriam que recolher impostos sobre, por exemplo, a variação cambial e patrimonial dos investimentos e não somente sobre o resultado obtido. No parecer de Cunha, esse conceito desaparece e é trocado pela expressão “lucro”, o que não aumentaria a tributação das empresas que têm coligadas e controladas no exterior.
O problema é que a Receita Federal considera que essa mudança abre espaço para a sonegação fiscal. As empresas poderiam concentrar seus investimentos em países com os quais o Brasil tem acordos para tributação, nos quais vigora um regime em que o imposto só é devido ao Fisco nacional quando é remetido para a matriz. O conceito do “ajuste no investimento” obrigaria as multinacionais a pagar impostos independente de privilégios concedidos por meio de tratados internacionais. Por isso a decisão do governo de ceder de um lado, mas disciplinar a aplicação dessas regras numa outra legislação.
“(O clima político) não influencia. Eu tenho disposição para discutir a medida provisória sem qualquer paixão política. Está um texto acordado com a Fazenda. Ninguém vai colocar nada goela abaixo”, disse o deputado Eduardo Cunha, relator da MP e pivô de uma disputa com o governo por mais espaço para o PMDB no ministério da presidente Dilma Rousseff.
O presidente da Vale, Murilo Ferreira, confirmou que serão feitos “refinamentos” no texto do governo. Ele não quis detalhar quais seriam, mas disse que no decorrer dos próximos meses deve haver a publicação de uma nova medida provisória sobre temas que não forem resolvidos na MP 627. É o caso da taxação de investimentos em países do Oriente Médio, que têm alíquotas de imposto baixas e seriam tratados como um ‘paraíso fiscal’ segundo a proposta do governo.
“Vamos trabalhar pela aprovação da MP com pequenos refinamentos. Num segundo estágio serão feitos aprimoramentos em relação a essas unidades no exterior”, afirmou Ferreira. O vice-presidente de relações institucionais da Marcopolo, José Antônio Martins, também mostrou que houve entendimento com o governo. Segundo ele, os empresários vão montar um grupo de trabalho com representantes do governo para trabalhar nos ajustes complementares à MP. O principal é propor o fim do “conceito de ajuste no valor do investimento”. “Isso nós não queremos”, disse.
O prazo para os ajustes é curto. A MP precisa ser votada na semana que vem na comissão especial da Câmara dos Deputados e até o fim do mês no plenário. Depois disso ainda tem que tramitar pelo Senado Federal, que terá até 22 de abril para aprovar o texto final. As regras de funcionamento do Senado estabelecem que as MPs tenham que chegar à Casa pelo menos 15 dias antes do prazo em que perdem a validade. Os senadores consideram esse o tempo mínimo para avaliar as medidas provisórias.
“A principal preocupação [dos empresários] é não haver bitributação. O governo está aberto a fazer correções em qualquer momento”, completou o presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), Paulo Godoy. Na conversa com os empresários também foi possível notar que há diferenças no impacto da MP em diferentes setores da economia. Os representantes das empresas de petróleo, gás e mineração, por exemplo, pareciam mais satisfeitos com o texto da MP, segundo um dos presentes.
O diretor global de assuntos corporativos da BRF, Marcos Jank, reconheceu que houve avanços nas conversas com o ministro, mas disse que a expectativa dos empresários era de mais mudanças. “Acho que havia mais expectativa, mas pelo menos, estamos fazendo o diálogo, porque a MP realmente aumenta a tributação”, disse.
Na segunda parte da reunião, durante o almoço, Mantega disse aos empresários que não haverá medida intervencionista na área de energia, mais cara por causa da falta de chuvas. Segundo Paulo Godoy, o ministro disse que “serão tomadas medidas [na área de energia], mas que respeitam as estrutura, os contratos”. O almoço no Ministério da Fazenda foi pago. Cada um dos 18 empresários desembolsou R$ 40 por um prato de peixe grelhado ou carne. (Colaboraram Sérgio Ruck Bueno, Cynthia Malta e Cristiano Zaia)
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O governo aceitou mudar a Medida Provisória 627, que trata da tributação das multinacionais brasileiras no exterior, para atender as reclamações feitas pelo setor privado. Em reunião ontem com grandes empresários em Brasília, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, sinalizou que aceitará mudar a fórmula prevista para o cálculo do imposto sobre lucros fora do país. Em compensação, avisou aos empresários que irá discutir a aplicação dos tratados de tributação internacionais para evitar que a mudança na MP deixe espaço para a elisão fiscal e informou que o assunto pode, inclusive, ser definido por meio de uma segunda medida provisória que tramitaria depois da aprovação da 627.
O Valor apurou que Mantega disse aos empresários que os pontos acordados em cerca de dez reuniões feitas ao longo do ano passado, entre representantes do governo e do setor privado, para discutir as novas regras de tributação serão refletidos no texto da MP 627 que será votado no Congresso. Segundo relatos de participantes do encontro, esse texto deve incorporar uma mudança feita pelo relator, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que resolve a principal reclamação dos empresários. A proposta do governo estabelece que o IR deve ser calculado a partir do que a Receita Federal chamou de “parcela de ajuste no valor do investimento”. Na prática isso significa que as empresas teriam que recolher impostos sobre, por exemplo, a variação cambial e patrimonial dos investimentos e não somente sobre o resultado obtido. No parecer de Cunha, esse conceito desaparece e é trocado pela expressão “lucro”, o que não aumentaria a tributação das empresas que têm coligadas e controladas no exterior.
O problema é que a Receita Federal considera que essa mudança abre espaço para a sonegação fiscal. As empresas poderiam concentrar seus investimentos em países com os quais o Brasil tem acordos para tributação, nos quais vigora um regime em que o imposto só é devido ao Fisco nacional quando é remetido para a matriz. O conceito do “ajuste no investimento” obrigaria as multinacionais a pagar impostos independente de privilégios concedidos por meio de tratados internacionais. Por isso a decisão do governo de ceder de um lado, mas disciplinar a aplicação dessas regras numa outra legislação.
“(O clima político) não influencia. Eu tenho disposição para discutir a medida provisória sem qualquer paixão política. Está um texto acordado com a Fazenda. Ninguém vai colocar nada goela abaixo”, disse o deputado Eduardo Cunha, relator da MP e pivô de uma disputa com o governo por mais espaço para o PMDB no ministério da presidente Dilma Rousseff.
O presidente da Vale, Murilo Ferreira, confirmou que serão feitos “refinamentos” no texto do governo. Ele não quis detalhar quais seriam, mas disse que no decorrer dos próximos meses deve haver a publicação de uma nova medida provisória sobre temas que não forem resolvidos na MP 627. É o caso da taxação de investimentos em países do Oriente Médio, que têm alíquotas de imposto baixas e seriam tratados como um ‘paraíso fiscal’ segundo a proposta do governo.
“Vamos trabalhar pela aprovação da MP com pequenos refinamentos. Num segundo estágio serão feitos aprimoramentos em relação a essas unidades no exterior”, afirmou Ferreira. O vice-presidente de relações institucionais da Marcopolo, José Antônio Martins, também mostrou que houve entendimento com o governo. Segundo ele, os empresários vão montar um grupo de trabalho com representantes do governo para trabalhar nos ajustes complementares à MP. O principal é propor o fim do “conceito de ajuste no valor do investimento”. “Isso nós não queremos”, disse.
O prazo para os ajustes é curto. A MP precisa ser votada na semana que vem na comissão especial da Câmara dos Deputados e até o fim do mês no plenário. Depois disso ainda tem que tramitar pelo Senado Federal, que terá até 22 de abril para aprovar o texto final. As regras de funcionamento do Senado estabelecem que as MPs tenham que chegar à Casa pelo menos 15 dias antes do prazo em que perdem a validade. Os senadores consideram esse o tempo mínimo para avaliar as medidas provisórias.
“A principal preocupação [dos empresários] é não haver bitributação. O governo está aberto a fazer correções em qualquer momento”, completou o presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), Paulo Godoy. Na conversa com os empresários também foi possível notar que há diferenças no impacto da MP em diferentes setores da economia. Os representantes das empresas de petróleo, gás e mineração, por exemplo, pareciam mais satisfeitos com o texto da MP, segundo um dos presentes.
O diretor global de assuntos corporativos da BRF, Marcos Jank, reconheceu que houve avanços nas conversas com o ministro, mas disse que a expectativa dos empresários era de mais mudanças. “Acho que havia mais expectativa, mas pelo menos, estamos fazendo o diálogo, porque a MP realmente aumenta a tributação”, disse.
Na segunda parte da reunião, durante o almoço, Mantega disse aos empresários que não haverá medida intervencionista na área de energia, mais cara por causa da falta de chuvas. Segundo Paulo Godoy, o ministro disse que “serão tomadas medidas [na área de energia], mas que respeitam as estrutura, os contratos”. O almoço no Ministério da Fazenda foi pago. Cada um dos 18 empresários desembolsou R$ 40 por um prato de peixe grelhado ou carne. (Colaboraram Sérgio Ruck Bueno, Cynthia Malta e Cristiano Zaia)
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