Postado por: Edison Fernandes Seção: Geral – Blog Fio da Meada – 06/11/2013 às 17h09
Nesta semana, foi realizada a reunião do condomínio onde moro, na qual se alterou o regulamento interno. Uma das propostas, que acabou por ser aprovada, dizia que o volume das vozes na área da churrasqueira deveria ser reduzido a partir das 22 horas. Além da dificuldade de controlar o cumprimento dessa regra, a mim me ocorreu se seria necessária uma determinação dessa: afinal, qualquer pessoa de bom senso deveria controlar o volume da sua voz, à noite, na área comum do prédio.
No meu tempo (não sei se tenho idade suficiente para usar essa expressão), os jovens davam lugar aos idosos nos ônibus e chamar um afrodescendente com referência à sua cor poderia ser um tratamento carinhoso, que demonstrava intimidade (ou a cordialidade sobre a qual tratou Sérgio Buarque de Holanda). Hoje, ceder o assento nos transportes públicos virou mandamento de lei e qualquer referência aparente e falsamente racista pode ser crime inafiançável. A mais recente demonstração de legalização despropositada é o Projeto de Lei da Câmara nº 66, de 2012, que dispõe sobre o peso a ser transportado pelo estudante em mochila ou similar (Artigo1°. O estudante não poderá transportar material escolar, em mochilas ou similares, cuja carga seja superior a 15% do seu peso corporal).
A profusão de intervenção na conduta dos cidadãos por meio do excesso de leis, longe de ser um sinal de civilidade, esconde, na verdade, uma situação de barbárie. Se observássemos, minimamente, o bom senso, diversas leis não seriam necessárias. Por que chegamos a esse ponto? Ainda estou à procura de uma resposta convincente.
Uma razão talvez seja nossa cultura jurídica: autoritária e legalista. Afinal, nossa tradição (“civil law”) remonta ao imperador romano Justiniano, que, com o objetivo de exercer o controle sobre todo o imenso território conquistado pela antiga Roma, impingiu um corpo jurídico rígido, de obediência literal e compulsória (“Corpus Juris Civilis”).
Outra explicação pode ser dada pelo crescimento do “politicamente correto”. Nesse ponto, minha dúvida fica ainda maior, porque direcionada ao que teria acontecido com a minha geração, já que muitos representantes dessa corrente são meus contemporâneos e tiveram infância e juventude em padrões parecidos aos meus. Chegamos a alterar letras de clássicos infantis como “atirei o pau no gato”, “boi da cara preta” e “samba lelê tá doente”. O episódio dos beagles do Instituto Royal me lembrou uma música do Eduardo Dusek: “troque seu cachorro por uma criança pobre”.
Por fim, o excesso de leis pode ser justificado, pura e simplesmente, porque caminhamos de volta aos tempos de barbárie. Estamos, a passos largos, perdendo o bom senso e o mínimo de padrão moral, preceitos que obedecemos não porque, do contrário, estaremos sujeitos à penalidade ou à aplicação de multa, mas porque temos consciência de que, dessa forma, suportaremos o convívio social.
Nesse contexto, a lei e sua respectiva punição são absolutamente necessárias (vida longa a Hans Kelsen). Ainda assim, a interpretação literal da lei expõe brechas no seu texto, pelas quais conseguimos passar e prosseguir imunes ao comando que essa lei pretendeu regular. Com isso, como se ensinam nas carteiras da faculdade, o Direito (“dever ser”) está constantemente correndo para alcançar a realidade social (“ser”), a fim de discipliná-la – corrida inglória, pois, sabidamente, esse objetivo é impossível de ser atingido pela letra da lei.
No meu tempo (não sei se tenho idade suficiente para usar essa expressão), os jovens davam lugar aos idosos nos ônibus e chamar um afrodescendente com referência à sua cor poderia ser um tratamento carinhoso, que demonstrava intimidade (ou a cordialidade sobre a qual tratou Sérgio Buarque de Holanda). Hoje, ceder o assento nos transportes públicos virou mandamento de lei e qualquer referência aparente e falsamente racista pode ser crime inafiançável. A mais recente demonstração de legalização despropositada é o Projeto de Lei da Câmara nº 66, de 2012, que dispõe sobre o peso a ser transportado pelo estudante em mochila ou similar (Artigo1°. O estudante não poderá transportar material escolar, em mochilas ou similares, cuja carga seja superior a 15% do seu peso corporal).
A profusão de intervenção na conduta dos cidadãos por meio do excesso de leis, longe de ser um sinal de civilidade, esconde, na verdade, uma situação de barbárie. Se observássemos, minimamente, o bom senso, diversas leis não seriam necessárias. Por que chegamos a esse ponto? Ainda estou à procura de uma resposta convincente.
Uma razão talvez seja nossa cultura jurídica: autoritária e legalista. Afinal, nossa tradição (“civil law”) remonta ao imperador romano Justiniano, que, com o objetivo de exercer o controle sobre todo o imenso território conquistado pela antiga Roma, impingiu um corpo jurídico rígido, de obediência literal e compulsória (“Corpus Juris Civilis”).
Outra explicação pode ser dada pelo crescimento do “politicamente correto”. Nesse ponto, minha dúvida fica ainda maior, porque direcionada ao que teria acontecido com a minha geração, já que muitos representantes dessa corrente são meus contemporâneos e tiveram infância e juventude em padrões parecidos aos meus. Chegamos a alterar letras de clássicos infantis como “atirei o pau no gato”, “boi da cara preta” e “samba lelê tá doente”. O episódio dos beagles do Instituto Royal me lembrou uma música do Eduardo Dusek: “troque seu cachorro por uma criança pobre”.
Por fim, o excesso de leis pode ser justificado, pura e simplesmente, porque caminhamos de volta aos tempos de barbárie. Estamos, a passos largos, perdendo o bom senso e o mínimo de padrão moral, preceitos que obedecemos não porque, do contrário, estaremos sujeitos à penalidade ou à aplicação de multa, mas porque temos consciência de que, dessa forma, suportaremos o convívio social.
Nesse contexto, a lei e sua respectiva punição são absolutamente necessárias (vida longa a Hans Kelsen). Ainda assim, a interpretação literal da lei expõe brechas no seu texto, pelas quais conseguimos passar e prosseguir imunes ao comando que essa lei pretendeu regular. Com isso, como se ensinam nas carteiras da faculdade, o Direito (“dever ser”) está constantemente correndo para alcançar a realidade social (“ser”), a fim de discipliná-la – corrida inglória, pois, sabidamente, esse objetivo é impossível de ser atingido pela letra da lei.
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