https://valorinveste.globo.com/mercados/renda-variavel/empresas/coluna/opiniao – 27/01/2023.
Por Fernando Dal-Ri Murcia.
Inicialmente é importante ressaltar que tais fraudes são geralmente realizadas pela alta administração (top management) da empresa.
Da mesma forma que Sherlock Holmes buscava por pistas relacionadas às motivações dos criminosos para desvendar seus crimes, faz-se necessário compreender os eventuais incentivos dos administradores das companhias para cometer uma fraude contábil.
Inicialmente é importante ressaltar que tais fraudes – que consistem numa ação deliberada por parte da administração da companhia de omitir ou evidenciar indevidamente a informação contábil, bem como os fatos materiais referentes à situação econômico-financeira – são geralmente realizadas pela alta administração (top management) da empresa, isto é, envolve os executivos responsáveis pela elaboração dos balanços da sociedade.
Necessário caracterizar ainda que nessa espécie de “crime do colarinho branco”, o instrumento de manipulação são as Demonstrações Financeiras da companhia sendo que os enganados são todos os usuários da informação econômico-financeira que incluem credores, acionistas minoritários, fornecedores, clientes, reguladores, fisco etc.
Neste breve ensaio, de cunho eminentemente teórico, abordo quatro dessas motivações dos executivos: (i) remuneração e bônus, (ii) aumentar o preço das ações da companhia, (iii) distribuição de dividendos aos acionistas, e (iv) atendimento a cláusulas contratuais (covenants) de dívida.
Remuneração e bônus
A remuneração variável com base em diversos indicadores de desempenho é bastante comum nas empresas. Tal prática visa, em tese, alinhar os interesses entre acionistas e administradores. Muito comum no âmbito da alta administração é que tal forma de remuneração represente a maior parte da compensação total. E como, em muitos casos, elas estão baseadas em indicadores como lucro, lucro operacional, EBITDA etc., essa poderia ser uma das motivações dos fraudadores das demonstrações financeiras, qual seja: aumentar artificialmente o resultado da companhia para bater as metas predeterminadas e como consequência receber o bônus.
Aumentar o valor das ações
Conforme a teoria clássica de finanças o valor de determinada empresa deriva dos lucros futuros que ela irá produzir para os seus donos. Quanto maior a expectativa de resultados, portanto, maior será o valor da companhia. Nesse contexto, podem haver incentivos para manipular os Balanços com a finalidade justamente de aumentar o valor das ações que são negociadas na Bolsa. Tal motivação poderia decorrer, por exemplo, do fato dos executivos fraudadores terem ações ou opções de ações – decorrentes de seus pacotes de remuneração – ou ainda com o objetivo da empresa vender ações no mercado, via uma captação que teria um menor custo de capital.
Dividendos
Perceba-se que como o dividendo é baseado no lucro apurado pela empresa, seu valor depende fundamentalmente do resultado apurado pela contabilidade. Esse raciocínio também se aplica ao pagamento de juros sobre o capital próprio aos acionistas, em razão dos limites fiscalmente dedutíveis se basearem em informações contábeis (lucro, patrimônio líquido e reservas). Portanto, uma possível motivação para fraudar os Balanços da empresa pode ser justamente a intenção de se distribuir dividendos; distribuição essa que eventualmente não poderia ser feita se a contabilidade da empresa seguisse adequadamente as regras contábeis.
Atendimento aos covenants de dívida
Os credores, sabendo-se que os gestores podem assumir riscos maiores que os desejados, impõem restrições com vistas a controlar seus comportamentos. Essas restrições dizem respeito a metas, compromissos que a empresa tem que atender; dentre eles, a capacidade de se endividar. Como exemplos de covenants nos contratos de dívida tem-se: Dívida Líquida/EBITDA, EBITDA/Despesas de Juros, Dívida Líquida/Patrimônio Líquido etc.
Por fim, é relevante destacar que a mera existência de incentivos não indica a existência de fraudes. Ao contrário, o ato ilícito depende de comprovação fática mediante investigação e apuração no caso concreto. De qualquer forma, a compreensão dos incentivos e motivações dos fraudadores é de suma importância para combater a manipulação dolosa dos Balanços das empresas. De fato, a compreensão do comportamento do agente é o caminho mais seguro para proteção dos investidores e credores.
Do mesmo modo é preciso que exista amplo debate do tema no mercado visando aprimorar a regulação no mercado brasileiro. Afinal, as fraudes contábeis atacam o combustível que move os participantes do mercado de capitais: a informação econômico-financeira confiável de qualidade sobre as companhias emissoras de títulos e valores mobiliários.
Infelizmente, o tema ainda é “tabu” no cenário brasileiro diferentemente do mercado norte-americano, que depois das famosas fraudes no início do milênio (Enron, WorldCom, Adelphia, Global Crossing, Parmalat, Lucent, Tyco, Xerox etc.) promoveram diversas alterações legislativas como, por exemplo, a Lei Sarbanes-Oxley (SOX).
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