Por Fábio Soares de Melo e Régis F. de Ribeiro Braga – Valor – 21/08/2015 – 05:00.
Como professores em cursos de pós-graduação na área tributária e advogados militantes, somos usuários habituais da contabilidade. Em decorrência da prática profissional, verificamos que sem a utilização de informações contábeis é praticamente impossível determinar o montante de vários tributos, cumprir uma infinidade de obrigações legais acessórias ou ainda adotar medidas para minimizar o montante de tributos devidos por pessoas jurídicas e por pessoas físicas.
Sendo uma “ferramenta” tão importante para os operadores não só do direito tributário, mas também de outras áreas do direito (societário, civil,trabalhista), é de se perguntar por que as graduações e (muitas das)pós-graduações em direito ignoram completamente a contabilidade em seus currículos.
Não é nossa pretensão criticar os currículos adotados pelos bacharelados e especializações de direito: não estamos afirmando, exemplificativamente, que é mais importante conhecer contabilidade do que direito romano; ao contrário, reconhecemos que o seu conhecimento é fundamental para entendermos boa parte dos institutos que utilizamos em nosso dia-a-dia.
A contabilidade a ser ensinada nos cursos jurídicos precisa ser adaptada às nossas necessidades.
Ainda a guisa de exemplo, não iremos sugerir a substituição do estudo da filosofia do direito e da sociologia jurídica pela contabilidade: elas são disciplinas necessárias para compreendermos a evolução da ciência jurídica no correr dos anos e nos ajudar a divisar futuros nortes para ela; isto, sem falar na sua importância para a contextualização do direito do campo das ciências humanas, servindo como verdadeiros “vasos comunicantes” com as próprias ciências filosófica e sociológica.
Devemos lembrar que o direito não é estanque a outras ciências: quantos de nós não tivemos de entender termos econômicos em sala de aula? Macro e microeconomia, poder multiplicador da moeda, inflação, PIB: conceitos que nos foram ministrados nos primeiros semestres do bacharelado e que nos servem, diariamente, para compreendermos o “peso” que a economia tem em nossa vida profissional e pessoal.
É nesse contexto que a contabilidade pode se posicionar em relação ao direito: limitando-nos à ótica tributária, a contabilidade é uma disciplina instrumental de grande valor para um melhor entendimento da tributação (inclusive sob os seus aspectos macro e microeconômico), servindo de grande apoio para uma adequada compreensão desta por parte dos operadores do direito.
A partir de noções basilares de contabilidade, é possível: compreender qual o resultado da aplicação da não cumulatividade, na apuração dos montantes devidos a título do IPI e do ICMS, das contribuições ao PIS/Pasep e Cofins devidas no regime não cumulativo; entender o que é receita, qual a sua natureza, quando e como deve ser registrada pela ontabilidade, são fatores que facilitam a sua “adjetivação” tributária, a partir da legislação: por exemplo, se ela se sujeita à incidência cumulativa ou não cumulativa, ou mesmo se ela não se sujeita à incidência das contribuições ao PIS/Pasep e da Cofins. Ou ainda, se compõe ou não a base de cálculo (real, presumida ou arbitrada) do IRPJ e da CSLL.
Saber o que são despesas e custos e diferenciá-los, entender como e quando devem ser contabilizados é de suma importância no processo de determinação das bases de cálculo dos aludidos tributos: afinal, tais despesas e custos podem não ser dedutíveis das bases de cálculo do IRPJ e da CSSL. Por outro lado, podem dar origem a créditos a serem deduzidos do montante a recolher a título da contribuição ao PIS/Pasep e da Cofins; igualmente, ter em mente o que é lucro,percebê-lo como medida de acréscimo patrimonial, é fundamental para compreender a sujeição deste ao IRPJ e à CSLL. Isto para não falar na possibilidade que temos de sujeitá-lo a uma tributação menos onerosa por esses tributos, na medida em que a legislação permite ao contribuinte, a partir de certos parâmetros,escolher a base de incidência sobre as quais recairão essas exações.
A contabilidade a ser ensinada nos cursos jurídicos precisa ser adaptada às nossas necessidades, até como forma de nos facilitar a sua compreensão e, principalmente, a sua utilização diuturna. Isto não significa alterá-la ou a sua linguagem: como ciência que é, ela também se vale de conceitos e de terminologia própria – a qual, diga-se de passagem, às vezes nos confunde profundamente: que o digam aqueles de nós que já tentaram entender o “débito” e o “crédito” contábeis).
O que propomos aos colegas coordenadores das graduações e especializações em Direito é que conjuntamente aos docentes de Contabilidade, preferencialmente aqueles que tenham conhecimentos sobre o nosso universo jurídico, criem e introduzam, ainda que como matéria optativa, a disciplina “contabilidade e direito” no currículo de seus cursos. Temos certeza que os conhecimentos adquiridos nessa disciplina aumentariam não só a compreensão do próprio direito por parte de seus operadores, como também melhorariam o entendimento, por parte destes, da realidade vivida por outros rofissionais, como contadores, administradores e economistas, permitindo a partir daí a apresentação de soluções a desafios que um único ramo do conhecimento não é, de per si, capaz de apresentar.
Fábio Soares de Melo e Régis Fernando de Ribeiro Braga são, respectivamente, advogados e mestres em direito Tributário pela PUC-SP; Contabilidade e Controladoria pela FEA-USP e professores coordenador e orientador do LL.M em Direito Tributário do Insper.
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