valor.globo.com – 18/05/2020
Por Nelson Niero e Rita Azevedo – De São Paulo.
Despesa financeira causa estrago nas contas; resultado operacional ainda resiste.
A combinação do real desvalorizado com o início da pandemia cobrou uma conta alta das empresas brasileiras no primeiro trimestre. Foram R$ 21 bilhões em prejuízo, considerando-se 112 companhias de capital aberto que publicaram suas demonstrações financeiras até a manhã de sexta-feira. No mesmo período do ano passado, essas empresas tiveram juntas um lucro líquido de R$ 11,7 bilhões.
Para evitar uma distorção na análise, a amostra não inclui a Petrobras, que fez uma reavaliação gigantesca de seus ativos de exploração e produção depois da reviravolta nos preços dos petróleo e fechou o trimestre com prejuízo recorde de quase R$ 50 bilhões (ver Petróleo barato dá tônica de balanços). A mineradora Vale também ficou de fora por causa da baixa contábil que fez no primeiro trimestre de 2019, quando aconteceu o desastre em Brumadinho (MG).
O efeito do câmbio sobre as dívidas, um fator recorrente nas várias crises vividas pelo país na era do real – a maxidesvalorização de 1999 é o marco inicial -, voltou a desarrumar os balanços no trimestre em que o real desvalorizou-se quase 30% em relação ao dólar, moeda com a qual é fechada a maior parte dos contratos de dívidas externas das empresas.
Como a contabilidade tenta refletir com a maior fidelidade possível os fatos econômicos, a cada fim do período fiscal esse estoque de dívida é convertido em reais para ser apresentado nas demonstrações financeiras, “marcado” ao valor de mercado. Vencendo ou não naquele exercício, o valor é corrigido na totalidade. O efeito na maior parte se restringe aos livros, sem se materializar num dispêndio de caixa (ver reportagem abaixo), mas as manchetes assustam e o choque pode, sim, ter efeitos práticos, como forçar o vencimento antecipado de dívidas.
“A desvalorização do real no período afetou fortemente o resultado financeiro das companhias. As despesas financeiras líquidas cresceram mais de quatro vezes em comparação aos três primeiros meses do ano passado, para R$ 56,3 bilhões”, diz William Volpato, coordenador do Valor Data, que compilou os dados da pesquisa.
Se o financeiro foi problemático, o operacional manteve-se acima da linha d’água, apesar de março já ter sido prejudicado pelo avanço da covid-19. O lucro operacional dessa amostra foi de R$ 30,4 bilhões, estável em relação ao mesmo período de 2019 – apesar de a receita de vendas ter subido 11% (R$ 304,9 bilhões), o que mostra uma deterioração nos controles de custos e despesas.
O perigo está aí. Depois do choque financeiro, que tende a se dissipar nos próximos trimestres com uma possível estabilização ou reversão cambial, teremos neste segundo trimestre – já estamos na metade dele – uma segunda onda, desta vez nas operações, com o reflexo amplo e irrestrito do efeito sobre a atividade econômica das medidas que foram tomadas para combater a pandemia.
Com a provável exceção de setores como varejo alimentar e de medicamentos, liberados da quarentena, as empresas foram atingidas em cheio pela queda de receita, ao mesmo tempo que buscam adaptar seu pessoal e seus processos às novas regras de convívio virtual. A primeira reação foi preservar o caixa – e a sobrevivência -, com medidas como cancelamento ou postergação de dividendos e redução de investimentos.
A têxtil Cambuci diz, no balanço, que “caminhava para um crescimento robusto”, mas essa jornada foi interrompida pela covid-19. Em resposta, a empresa reduziu a capacidade operacional e cancelou, por tempo indeterminado, investimentos e contratações previstos para o ano.
“A maior parte das indústrias já mostra queda de volume, o que deve ser traduzido em uma menor diluição dos custos fixos no segundo trimestre”, diz Ricardo Schweitzer, analista da Nord Research. “Como pouquíssimos segmentos tiveram desempenho melhor no cenário de pandemia, o esperado é que, na média, os resultados sejam bastante afetados no financeiro pela variação cambial e, do lado operacional, pela queda das vendas.”