Depois de conseguirem na terça-feira evitar a tributação retroativa sobre distribuição de dividendos, ontem foi a vez de as empresas se livrarem da obrigação de ter duas contabilidades completas de forma paralela, uma para informar os acionistas e outra para atender o Fisco.
Desde 17 de setembro, quando a Instrução Normativa nº 1.397 foi editada pela Receita Federal, foram 17 dias de tensão.
Mas após mobilização conjunta de entidades que representam contadores, empresas abertas e investidores, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o secretário da Receita Federal, Carlos Alberto Barreto, concordaram em retomar o diálogo e mudar o conteúdo da IN 1.397.
Após reunião realizada ontem em Brasília entre Barreto e representantes de algumas dessas entidades, ficou decidido que os entendimentos expressados na instrução sobre equivalência patrimonial, base de cálculo para dedutibilidade fiscal do pagamento de juros sobre capital próprio e distribuição isenta de dividendos só produzirão efeitos a partir de 2014, e não desde 2008, como técnicos da Receita vinham defendendo.
Isso será garantido por meio de uma medida provisória (MP), a ser editada nos próximos dias, que tratará da não cobrança no período de 2008 a 2013 como uma espécie de benefício fiscal retroativo concedido pelo governo.
Logo após a edição da MP, o texto da IN 1.397 será ajustado para ficar claro que a Receita não quer que as empresas façam duas contabilidades, mas apenas ajustes que apontem as diferenças entre o lucro societário apurado pelo padrão IFRS e o lucro fiscal, de forma similar ao que é feito hoje, mas com mais detalhes.
Mas esse tal “lucro fiscal” não será aquele apurado conforme as regras contábeis de 2007, como estava escrito na instrução. Isso porque essa nova medida provisória é aquela mesma que o mercado aguardava há alguns anos e que acabará formalmente com o Regime Tributário de Transição (RTT), criado em 2008 para garantir a neutralidade tributária no processo de migração do padrão contábil brasileiro para o IFRS.
Em vez de simplesmente dizer que as empresas devem usar para fins fiscais a contabilidade antiga, o texto legal vai trazer uma lista de quais pronunciamentos contábeis devem ou não ser considerados para fins fiscais.
Na prática, esse novo “lucro fiscal” será algo intermediário entre o resultado apurado pelas normas de 2007 e o IFRS.
De acordo com o professor Eliseu Martins, que participou do encontro de ontem com o secretário da Receita e é integrante do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), órgão que traduz e adapta o IFRS para o Brasil, foi dito que a MP deve trazer um dispositivo para assegurar que novas normas contábeis que venham a ser emitidas não produzirão efeitos fiscais até que haja uma mudança na lei.
Apesar de não terem conseguido tudo que queriam, como a distribuição isenta de todo o lucro apurado pelo IFRS, inclusive depois de 2014, contadores, auditores e empresas comemoraram o resultado das negociações com a Receita Federal e com o Ministério da Fazenda.
“Foi um dia de alívio grande”, resumiu Antonio Castro, presidente da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca), que participou do encontro. “A preocupação maior era com dupla contabilidade e a retroatividade”, disse ele, destacando os dois pontos que foram revistos.
O presidente do Conselho Federal de Contabilidade (CFC), Juarez Domingues Carneiro, que divulgou comunicado público para apontar os problemas da IN 1.397 e pedir a retomada do diálogo, agradeceu a postura da Fazenda e da Receita, por restabelecerem a “segurança jurídica” para as empresas.
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PONTO DE VISTA
Não obstante parecer incoerente, vamos aguardar para conhecer a lista de quais pronunciamentos contábeis NÃO devem ser considerados para fins fiscais.
O resultado destas negociações demonstra a força da atuação conjunta de entidades de classe e profissionais agirem organizadamente em favor de uma causa de interesse sócio-econômico. Um país emergente como o Brasil, inserido numa economia globalizada, deve caminhar a passos largos na internacionalização de seus procedimentos contábeis buscando, com isto, credibilidade junto a investidores globais (players) e respectivos stakeholders. A IN 1397/2013 representava um enorme retrocesso frente ao vasto arcabouço regulatório editados através de CPCs, Resoluções CFC, IN CVM e outros editados a partir da Lei nº 11.638, de 2007, que tornou obrigatória a adoção dos IFRS pelas empresas nacionais a partir do exercício de 2010.
Além de privilegiar aqueles que não convergiram para estes novos padrões, a IN 1397/2013 penalizava as empresas que diante de todas dificuldades, seja de mão de obra especializada, sistemas e comprometimento de seus profissionais, convergiram e se veriam obrigadas a retroagir, refazer um passado recente ou aguardar pesadas autuações.
A luz brilhou no fim do túnel e um grande passo foi dado. Estaremos ansiosamente aguardando estes novos critérios fiscais a serem definidos nas prometidas modificações da IN 1397/2013 e nesta nova MP que, ao que tudo indica, será um instrumento normativo mais coerente e atualizado com o nosso cenário contábil atual.
Silvio Silva
Executivo Financeiro
Diretor de novos negócios na Consult Audi
Consultor de Gestão