https://valor.globo.com/legislacao/noticia – 06/10/2023.
Por Adriana Aguiar, Valor — São Paulo.
Ministros analisaram recurso da fabricante de autopeças Fras-le com efeito de repercussão geral.
O Supremo Tribunal Federal (STF) considerou constitucional a incidência do IOF sobre contratos de mútuo (empréstimo) entre empresas — sem a participação de instituição financeira. O julgamento, em repercussão geral, deve ser aplicado aos demais processos que discutem o tema.
Prevaleceu o voto do ministro Cristiano Zanin, relator, que foi seguido à unanimidade. A sessão, realizada no Plenário Virtual, terminou à meia-noite de ontem.
Os ministros analisaram recurso da fabricante de autopeças Fras-le (RE 590186 ou Tema 104) contra decisão da 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), em Porto Alegre, que manteve o IOF nessas operações entre empresas do mesmo grupo. Para o tribunal, a Constituição e o artigo 13 da Lei nº 9.779, de 1999, não exigem que o contrato de mútuo seja celebrado com instituição financeira, o que, inclusive, já teria sido confirmado pelo STF.
No STF, a empresa alegou, contudo, que o artigo 13 da Lei nº 9.779, de 1999, alargou indevidamente a base de cálculo do IOF para que o imposto passe a incidir sobre as operações de mútuo entre pessoas jurídicas ou entre pessoa jurídica e pessoa física, equiparando-as às operações de crédito efetivadas por instituições financeiras.
Em seu voto, o ministro Cristiano Zanin destaca que o Supremo já analisou questão análoga (ADI 1.763), cujo relator foi o ministro Sepúlveda Pertence. Nesse julgamento, que envolveu o setor de factoring, os ministros entenderam ser constitucional a incidência do IOF sobre operações de crédito e que essas não se restringem às praticadas por instituições financeiras.
Zanin acrescenta que esse mesmo processo foi julgado no mérito em junho de 2020 e que, por decisão unânime, ficou fixado que “nada há na Constituição Federal, ou no próprio Código Tributário Nacional, que restrinja a incidência do IOF sobre as operações de crédito realizadas por instituições financeiras”.
Segundo o relator, com base no julgamento na ADI 1.763 “não há como fugir à compreensão de que o mútuo de recursos financeiros de que trata o artigo 13 da Lei nº 9.779/99 — ainda que considerado empréstimo da coisa fungível ‘dinheiro’ e realizado entre particulares — se insere no tipo ‘operações de crédito’, sobre o qual a Constituição autoriza a instituição do IOF (artigo 153, inciso V)”.
Ele propôs a seguinte tese, que foi seguida por todos os ministros: “ É constitucional a incidência do IOF sobre operações de crédito correspondentes a mútuo de recursos financeiros entre pessoas jurídicas ou entre pessoa jurídica e pessoa física, não se restringindo às operações realizadas por instituições financeiras ”.
Análise
A advogada Bárbara Bach, especialista em direito tributário contencioso e aduaneiro, sócia da área da Lira Advogados, destaca que o STF, em julgamentos anteriores envolvendo setor de factoring, já havia dado indícios de que seu entendimento era pela desnecessidade de envolver operação praticada por instituição financeira para incidir IOF. “Contudo, agora estamos falando de pessoas jurídicas e pessoas físicas que não têm por atividade-fim ou mesmo praticam usualmente operações que justifiquem ficarem sujeitas a um tributo criado como mecanismo de regulação da política monetária e cambial”, diz.
Porém, segundo a advogada, com a pacificação pelo STF de que o mútuo se enquadra no conceito constitucional de “operações de crédito”, aos contribuintes que praticam contratos de conta corrente entre empresas de um mesmo grupo econômico, o relator deixou em aberto a possibilidade de discussão, em âmbito infraconstitucional, sobre o enquadramento desse tipo de operação como mútuo para fins de incidência do IOF. “De modo que se mostra válida a insistência do contribuinte sujeito a esse cenário que deverá ser analisado, em última instância, pelo STJ.”
O advogado Fabio Calcini, que atua no caso como amicus curiae (amigo da Corte) pela Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), concorda que ainda existe discussão. Ele afirma que, em sua sustentação oral, destacou que IOF crédito incide sobre contratos de mútuo ou crédito, mas não se confunde com contrato de conta corrente, muito utilizado pelas empresas para transitar dinheiro entre as companhias, para pagamento de despesas, ajuste financeiro entre elas, o que seria uma outra operação, que não é de crédito, e portanto não teria a incidência do IOF.
“O ministro Zanin destaca esse ponto no voto, mas não aprofunda porque a discussão específica não trata desse mérito. Zanin dá indícios de que são institutos distintos, mas vamos ter que aguardar outro caso para voltar debater esse tema provavelmente”, diz.