https://valor.globo.com/legislacao – 10/04/2023.
Por Rafael Covolo (*).
Se já é difícil manter a qualidade com empregados próprios, subordinados, imagine com os de outra empresa.
No dia 15 de fevereiro, o Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou o julgamento da modulação dos efeitos da sua decisão que, em 2018, reconheceu a constitucionalidade da Lei nº 13.429/2017, inovando o ordenamento jurídico ao permitir a terceirização irrestrita, inclusive da atividade-fim das empresas, contrariando anos de jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (TST).
O julgamento foi adiado após o pedido de vista do ministro Luiz Fux, mas a tendência é que os efeitos da decisão original sejam modulados de forma que se impeça o ajuizamento de ações rescisórias contra decisões transitadas em julgado antes de 30 de agosto de 2018, que tenham a Súmula 331 do TST por fundamento.
Se já é difícil manter a qualidade com empregados próprios, subordinados, imagine com os de outra empresa.
Independentemente do resultado desse julgamento, fato é que estamos há mais de quatro anos com a liberalização para as empresas da terceirização da sua atividade-fim. Em 30 de agosto de 2018, o Plenário do STF, ao julgar a ADPF 324 e o RE 958.252, com repercussão geral reconhecida, decidiu que é lícita a terceirização em todas as etapas do processo produtivo, ou seja, na atividade -meio e na atividade-fim das empresas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante.
Prevaleceu, em breve síntese, como fundamento, o entendimento no sentido de que os postulados da livre concorrência (artigo 170, IV) e da livre-iniciativa (artigo 170), expressamente assentados na Constituição Federal de 1988, asseguram às empresas liberdade em busca de melhores resultados e maior competitividade.
Ocorre que o observado nesse período é que, ao contrário das expectativas, tanto dos defensores quanto dos detratores da lei, a recepção à novidade legislativa foi fria por parte das empresas. Não houve, até o momento, adesão massiva e irrestrita à nova modalidade de contratação.
Isso se explica porque, em primeiro lugar, a terceirização da atividade-fim não resolve o principal problema das empresas que fazem uso intensivo de mão de obra, que é o custo de conformidade na contratação de trabalhadores, principalmente os encargos previdenciários.
O valor desse custo permaneceu igual, só que agora repassado para outra empresa que fará a gestão da mão de obra. Não houve qualquer desoneração da folha de pagamentos, mas apenas seu repasse para uma empresa terceirizada. Os direitos trabalhistas, assim como os encargos fiscais e previdenciários sobre o trabalho, permanecem os mesmos.
Importante ressaltar que se observou que, em muitos casos em que a empresa optou por terceirizar sua atividade-fim, o valor pago à empresa prestadora acabou sendo maior do que aquele que estava habituada a suportar com mão de obra própria. Isso ocorre porque a empresa prestadora também precisa ter margem de lucro, como toda empresa, e essa margem precisa vir de algum lugar: ou a empresa tomadora paga essa diferença ou os trabalhadores pagam com a diminuição do seu salário.
Vale lembrar que a Lei nº 13.467/2017, da reforma trabalhista, permite a distinção salarial entre os trabalhadores terceirizados e aqueles contratados diretamente pela tomadora, sendo que o STF e o TST já se posicionaram, no mesmo sentido, pela inexistência de isonomia entre os dois tipos de trabalhadores.
Surge, então, um primeiro grande inconveniente para a empresa tomadora: ou paga mais caro pela mão de obra ou será atendida por trabalhadores com remuneração aquém daquela que costumavam receber.
Ainda, a empresa tomadora perde o poder diretivo sobre os trabalhadores. Continuam sendo vedadas tanto a subordinação como a pessoalidade do trabalhador com a empresa tomadora, sob o risco de caracterização do vínculo empregatício.
Nesse cenário, surgem os riscos, muitas vezes negligenciados e que explicam também a resistência das empresas em aderir a esse novo modelo de contratação. Primeiramente, risco da perda de qualidade do produto ou serviço final da empresa pela ausência do poder diretivo. Notória é a queixa de muitas empresas quanto à qualidade da mão de obra no Brasil. Se já é difícil manter a qualidade com empregados próprios, subordinados, imagine com os empregados de outra empresa.
Indo além, se a empresa tomadora, na tentativa de resgatar a qualidade perdida, passar a dirigir os trabalhadores terceirizados, atrairá grande risco de ver caracterizado o vínculo empregatício. Justamente por esse motivo, as empresas que optam por terceirizar sua atividade-fim certamente entram na mira da fiscalização tanto do Ministério Público do Trabalho (MPT) como dos auditores fiscais do Ministério do Trabalho.
Por fim, a empresa tomadora ainda corre o risco de pagar duas vezes pelo serviço, pois caso a empresa prestadora não pague as obrigações trabalhistas dos seus empregados, a empresa tomadora será chamada para adimplir a obrigação, independentemente de já ter pago pelo serviço, pois é responsável subsidiária pela dívida.
Esse somatório de inconvenientes e riscos explica a baixa adesão das empresas à terceirização de sua atividade-fim, uma vez que precisam ter muito cuidado e avaliar e estudar caso a caso, concretamente, se a terceirização da sua mão de obra, mesmo legalizada, faz sentido para elas, levando em conta os prejuízos e riscos envolvidos.
(*) Rafael Covolo é advogado especializado em Direito e Processo do Trabalho, sócio do escritório Araújo e Covolo Advogados
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