https://valor.globo.com/guia-de-fundos/fundos-de-investimento/noticia – 30/05/2023.
Por Danylo Martins — De São Paulo.
Caso evindenciou importância do acompanhamento diligente das empresas investidas, levando em conta critérios de ESG.
O rombo contábil da Americanas, que veio à tona em janeiro, não só provocou uma onda de insegurança na indústria de crédito privado, como levantou questões sobre a responsabilidade dos diferentes agentes no mercado de capitais em casos como esses, incluindo o papel dos gestores de fundos que tinham posições em debêntures da varejista, por exemplo. O episódio reforçou, ainda, a importância do chamado “stewardship”, um conceito que se traduz no acompanhamento e engajamento das empresas investidas, levando em conta aspectos ambientais, sociais e de governança (ESG, na sigla em inglês).
Conforme explica Pedro Rudge, vice-presidente da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), o trabalho do gestor envolve analisar potenciais investimentos e tomar a decisão de alocar os recursos em determinados ativos, com base em informações públicas. “No caso da Americanas, tudo leva a crer que houve fraude. Nessas situações extremas, é muito difícil o gestor identificar condutas como essas porque ele presume que as informações divulgadas pela empresa são verdadeiras, dado que passaram por administradores, conselho e auditoria”, afirma.
A opinião é compartilhada por Fabio Coelho, presidente da Associação dos Investidores no Mercado de Capitais (Amec). Para ele, o episódio envolvendo a Americanas é “excepcional” e não pode ser tratado como um “corriqueiro”. Na visão do especialista, a responsabilidade direta pela aprovação das contas e fidedignidade das informações divulgadas é da administração da companhia.
Na avaliação de Fabio Alperowitch, sócio-fundador da Fama Investimentos, o “stewardship” é uma postura fundamental de engajamento que ajuda não só o gestor a ser responsável com o capital de terceiros, como também a entender os riscos que está correndo em suas decisões de investimento. “Uma coisa é comprar ações de uma empresa e ficar passivo lendo as demonstrações financeiras, e outra é ser diligente e estar perto da empresa o tempo todo, buscando cada vez mais informações, representação e engajamento.”
O gestor defende que no caso da Americanas havia diversos sinais que já indicavam problemas. Ele cita um relatório publicado em 2019 em que a asset informa ter zerado a exposição à varejista e justifica a decisão com base, entre outras coisas, em questões ligadas a ESG. Por exemplo, alto “turnover” de executivos e “certa opacidade” das demonstrações financeiras. “Tinha uma série de sinais. Era altamente previsível. Realmente acho que as pessoas não foram cuidadosas e se ludibriaram.”
Pela regulação, os gestores têm o chamado dever fiduciário perante os cotistas dos fundos. “Isso significa tratar o dinheiro dos investidores como se fosse seu, dando a devida importância e atenção”, destaca Rudge, da Anbima. Nessa direção, o setor caminha para um comprometimento maior com as companhias investidas. “A indústria como um todo tem amadurecido nesta questão. Novas tecnologias ajudam nesse sentido.”
Luciana Dias, professora da Fundação Getulio Vargas (FGV) e ex-diretora da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), lembra que desde 2014 há um ofício-circular do regulador sobre a diligência dos gestores para a compra de ativos de crédito privado, incluindo procedimentos a serem seguidos pelos profissionais que incluem análise do risco de crédito, monitoramento da carteira e reavaliação periódica da qualidade do portfólio. “O que o gestor precisa é ter procedimentos específicos para avaliar a qualidade do crédito, e isso passa por informações divulgadas pelas companhias.”
Para Alejandro Schiuma, chefe de renda fixa e crédito da EQI Asset, o gestor toma decisões de investimento a partir do que for aprovado no comitê de crédito. Segundo ele, a casa possui um modelo próprio de análise de crédito (rating) que funciona como um “driver” para a alocação das carteiras. “No caso da Americanas, ela mostrava números saudáveis e nível de endividamento baixo, era difícil não ter algum grau de exposição à empresa. Nossos veículos tinham entre 1,5% e 3%”, diz ele.
Para Rudge, o investidor tem muito mais acesso à informação e ao conhecimento hoje do que dez anos atrás. “Eventos como o da Americanas, que é um caso extraordinário e emblemático, nos ajudam a aperfeiçoar e deixar mais transparentes as informações para os investidores.”
Procurada para comentar o que a regulação diz sobre a obrigação dos gestores de defender o interesse dos cotistas dos fundos, a CVM optou por não conceder entrevista nem responder questionamentos da reportagem.