https://valor.globo.com/legislacao/fio-da-meada/post – 23/10/2023.
Por Edison Fernandes *
Padronização implica várias repercussões jurídicas e há ainda implicações tributárias.
Assim como ocorre na divulgação de informações financeiras, as empresas passam a ter padrão internacional de divulgação de sustentabilidade. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) publicou a Resolução CVM nº 193, de 20 de outubro de 2023, que dispõe sobre a elaboração e divulgação do relatório de informações financeiras relacionadas à sustentabilidade, com base no padrão internacional emitido pelo International Sustainability Standards Board (ISSB).
Por ora, essa resolução é de observância obrigatória pelas companhias abertas. Em breve, o Conselho Federal de Contabilidade (CFC) também deve aprovar resolução no mesmo sentido, tornando a observância obrigatória para as sociedades limitadas.
Para entender o tema, alguns esclarecimentos prévios devem ser feitos:
- O International Sustainability Standards Board – ISSB é um órgão internacional, de natureza privada, não ligado a qualquer governo, instituído pela Fundação IFRS com o objetivo de editar os padrões internacionais de divulgação de sustentabilidade. A Fundação IFRS, por meio do International Acounting Standards Board (IASB), já era responsável pelos padrões internacionais de divulgação das informações financeiras (demonstrações contábeis). Aproveitando essa vasta experiência, o ISSB emitiu duas normas internacionais referentes às informações sobre sustentabilidade, identificadas como IFRS S;
- As duas primeiras normas sobre preparação e divulgação dos relatórios de sustentabilidade tratam, primeiro (S1), da Estrutura Conceitual, que estabelecem os princípios e as regras gerais, “normas sobre normas”, e, segundo (S2), que estabelecem as normas específicas para divulgação sobre mudança climática;
- Também da mesma forma que ocorrer com os padrões internacionais de contabilidade (IFRS) e o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), os padrões sobre divulgação de sustentabilidade serão internalizados no Brasil pelo Comitê Brasileiro de Pronunciamentos de Sustentabilidade (CBPS), cujos pronunciamentos serão aprovados pelo CFC e pela CVM, ganhando força normativa para as empresas brasileiras.
No início, a adoção será voluntária, passando a ser obrigatória a partir de 2026″
O Brasil é o pioneiro no mundo a obrigar a observância das normas de divulgação de sustentabilidade – e o governo está muito orgulhoso disso e mencionou nas mais diversas manifestações sobre o assunto.
É certo que, no início, a adoção será voluntária, passando a ser obrigatória a partir de 2026. De qualquer maneira, as bases dessa integração internacional sobre divulgação das iniciativas de sustentabilidade das empresas foram lançadas.
A padronização internacional das informações sobre sustentabilidade implica várias repercussões jurídicas, das quais destaco duas neste artigo.
Atualmente, há forte tendência de as empresas emitirem títulos ou mesmo firmarem contratos de financiamento ou empréstimo com cláusulas não financeiras. Ao lado das performances e convenants financeiros (como liquidez, alavancagem, distribuição de dividendos etc.), tais documentos jurídicos têm previstos percentual de redução de gases de efeito estufa, eficiência em reuso, reciclagem ou logística reversa dos seus produtos, além de parâmetros relacionados à diversidade (número de mulheres ou de diversidade étnica nos cargos de diretoria, por exemplo). Em alguns casos, mesmo a remuneração do título ou a garantia do credor não está necessariamente a métricas financeiras, mas de sustentabilidade. Considerando que a competição por esses recursos é global, as empresas precisam, de um lado, prestar contas em padrões internacionais, e, de outro, divulgar aos investidores espalhados pelo mundo todo, de maneira comparada com outras empresas, sua atuação com relação às iniciativas de sustentabilidade, com vistas a concorrer pela captação dos recursos disponíveis.
O segundo destaque diz respeito à responsabilidade (civil, de maneira ampla) pelos compromissos assumidos pelas empresas com relação às suas iniciativas de sustentabilidade. Como regra geral, temos que todo e qualquer compromisso, ainda que não obrigado por lei ou formalizado em instrumento jurídico, desde que influencie a tomada de decisão de “stakeholders”, deve ser divulgado para todos os interessados na empresa. Nesse sentido, investidores podem decidir por entregar recursos financeiros para empresas que tenham compromisso de sustentabilidade; consumidores podem decidir comprar produtos e serviços de empresas que tenham compromissos de sustentabilidade. Esses são dois exemplos básicos de como os compromissos das empresas podem influenciar a tomada de decisão de “stakeholders”. Portanto, em situações assim, essas empresas deverão seguir os padrões internacionais de divulgação dessas iniciativas.
Por fim, não se pode esquecer que há ainda implicações tributárias – não da divulgação em si, mas das iniciativas de sustentabilidade que a divulgação em padrão internacional trouxe à luz. Mas esse é tema para um outro artigo.
*Edison Fernandes – Doutor em Direito pela PUC-SP, professor da FGV Direito SP, titular da Academia Paulista de Letras Jurídicas