https://valor.globo.com/financas – 07/10/2022.
Por Álvaro Campos — De São Paulo.
Primazia na relação com cliente é um dos desafios no varejo.
Ruivo, da PwC: Brasil mistura características de diferentes cenários, como empresas não bancárias com carteiras digitais próprias e fintechs empoderadas.
O sistema bancário global tem sido transformado pelas novidades tecnológicas nos últimos anos, como aplicativos móveis, open banking e criptomoedas. Nesse cenário, a indústria financeira ainda é dominada por um punhado de bancos grandes e por players bancários não tradicionais, mas os novos entrantes vêm ganhando cada vezes mais destaque. Assim, os bancos tradicionais de varejo, com suas enormes redes físicas, vão ter de se adaptar para sobreviver. Tentando delimitar algumas tendências que já se esboçam, a PwC elaborou um estudo com cinco possíveis cenários para esses bancos.
A pesquisa aponta que tecnologia e inovação, crescimento da competição, regulação complexa, finanças embutidas, consolidação e envolvimento das expectativas dos usuários se constituem em imensas pressões sobre os modelos tradicionais de negócios bancários. A pesquisa “Bancos de Varejo 2025 e Além” aponta que os bancos de varejo devem ser levados a atuar mais fortemente em três áreas prioritárias: transformação tecnológica, foco em habilitação de dados dos usuários e confiança em base ampla.
O primeiro cenário traçado pela PwC é chamado de “Revolução na interface com o usuário”. Nele, os novos players continuam seu crescimento e começam a capturar cada vez mais as relações com os clientes e a incluir serviços financeiros em suas plataformas. São companhias estabelecidas, com marcas valiosas de tecnologia, mídia e entretenimento, capazes de criar melhorias nas experiências dos usuários e ofertas hiperpersonalizadas. Nesse cenário, os bancos estabelecidos, geralmente lidando com alto grau de exigência regulatória e tecnologia obsoleta, passam a competir para oferecer a “espinha dorsal” de infraestrutura financeira. Eles atuam como provedores utilitários de serviços e produtos, mas não possuem mais uma marca voltada aos clientes.
No segundo cenário, chamado “O vencedor leva tudo”, uma onda de consolidação resulta em poucos megabancos e fintechs dando as cartas no setor bancário. Os clientes se dirigem para as plataformas mais amplas, personalizadas e convenientes e geralmente não têm preocupações com a privacidade de dados ou a habilidade de escolha. Apenas os maiores bancos estarão aptos a fazer investimentos tecnológicos necessários para criar uma experiência diferenciada aos clientes.
O terceiro cenário foi batizado de “Paisagem espalhada”. Nele, em meio à deterioração da confiança, crescem as incertezas dos clientes em relação às instituições globais. Os regimes se tornam mais supervisionados, o que favorece bancos pequenos e locais, com sentimento gravitando em proteções nacionalistas. Clientes e ativos transitam de players globais para bancos focados localmente, especializados e com nichos menores de atuação.
No quarto cenário, intitulado “Reguladores retornam”, as autoridades assumem um papel mais ativo para assegurar um sistema financeiro forte e seguro. Ações governamentais antitruste empurram os players de tecnologia para fora do setor financeiro e aumentam as barreiras de entrada, deixando a competição apenas para as firmas que mantêm licenças completas para serviços financeiros. Este grau de regulação abre as portas para os bancos reconstruírem sua confiança e reclamar seu papel de provedores centrais dos serviços e produtos financeiros.
O quinto cenário trata da “Ascensão das moedas digitais de bancos centrais”. Nesse contexto, a tendência estável de queda no uso das moedas físicas prossegue, junto com o lançamento das moedas digitais dos bancos centrais (CBDC, na sigla em inglês). As criptomoedas ganham grande aceitação nos negócios entre empresas e consumidores. Assim, no futuro, os bancos tradicionais acabariam perdendo para os bancos centrais a função de ofertar contas correntes/de pagamentos, que, como os dados dos consumidores, são âncoras da relação com o cliente. Em uma situação extrema, esse cenário torna inviável os modelos de negócios dos bancos tradicionais.
O sócio da PwC Brasil Luis Ruivo aponta que os cinco cenários não são excludentes entre si, ou seja, pode haver uma sobreposição. Para ele, o Brasil se encaixa mais numa mistura dos cenários um (Revolução na interface com o usuário) e dois (O vencedor leva tudo), com um leve toque do cinco (Ascensão das moedas digitais de bancos centrais).
“Temos vários sinais no Brasil do cenário um, de companhias de energia, telecom, varejistas que criam suas próprias carteiras digitais. Elas têm muitos dados, às vezes conhecem o cliente melhor que os bancos. Mas é óbvio que os grandes bancos não vão querer abrir mão da relação primária com o cliente, eles vão concorrer para manter essa verticalização”, diz.
Ele lembra ainda que o surgimento das plataformas de investimento, ao longo dos últimos anos, também é um reflexo dessa revolução na interface com o usuário. Além disso, a questão dos padrões sociais, ambientais e de governança (ESG) também pode ter algum impacto, já que 85% das instituições financeiras dizem que isso vai influenciar a oferta de produtos e serviços nos próximos anos.
Sobre o quinto cenário, das CBDCs, ele reconhece que esse futuro está mais distante que os outros, mas diz que não pode ser descartado. “É claro que os bancos vão continuar emprestando dinheiro, oferecendo serviços financeiros, mas, se eles não forem os donos da conta do cliente, fica difícil. Isso está distante, mas há dez anos quem falaria de Pix, que foi uma iniciativa capitaneada pelo BC e que tirou uma fonte de receita importante dos bancos?”, questiona. “O BC tem sido um impulsionador da inovação.”