https://valor.globo.com/financas – 10/06/2022.
Por Cacá Takahashi (*)
Pandemia reforçou urgência do tema, que é peça-chave para sobrevivência dos negócios no longo prazo.
Se globalmente a sustentabilidade ganhou relevância nas últimas décadas, no Brasil, tragédias como as ocorridas nas cidades de Mariana e Brumadinho acenderam o alerta para a necessidade de uma agenda no mercado de capitais. A pandemia reforçou a urgência do tema, com a mudança na percepção de riscos dos investidores e a criação de programas de retomada econômica focados em questões sustentáveis.
Em ambos os casos, a pauta sustentável se tornou obrigatória. O tsunami ESG (critérios ambientais, sociais e de governança) é peça-chave para a sobrevivência dos negócios no longo prazo, e veio para ficar.
Essa é a opinião das instituições financeiras brasileiras. Para 87% delas, a pauta ganhou relevância recentemente, segundo pesquisa da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) com apoio do Datafolha e da consultoria Na Rua. Ao olhar para o futuro, 90% acreditam que a sustentabilidade terá ainda mais importância.
O Brasil ainda está atrasado. No mundo, ativos sustentáveis sob gestão somaram US$ 35,3 trilhões em 2020, segundo a Global Sustainable Investment Alliance. Quase metade (48%) está nos EUA. O restante se divide entre países da Europa (34%), seguidos do Canadá, do Japão, da Austrália e da Nova Zelândia.
Uma das razões para essa demora por aqui é o diferente entendimento sobre o assunto. Embora difundidas na imprensa, as siglas ESG e ASG estão distantes de 67% das casas ou são vistas só como boas práticas ambientais no escritório.
Essa assimetria foi classificada pela Anbima em cinco perfis com base na forma que compreendem e lidam com as práticas ESG. Foram chamados de desconfiados (4,2% do mercado), distantes (35,5%), iniciados (32,1%), emergentes (21,5%) e engajados (6,8%). Cada um guarda particularidades que devem ser conhecidas a fundo para que a agenda de sustentabilidade seja efetiva.
Enquanto os desconfiados enxergam o tema com ceticismo ou até uma ameaça aos negócios, os distantes sabem o que é, mas só reconhecem ações ligadas ao meio ambiente e acham que não se aplicam a eles. Os iniciados sabem da relevância, mas promovem iniciativas dentro do escritório, sem extrapolar para a estratégia de negócios. Os emergentes entendem sustentabilidade como conceito amplo – além do ambiental – e implementaram processos e políticas. Eles estão no caminho para a maior integração do tema à estratégia. Os engajados já colocam o ESG no centro dos negócios, envolvendo estratégias de produtos e serviços.
Apesar das diferenças, há uma evolução. Parte das instituições está em implementação ou tem planos, mesmo que ainda não apresente nada concreto.
As gestoras, por exemplo, deram um salto em 2021: 80% têm política de investimento responsável ou documento que formalize o tratamento do tema – pronto ou em desenvolvimento. Em 2018, esse número era 69%. Elas também avançaram na estrutura dedicada ao tema. Enquanto apenas 34% das gestoras tinham estrutura para tratar de ESG em 2018, hoje 71% afirmam tê-la (exclusiva ou não), com funcionários diretamente envolvidos, treinados ou comitê dedicado.
Ao dar um zoom nos critérios, o olhar atento das gestoras para o G não surpreende, dado o histórico de perda de valor de companhias brasileiras por falta de boa governança. No entanto, as questões mais observadas ainda são amplas, como transparência e ética. Aspectos específicos, como remuneração e independência do conselho de administração, deixam a desejar. O mesmo se aplica ao ambiental e social. No caso do último, há menos engajamento em diversidade e inclusão. São descobertas que mostram um mercado fragmentado na adoção desses critérios.
Há um longo caminho pela frente e obstáculos para transpor. Segundo as instituições, o principal é a ausência de critérios e padrões na hora de adentrar no mundo da sustentabilidade, especialmente em um mercado no qual o conceito ESG está em absorção. As referências internacionais não se ajustam plenamente à nossa realidade e a diversidade de métricas, réguas e rankings pode mais confundir do que ajudar.
Atenta a essas dificuldades, a Anbima trabalha na identificação de fundos sustentáveis via autorregulação. As normas, que estão em vigor para renda fixa e ações e avançarão a todas as classes de fundos, trazem requisitos que se aplicam a fundos e gestoras para que os produtos possam receber o sufixo “IS” (Investimento Sustentável) no nome. Essas exigências funcionam como parâmetro para o mercado e para os investidores.
Esse é apenas um passo de uma jornada que não é trivial. Ela requer tempo, recursos e dedicação. É animador constatar que o mercado entendeu a relevância e está em conscientização, mas toda transformação estrutural leva tempo. Os retornos não são mais desculpa: os investimentos sustentáveis provaram ser tão rentáveis quanto os tradicionais, além de serem mais resilientes em momentos de volatilidade. Quanto antes o mercado se adaptar, mais investidores e players dormirão com a consciência tranquila.
(*) Cacá Takahashi é vice-presidente da Anbima
E-mail diretoria@anbima.com.br
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso destas informações.