Por Fernando Torres Bezerra – Valor – 26/02/2016.
Cinco anos após a adoção completa das normas contábeis internacionais no Brasil, e no momento em que centenas de empresas estão fechando os balanços de 2015, a área técnica da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) achou por bem reforçar aos participantes do mercado que, no âmbito do padrão contábil IFRS, a essência econômica deve prevalecer sobre a forma jurídica das transações.
O superintendente de normas contábeis da CVM, José Carlos Bezerra, garante que o ofício divulgado na semana passada não tem mensagens subliminares.
Mas um comunicado como esse, em que o regulador do mercado vem a público para relembrar empresas e auditores que a representação fidedigna é um dos pilares da informação contábil, não surge do vácuo, e sim da experiência de fiscalização do regulador e das discussões com os agentes do mercado. “Dado que estamos em um país com tradição de direito positivo, os assuntos ainda são lidos ou tratados muito mais pela forma do que pela essência”, afirma Bezerra.
Além da dar o comando geral no ofício, a CVM decidiu ir além e informou de que maneira a área técnica encara alguns temas sensíveis da atualidade com os quais empresas e auditores podem se defrontar ao fechar os demonstrativos do exercício de 2015, como classificação de instrumentos híbridos (ver mais em Autarquia chama atenção para híbrido), financiamento com uso de fundo de recebíveis e operações de antecipação de recebíveis com algum tipo de participação do comprador – chamada no mercado de “confirming” ou “forfait”.
Basicamente, a CVM deixou claro o que entende como essência dessas e de outras transações, sendo em que em alguns pontos deve ter agradado mais aos contadores – quando reforça a liberdade de julgamento das empresas – e em outros aos auditores, quando reduz o espaço discricionário do preparador.
Entre os avisos mais genéricos dados pela CVM está um alerta para a necessidade de realização da testes impairment antes de fechar os balanços do fim de 2015, a fim de verificar se o valor recuperável dos ativos ainda supera o montante registrado nos livros contábeis.
Quando isso não ocorre, as companhias precisam realizar baixas nos valores, como foi o caso de Vale, Usiminas e BM&FBovespa e tende a ser o de inúmeras outras empresas nesta temporada, inclusive da Petrobras, conforme já indicam os analistas em suas projeções.
Na visão da CVM, o quadro de inflação e juros elevados, aumento de prêmio por risco no Brasil e queda no preço de commodities é suficiente para justificar a realização do teste de forma ampla.
Ainda sob perspectiva mais genérica, a CVM deve ter agradado as empresas ao abrir o ofício lembrando da existência de um dispositivo conhecido pelo termo em inglês “true and fair view override”, que permite que elas possam até mesmo contrariar uma norma contábil específica, caso a decisão de segui-la ao pé da letra deforme a verdadeira situação financeira e patrimonial da companhia. Tudo pela representação fidedigna.
Já se seus clientes resolverem usar essa opção, os auditores provavelmente vão chamar a atenção para outra parte do ofício, em que a CVM reconhece que a opção só deve ser usada em situações extremamente raras.
O presidente do Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon), Idésio Coelho, admite o desconforto da profissão em lidar com o dispositivo. “Há receio sim porque, para quem faz asseguração de que algo está de acordo com a norma, é difícil desprezar a norma.”
A CVM também trouxe sua visão, esta em linha com os auditores, sobre como as empresas compradoras devem registrar operações de “confirming” ou “forfait”, em que o banco antecipa um recebível para o fornecedor, com uma espécie de anuência
de quem paga a fatura, que passa a ser devida à instituição financeira e não mais ao vendedor. Para o regulador, na essência, há um empréstimo para o comprador, que deve ser contabilizado como tal.
Para alguns participantes, esse entendimento deveria valer quando o comprador tem participação ativa na operação, aumenta seu prazo de pagamento e eventualmente seu custo. Já quando só se muda o destinatário do pagamento, o registro poderia continuar na conta de fornecedores.
Em relação à venda de carteiras para FIDCs, a autarquia reforçou que a saída das operações do balanço só ocorre quando há transferência dos riscos e benefícios.
“Não importa o nome que se dê para a cota retida, se mezanino, júnior. Se há garantia, a empresa não pode desconhecer”, diz Bezerra.