Postado por: Edison Fernandes Seção: Contabilidade, Tributação – Valor – 04/11/2014 às 10h58.
Isto me lembra aqueles filmes de ficção científica, em que se abre um portal cósmico, em formato de um círculo energético, por onde as personagens podem viajar pelas dimensões do espaço e do tempo e outras dimensões mais.
A publicação da lei que disciplina o imposto sobre a renda das pessoas jurídicas no contexto dos padrões internacionais de contabilidade (IFRS) parece ter resolvido uma questão importante, pertinente à obrigatoriedade desse padrão a todas as empresas brasileiras, independentemente do tipo societário e do porte, com exceção às micro e pequenas empresas. Dessa forma, estaria aberto o “portal cósmico” para permitir às empresas, especialmente as sociedades limitadas que não sejam de grande porte, nos termos da lei, a adoção inicial dos pronunciamentos do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), órgão responsável por incorporar os IFRS à legislação contábil brasileira.
Para entender essa oportunidade, convém voltarmos um pouco no tempo. Em 2008, por meio da alteração na Lei das Sociedades por Ações, foram previstas as bases para que o Brasil aderisse aos IFRS. A sua regulamentação, por meio das manifestações do CPC, e a sua implementação definitiva ocorreu no ano de 2010. Considerando que as normas contábeis brasileiras são aplicadas às demonstrações financeiras individuais das empresas, esse ano de 2010 foi o momento da adoção inicial do novo padrão contábil, haja vista que, a partir de então, todas as empresas, constituídas e a constituir, deveriam observar a mesma legislação contábil.
Acontece que a lei que introduziu os IFRS no direito brasileiro fez referência expressa às sociedades por ações e às sociedades limitadas de grande porte – assim entendidas aquelas que tenham faturamento igual ou superior a R$ 300 milhões no ano anterior ou que tenham ativos totais iguais ou superiores a R$ 240 milhões. Uma leitura literal desse dispositivo jurídico conduziria ao entendimento de que as sociedades limitadas que não se enquadrassem no conceito de grande porte estariam desobrigadas de adotar o novo padrão contábil brasileiro.
A intensidade da discussão provocou a mudança, também por meio de lei, nas atribuições do Conselho Federal de Contabilidade (CFC), que passou a ser o órgão responsável pela edição das normas contábeis no Brasil. Porém, mesmo assim, a observância dos IFRS foi atribuída ao profissional da contabilidade e, dessa forma, somente por via indireta e reflexa às sociedades limitadas.
Até que no fim de 2013 foi editada a Medida Provisória nº 627, convertida em lei em 2014, que disciplinou a tributação da renda e da receita no contexto dos IFRS. Essa Lei nº 12.973 resgata a contabilidade societária para efeito de determinação da base de cálculo do IRPJ, da CSLL, da Contribuição para o PIS e da Cofins, considerando amplamente a adoção dos IFRS.
Em conclusão, todas as empresas brasileiras, incluídas as sociedades limitadas que não sejam de grande porte, estão obrigadas a adotar o atual padrão contábil brasileiro (IFRS/CPC), sob pena de a apuração dos tributos sobre a renda e sobre a receita ser considerada irregular – a única exceção são as micro e pequenas empresas que adotam o Simples Nacional -, o que implica afirmar que haveria oportunidade da adoção inicial das normas contábeis ser em 2015 (ou em 2014, dependendo da opção da empresa).
Existem vários efeitos jurídicos da adoção inicial dos IFRS. Efeitos esses que não são exclusivos da matéria tributária, mas abrangem as relações societárias, contratuais, trabalhistas e de direito administrativo, entre outras.
Um dos principais pontos diz respeito à adoção do custo atribuído (“deemed cost”) aos ativos, que seria uma espécie de reavaliação, hoje vedada por lei. Com isso, as empresas têm a oportunidade de corrigir o seu valor “de livros”, ou seja, o valor contábil, aproximando-o ao valor efetivo de mercado, que é uma das pretensões dos IFRS, melhorando, dentre outros impactos, sua estrutura de capital.