Por Eduardo Belo | De São Paulo – Valor – 26/09/2014 às 05h00.
O processo de globalização da economia, iniciado na década de 1980, despertou nas autoridades reguladoras e no mercado de capitais a necessidade de universalizar os padrões contábeis. A ideia já estava madura desde 1973, quando foi criado o International Accounting Standards Committee (IASC), órgão responsável pela emissão do International Accounting Standards (IAS), os padrões internacionais. O padrão United States General Accepted Accounting Principles (USGAAP) despontava como o favorito devido à importância da economia dos EUA quando foi atingido por um duro golpe: a sequência de megafraudes corporativas de empresas americanas.
A principal ocorreu na Enron. A empresa de energia, sétima maior corporação dos Estados Unidos na época, recorria a uma contabilidade criativa havia vários anos, quando foi denunciada aos órgãos reguladores. A dívida de cerca de US$ 11 bilhões não aparecia no balanço. A empresa pediu concordata em dezembro de 2001 e arrastou a Arthur Andersen, considerada corresponsável pela fraude.
“O escândalo da Enron e não o 11 de setembro será considerado divisor de águas na história da sociedade dos Estados Unidos”, previu o economista Paul Krugman em artigo para o “The New York Times”, em fevereiro de 2002. Outros escândalos vieram na esteira. Fraudes contábeis envolvendo gigantes como a WorldCom e a sobrevivente Merck selaram o destino do USGAAP e abriram o caminho para o International Financial Reporting Standards (IFRS).
A diferença entre os dois modelos é que o padrão americano baseia-se em regras, ao passo que a IFRS adota princípios e é, por isso, mais interpretativa. As normas americanas oferecem um conjunto de obrigações maior que as da IFRS. Sua complexidade, porém, não foi suficiente para impedir a grande onda de fraudes.
Um pouco antes de os escândalos se multiplicarem entre as empresas americanas, a Europa, liderada pelos britânicos, se mobilizava para acabar com a babel contábil e impor ao mundo corporativo uma linguagem universal. Em abril de 2001 o IASC foi sucedido pelo International Accounting Standards Board (IASB) e as IAS começaram a ser substituídas pelas IFRS. O processo caminhava em ritmo tranquilo quando a onda de fraudes deflagrou a necessidade de uma resposta urgente.
A Europa caminhou para o IFRS e ainda tenta convencer os Estados Unidos a seguir o mesmo caminho. Recentemente, a SEC, órgão regulador do mercado de capitais americano, divulgou nota sobre a adoção do padrão internacional. Em resumo, a agência e o mercado dos EUA como um todo se mantêm reticentes quanto à IFRS e, enquanto isso, permanecem agarrados a seu próprio padrão.
Os EUA afirmam que só adotarão a IFRS quando julgarem conveniente, diz Ramón Jubels, sócio da KPMG no Brasil. Para ele, a resistência americana em aderir ao padrão é uma perda, já que faltam parâmetros de comparação entre empresas. Havia uma expectativa de convergência a partir da crise financeira de 2008, mas não evoluiu. Desde janeiro de 2005, as empresas europeias abertas adotam essas normas. O Brasil começou a entrar na IFRS em dezembro de 2007, com a sanção da nova Lei das S.A. – em substituição à que vigorava desde 1976.