Postado por: Edison Fernandes Seção: Contabilidade, Societário – Valor Econômico – 13/08/2014 às 10h54.
Estamos tão à flor da pele que qualquer beijo de novela nos faz chorar – como diria Zeca Baleiro. A repercussão da carta enviada pelo Banco Santander a alguns de seus correntistas provocou paixões: de um lado, os que condenaram os profissionais do banco por uma análise econômica quase eleitoral. De outro, os que vieram, depois, a condenar a punição a esses profissionais por terem expressado a sua opinião.
A irracionalidade provocada por essa postura de nós contra eles, digna de uma pelada de solteiros contra casados, é bastante prejudicial em um país que se pretende democrático. Tal postura, se não corrigida, pode prejudicar até as informações que as empresas devem prestar ao mercado e à sociedade.
Destaco um exemplo que pode ser simbólico dessa situação: a constituição de provisão para devedores duvidosos, a famosa PDD, como foi recentemente regulamentada em Londres (pelo International Accounting Standards Board – Iasb, responsável por editar os International Financial Reporting Standards – IFRS).
No recente divulgado IFRS 9, o padrão internacional de contabilidade passou a determinar que o reconhecimento contábil da inadimplência deixe de ser meramente retrospectivo e seja prospectivo. Em outras palavras: as empresas deverão registrar nas suas demonstrações financeiras não só a inadimplência incorrida, ou seja, os títulos a receber já vencidos e não pagos, como também uma estimativa de inadimplência futura.
Considerando que uma estimativa de inadimplência futura decorre de uma análise da conjuntura econômica do mercado, a empresa atual, a sua administração, inevitavelmente, deverá tomar posição sobre a perspectiva de inflação, de oferta de crédito, do desemprego e de outros fatores que possam influenciar no poder de pagamento dos seus clientes.
Nesse contexto, imagine que uma determinada companhia aberta, atuante na área do varejo de média e baixa renda, divulgue suas demonstrações financeiras nas quais é informada uma inadimplência significativa, em virtude de os seus executivos projetarem um cenário ruim para a economia no curto prazo. Essa companhia será acusada de ser contra o governo?
Ou, de maneira diferente, outra companhia informa uma inadimplência irrelevante, próxima de zero, porque seus executivos acreditam que o pior da crise econômica já passou e que as medidas macroeconômicas adotadas pelo governo seriam suficientes para garantir o poder de pagamento dos seus clientes. Essa demonstração financeira terá sua publicação vedada pelo Tribunal Regional Eleitoral sob o argumento de que seria peça publicitária do governo?
Existem várias interferências eleitorais dos agentes de mercado que devem ser punidas, e punidas de maneira exemplar, como é o caso do abuso do poder econômico e da compra de votos – com dinheiro, bens ou favores. Acontece que manifestar opinião sobre a conjuntura econômica é uma prerrogativa inalienável dos analistas, institucionais ou independentes, que não devem ser condenadas, ainda que, por acaso, contrarie interesses eleitorais.