https://valor.globo.com/financas/criptomoedas/noticia – 07/12/2023.
Por Juliana Steil, Valor — São Paulo.
Projeto do Banco Central é mais que uma moeda digital inserida no sistema financeiro brasileiro.
Drex, do Banco Central — Foto: Arte/Valor.
O motorista por aplicativo Edinei Miranda Bender, morador de Goiânia (GO), tentou comprar um automóvel seminovo e perdeu R$ 38 mil — dinheiro que juntou vendendo seu antigo carro, sua principal ferramenta de trabalho.
Fazendo uma transação na base da confiança, ele diz que viu um anúncio em um site e que trocou mensagens com um homem, sem desconfiar que poderia nunca ter o automóvel em seu nome. Depois de depositar o dinheiro, porém, nunca mais ouviu falar do então vendedor. “O chão se abriu na minha frente e o desespero começou a bater”, desabafa.
No Drex, projeto do Banco Central, golpes como esse tendem a ficar muito mais difíceis de serem aplicados, já que as transações só serão concluídas caso fique comprovado que comprador e vendedor possuam aquilo que está sendo negociado (carro, dinheiro) — e suas posses são transferidas imediata e simultaneamente.
Além de ser o projeto de moeda digital do Banco Central (o “Real Digital“), o Drex, acrônimo que significa Digital, Real e Eletrônico (o X é de modernidade e conexão), é uma plataforma que servirá para abrigar a representação digital de diversos tipos de bens, como casas, carros, ações e outros títulos, permitindo transações financeiras mais rápidas e seguras.
Dentro dessa plataforma, que usará a tecnologia blockchain, bens serão convertidos em “tokens” — que podem equivaler a um ativo tangível (uma casa ou um carro, por exemplo) ou intangível (marca, patente etc). “Tokenizar”, portanto, é esse processo de conversão de algum bem de valor em um token digital dentro de uma blockchain, como a do Drex.
Ou seja, os direitos de propriedade sobre uma residência podem ser transformados em um ativo digital para que, caso necessário, a transação de compra e venda seja feita em ambiente totalmente virtual, com mais segurança, menos custos e mais agilidade.
Essas transações de compra e venda serão possibilitadas por meio de contratos inteligentes (ou autônomos), que executam automaticamente cláusulas pré-definidas assim que certas condições são cumpridas dentro da plataforma Drex. Um comprador não terá seu dinheiro retirado de sua conta enquanto seu bem (ou ativo, neste caso), não for devidamente passado para o seu nome.
“Por exemplo, se você for comprar um carro, pode ficar com receio de pagar e o vendedor não passar a propriedade do veículo. Com o Drex, não importa quem vai fazer o primeiro movimento, pois o contrato só será concluído quando ambos acontecerem. Assim, o dinheiro e a propriedade do carro serão transferidos de forma simultânea. Se uma das partes falhar, o valor pago e o carro voltam para seus respectivos donos”, exemplifica o BC na página do Drex.
Desta forma, o golpista jamais teria visto o dinheiro de Edinei. Ao não encontrar o token do carro na carteira do estelionatário, o contrato inteligente faria o dinheiro do motorista voltar para sua conta. Tudo isso na mesma operação.
É como se, em efeitos práticos, o Drex fosse o Pix das instituições financeiras. Essa plataforma, portanto, não será acessada diretamente pelo público em geral, mas sim pelas instituições, sendo elas financeiras ou não.
Como todos esses ativos estarão acessíveis pela rede do Drex como tokens? Além de instituições financeiras, outras organizações também terão sua porta para acessar a plataforma do Banco Central. Isso pode incluir Detrans e cartórios, por exemplo.
E a moeda digital?
A moeda digital — que também é apelidada de “Real Digital” —, é a segunda parte do projeto, quando a tecnologia começará a integrar o cotidiano dos brasileiros, segundo o BC. Isso porque, para que esses contratos inteligentes abarquem transações financeiras dentro do novo ecossistema, é preciso que o dinheiro também esteja tokenizado.
Daí a necessidade da criação da Central Bank Digital Currency — CBDC (moeda digital emitida por banco central, em tradução livre).
A moeda digital está prevista para chegar, de forma limitada e experimental, ao final de 2024, de acordo com o BC. Será apenas uma das centenas de milhares de informações contidas em um sistema que tende a ser altamente criptografado e, mais importante, seguro.
Os Drexes circularão dentro desta plataforma e será possível usá-los para comprar bens, imóveis, veículos, títulos públicos e outras transações financeiras, diz o BC.
Pareadas e estabilizadas, as moedas terão sempre o mesmo valor. Ou seja: cada R$ 1 irá equivaler a 1 Drex (e vice-versa), de acordo com o Banco Central. Porém, as moedas serão contabilizadas separadamente — não irão se somar quando depositadas na conta bancária: haverá um valor de real e um valor de Drex no extrato.
Em resumo: a cada conversão realizada, o BC diz que irá remover a quantidade equivalente de real de circulação, aumentando a de Drex assim sucessivamente.
Ainda, a plataforma Drex irá convergir com o open finance, que permitirá a unificação das informações bancárias em um só lugar, enquanto a moeda digital poderá se valer do Pix, o meio de pagamento instantâneo que se tornou popular pouco tempo após seu lançamento, afirma o BC.
Vale dizer, porém, que apenas os bancos e as instituições de pagamentos do sistema financeiro terão o Drex, com emissão e garantia do Banco Central. Segundo a autoridade monetária, isso quer dizer que consumidores e empresas só terão acesso a um token de real e que, na prática, será um depósito bancário como os atuais, mas na versão tokenizada.
Com isso, o Drex de atacado é análogo às reservas bancárias e irá compor o agregado monetário M0, enquanto o Drex de varejo se refere aos depósitos bancários e irá, assim, compor, o M1, de acordo com o informado pelo BC.