https://valorinveste.globo.com/mercados/cripto/noticia – 22/08/2023.
Por Laelya Longo, Valor Investe — São Paulo.
Coordenadores do projeto do Real Digital realizaram live para esclarecer as principais dúvidas e confusões sobre a iniciativa; especialista aponta que ‘novo batismo’ optou pela ‘criatividade do difícil’.
Imagine um cachorro chamado Pitombo. O dono do Pitombo gosta muito de fazer fotos e vídeos do seu cachorro esperto e simpático. O dono do Pitombo achou que ganharia muito mais engajamento se adotasse nomes diferentes para cãozinho nas diferentes redes sociais. Nas fotos que compartilha no Instagram, o cãozinho se chama Maracujá. Nos vídeos postados no YouTube, o nome é Cadeira.
Quem já estava familiarizado com as histórias do Pitombo achou meio estranho essa inovação. Já quem conheceu o Cadeira do YouTube acha que o Maracujá do Instagram é um fake. E vice-versa. Ambos os seguidores não acreditam que, na verdade, o cão real é o Pitombo.
É essa a confusão que o Banco Central (BC) criou ao renomear o real digital de Drex.
A autoridade monetária realizou, ontem (21), a live “Drex: fatos, fakes e todas as dúvidas sobre a moeda digital”, na qual os líderes do projeto buscaram esclarecer as principais dúvidas que surgiram desde a apresentação do novo nome da moeda digital brasileira, há duas semanas. Inicialmente programada para 30 minutos, a live teve mais 10 minutos de perguntas e respostas e, ainda assim, muitos conceitos ainda ficaram no ar.
Em paralelo, o chat ao vivo da live era bombardeado por mais dúvidas, navegando entre questões tecnológicas, práticas do cotidiano e teorias de conspiração, salpicados por uma campanha de valorização da carreira pelos servidores do BC.
“Assim como o Pix, a transação eletrônica que facilitou a troca de dinheiro sem a necessidade de papel, o Drex é uma iniciativa moderna e importante do Banco Central”, aponta Marcos Bedendo, professor de branding da ESPM-SP e sócio consultor da Brandwagon, empresa especializada em desenvolver conceitos de marca. “Mas ele precisa, assim como o Pix, ser bem aceito pela população. E é aí que o nome pode complicar essa aceitação.”
Bedendo avalia que “o Pix precisava ter um nome distinto, até para que as pessoas soubessem que era uma transação diferente das outras – como o DOC e a TED – e nesse caso, o uso de três letrinhas de uma forma simples de falar foi certeira”. “A clareza da ideia, somada ao fato de o serviço ser gratuito, caiu como uma luva para qualquer tipo de transação, de pequenos a grandes volumes”, pontua. “Taxi, Uber, a conta da padaria e até os vendedores ambulantes de semáforo passaram a usar o sistema.
A proposta do BC é que a moeda digital brasileira siga o mesmo caminho do Pix. “Mas perdeu uma grande chance de facilitar o acesso e o entendimento da população ao deixar de chamar o produto simplesmente de Real Digital, porque todo mundo no Brasil recebe e paga em Reais”, pondera Bedendo.
“Ao tentar fazer algo inovador, optou-se pela criatividade do difícil”, explica o especialista. “O time de marketing do BC deveria ter se preocupado menos com a inovação e mais com a população.”
Bedendo alerta que haverá dúvidas e demandas por explicações, dificultando a aceitação da moeda por parte da população. “Você vai fazer Pix, Drex ou vai de Real mesmo? Podemos começar a imaginar as dúvidas na cabeça do ambulante, do feirante, do lojista, além de confundir o consumidor que quer fazer um pagamento”.
E é justamente o que já está acontecendo.
Para administrar os mal-entendidos, a live “Drex: fatos, fakes e todas as dúvidas sobre a moeda digital” trouxe um formato de perguntas e respostas, sobre as dúvidas colhidas pela equipe do Banco Central nas redes sociais. As respostas foram dadas pelo coordenador da iniciativa do Real Digital, Fábio Araújo, e pelo chefe do Escritório de Inovação e Segurança Cibernética do BC, Aristides Cavalcante.
Acompanhe as principais dúvidas e respostas:
- Quando é que a gente começa a usar o Drex?
A atual fase do projeto-piloto, que está conectando as instituições participantes à rede e resolvendo as questões de privacidade, vai até meados de 2024. Uma vez superada essa fase, o BC vai conseguir visualizar um prazo para testar os primeiros casos de usos que estarão acessíveis à população, entre o final de 2024 e início de 2025.
- O Drex é a nova moeda mundial?
Não. O Drex é o real nosso do dia a dia, agora em uma tecnologia mais adequada para as transações digitais. Precisamos de uma moeda que seja apta para esse ambiente. É o mesmo real que está na conta bancária e que poderá ter na carteira de ativos digitais para ter acesso a outros serviços financeiros, na dinâmica da era da informação.
- O Real Digital vai substituir o dinheiro de papel e as moedinhas? Quem tiver o Drex vai receber tudo em Drex , não vai poder sacar esse dinheiro?
Não. A ideia do Drex é trazer mais uma alternativa de representação da moeda, utilizando mais tecnologia. O uso do dinheiro é muito individual, cada um tem um hábito. Tem pessoas que sempre têm dinheiro na carteira, e o Drex não vai substituir o papel moeda, a moedinha, o pagamento bancário ou o PIX. O Drex poderá ser utilizado nas operações que forem mais convenientes para cada pessoa.
- As transações são centralizadas no governo, que vai poder ver tudo que as pessoas fazem e até confiscar ou congelar a conta?
As transações no Drex seguem o mesmo padrão das transações do sistema financeiro convencional. Elas estão sendo desenhadas para não ser centralizadas no governo. Serão feitas em um sistema distribuído, com o seu provedor de serviços financeiros, que pode ser um banco, uma instituição de pagamento ou uma fintech. São esses provedores que têm as informações dos clientes e de suas transações, da mesma forma como é hoje.
Um dos aspectos principais do projeto-piloto em desenvolvimento é sanar lacunas quanto à privacidade de dados, atendendo aos mesmos requisitos atuais de sigilo como em qualquer meio de pagamento digital, como PIX, cartão de crédito, TED e outros.
- Se o Drex for muito mais aceito que o Real tradicional, ele pode assumir um valor maior, uma cotação mais alta que o Real? As duas moedas poderão ter cotações diferentes?
Não, não pode ter cotação diferente. O Drex é o Real, só que em outra plataforma. Então, se você transferir da plataforma do Drex para a sua conta bancária, ou sacar do caixa, um Drex que você sacar, você vai sacar um Real, porque um Drex é um Real.
O Drex não é uma criptomoeda, cujo valor da criptomoeda está sujeito às variações de demanda e oferta. O Drex é o Real digital, é a nossa moeda nacional, a nossa moeda fiduciária.
- Como é que vai ser o Drex para quem não tem afinidade com tecnologia?
A interatividade do Drex vai acontecer através dos aplicativos dos bancos, que vão prover a melhor experiência para cada cliente, maior facilidade para as pessoas realizarem as transações, assim como aconteceu com o Pix.
Vai ser tão simples quanto enviar uma mensagem de WhatsApp, de uma forma que permita o usuário saber exatamente o que está fazendo e ter a segurança daquela transação. A democratização que o Drex vai trazer é de utilizar ferramentas que são complicadas, como DLT e smart contracts (contratos inteligentes), que hoje só uma pequena parcela da população consegue fazer uso, para que uma parcela maior da população.
- Qual a garantia de que não usarão a CBDCs (Central Bank Digital Currency, as moedas digitais de Banco Central) para o mal, para rastrear e limitar a liberdade do povo?
A garantia está na Constituição Federal. Se o objetivo do Banco Central fosse centralizar dados e transações, não teríamos um desafio tecnológico tão grande. O objetivo é fomentar a inovação, mas com um arcabouço jurídico forte. O Banco Central não tem o poder de bloquear contas, apenas a Justiça, conforme diz a Constituição. A Justiça que pode demandar aos bancos, às instituições financeiras, o bloqueio de bens e de contas, e este preceito regulatório continuará no Drex.
- O Drex vai estar inserido nos bancos ou as pessoas vão usar em uma plataforma à parte?
O Drex vai ser usado através do aplicativo do seu banco, da instituição financeira que for escolhida. A pessoa não vai acessar diretamente o Drex, não tem que baixar nenhum aplicativo para poder acessar. A pessoa vai escolher a instituição que melhor entender às suas necessidades. A partir disso, vai acessar o portfólio de serviços e produtos que essa instituição vai oferecer ou outras, por meio do open finance. E pode-se escolher usar ou não o Drex. Não será obrigatório.
- Num cenário hipotético de que hackers organizem um roubo de Drex em massa, seria possível reaver o dinheiro?
Se esse dinheiro estiver no formato digital, e, claro, mediante uma ordem judicial, os bancos poderão reverter as transações. Uma vez que a transação foi considerada fraudulenta, que houve uma fraude, houve um hack, houve um roubo, as transações poderão ser revertidas.
Se esse dinheiro for convertido em real físico e sacado, não é possível reaver. De forma bastante semelhante com o que acontece com o Pix hoje. O Pix tem mecanismos para tentar reverter as transações, mas infelizmente, dentro de alguns golpes, esses fraudadores rapidamente sacam o dinheiro e o transformam em formato físico.
- O Drex vai ser negociado em bolsa?
Deve ocorrer justamente o contrário. A bolsa é para ser negociada no Drex. O BC pretende trazer os ativos na forma digital para serem negociados dentro da plataforma do Drex. Ações, títulos públicos federais, imóveis, automóveis. O Drex vai estabelecer o mercado para negociação de ativos.
- O Drex vai ser transacionado na rede blockchain Stellar (protocolo descentralizado e de código aberto que facilita o envio e recebimento de dinheiro em múltiplas moedas)?
O Drex está sendo desenvolvido sobre a Hyperledger Besu, que é uma rede permissionada, onde todos os participantes são instituições reguladas e autorizadas do sistema financeiro nacional. Assim como as redes blockchains públicas, a Hyperledger Besu é uma rede DLT, isto é, tecnologia de registro distribuído.
Nessa primeira etapa do projeto-piloto, o desafio é superar as questões sobre privacidade de dados. O segundo desafio é a escalabilidade e, na sequência, a interoperabilidade da plataforma do Drex com outras plataformas de DLT. A ideia é que as instituições reguladas e autorizadas pelo Banco Central possam fazer a ponte entre a plataforma do Drex e as demais plataformas de DLT que existem na economia tokenizada, na economia digital.
Drex, marca oficial do real digital — Foto: Divulgação/Banco Central