https://valor.globo.com/financas/criptomoedas – 2003/11/2022.
Por Ricardo Bomfim — De São Paulo.
Com CBDC, Banco Central poderá oferecer de forma gratuita serviços prestados por instituições financeiras, segundo Accenture.
Uma das maiores apostas do mundo das criptomoedas está nas chamadas CBDCs, moedas digitais de bancos centrais, que nada mais são do que a versão cripto da divisa oficial de um país. Um estudo da consultoria Accenture mostra que bancos e fintechs terão seus negócios afetados por essa inovação. Haverá um impacto negativo, com a possibilidade de a autoridade monetária oferecer de forma gratuita serviços prestados por essas instituições, mas também haverá um efeito positivo, com o crescimento do mercado de crédito para as instituições financeiras.
No caso dos grandes bancos incumbentes, a Accenture projeta uma expansão do ecossistema para oferta de produtos e a possibilidade de entrada no mercado de moedas digitais com maior segurança jurídica. Porém, isso se dará ao custo da redução do relacionamento com o cliente e da diminuição nas margens em serviços financeiros tradicionais.
“As receitas com tarifas sobre transações e manutenção de contas devem ser substituídas por novas fontes ao longo dos anos, pois CBDCs devem fornecer essas funcionalidades a um custo zero ou mínimo”, avalia Edlayne Burr, diretora executiva e líder de estratégia para pagamentos da Accenture na América Latina. No caso da conta, por exemplo, em vez de ter uma conta corrente para fazer transações, o cliente poderia manter uma carteira digital (wallet) a custo zero fornecida pelo próprio BC, e fazer transações por meio dela.
Burr afirma, por outro lado, que a inserção de mais pessoas e empresas no sistema financeiro, somada à maior disponibilidade de dados proveniente do open banking, gera oportunidades maiores de concessão de crédito para bancos e fintechs dispostos a expandir suas carteiras. “Instituições financeiras podem se beneficiar das CBDCs como um canal extra de contato e distribuição, firmando contratos inteligentes [de crédito]”, pontua.
Hoje, o Brasil já tem uma CBDC em desenvolvimento, o real digital, que deve chegar ao mercado em 2023, segundo o Banco Central. A versão cripto do real faz parte do laboratório de inovação do BC, o Lift Challenge, que testa soluções para verificar a segurança e os casos de uso possíveis da moeda.
A executiva diz que o real digital pode se tornar um canal de retenção de moeda. “Parte das interações dos usuários com seu dinheiro pode ocorrer nesse ambiente. Dessa forma, o real digital pode servir como um canal para oferecer ativamente serviços adicionais rentáveis, como crédito e investimentos”, diz. Ou seja, da mesma forma como o Pix teve impacto na receita dos bancos com tarifas sobre transferências, o real digital pode afetar tarifas cobradas por serviços prestados pelas instituições financeiras.
Burr destaca que o Brasil possui um dos sistemas financeiros mais robustos do mundo, e que o Estado pode ganhar com a transparência do blockchain. “Para o governo, um dos principais benefícios de uma CBDC seria a rastreabilidade financeira, facilitando a cobrança de tributos e auxiliando a coibir a criminalidade”, afirma.
Já do ponto de vista dos consumidores, Burr avalia que o real digital tem potencial de gerar alternativas inovadoras no crédito. “Adicionalmente, contratos inteligentes podem tornar relações comerciais cada vez mais simples, rápidas e confiáveis”, diz. O mercado de câmbio, por sua vez, também pode ganhar com a criptomoeda. “O câmbio via CBDC pode trazer benefícios para governo, empresas e consumidores finais, tornando mais fáceis e ágeis as transações entre fronteiras, estimulando importações e exportações.”
O ponto de cuidado na adoção de uma criptomoeda corrente, mesmo que emitida pelo BC, é conter a criatividade daqueles dispostos a cometer fraudes, motivo por que a executiva recomenda cautela na implementação. “Considerando a alta liquidez da moeda, erros sistêmicos ou intencionais podem não ser facilmente remediados, gerando valor indevido a participantes específicos.”
Há também fatores macroeconômicos a considerar, como a possibilidade de que a conversão de parte da moeda corrente em cripto faça com que o valor da divisa passe a oscilar com maior volatilidade. Além disso, seria necessário, na visão da Accenture, atualizar as regras para concessão de crédito de olho nos riscos relacionados à alavancagem.