https://valor.globo.com/financas – 29/06/2022.
Por Imani Moise, Siddharth Venkataramakrishnan e Joshua Oliver — Financial Times, de Nova York e Londres.
Em meio a aperto monetário global, empresas aceitam avaliação mais baixa e até consideram venda.
Com uma onda de fintechs montando sucessivas rodadas de financiamento para obter avaliações cada vez mais altas nos últimos cinco anos, a companhia sueca de serviços de pagamentos Klarna declarou sua ambição de se tornar a Ryanair, a Tesla e a Amazon do setor.
Mas agora, com os bancos centrais aumentando as taxas de juros numa briga contra a inflação em alta, a Klarna está tentando levantar dinheiro novo com menos da metade de sua avaliação máxima de US$ 46 bilhões – e as fintechs estão tendo que aceitar um mundo em que a expansão não pode mais ser alimentada por dinheiro barato e os modelos de negócios precisam ser demonstrados pelos lucros.
Avaliações caíram de 25 vezes a receita futura em outubro de 2021 para quatro vezes em maio, aponta estudo.
Um volume recorde de investimentos foi injetado nas fintechs em 2021, mas agora muitas lutam para levantar novos recursos e estão discutindo sua própria venda ou se aceitam avaliações menores para continuar operando, segundo afirmam investidores, analistas e executivos do setor.
Na última quinta-feira, a prestadora de serviços de pagamentos SumUp levantou recursos que a avaliaram em 8 bilhões de euros – significativamente abaixo do valor sugerido no começo deste ano, de 20 bilhões de euros.
E, com o cinto apertando, as chances de uma fintech sobreviver podem ser medidas pela quantidade de dinheiro em seu balanço. “Você está em modo de pânico se tiver gás por menos de um ano”, afirma Erik Podzuweit, fundador e executivo-chefe adjunto do aplicativo alemão de investimentos Scalable Capital.
As firmas de capital de risco (venture capital) mais que dobraram seus investimentos no setor no ano passado, para US$ 134 bilhões, ajudando as avaliações das fintechs a superar as de todos os outros subsetores de tecnologia, segundo dados da Crunchbase. Os financiamentos atingiram um pico no segundo trimestre de 2021, com investidores como Accel, Sequoia Capital, SoftBank e Berkshire Hathaway apoiando grupos como o banco digital brasileiro Nubank, a corretora alemã Trade Republic e a companhia de pagamentos de Amsterdã Mollie. As empresas de serviços financeiros responderam por cerca de US$ 1 de cada US$ 5 em investimentos de venture capital no ano passado.
Mas agora as avaliações das fintechs de capital aberto caíram ainda mais rápido do que subiram, depois que os financiamentos desaceleraram bastante no primeiro trimestre. As avaliações das fintechs tiveram uma queda mais acentuada do que qualquer outro setor de tecnologia, segundo aponta um estudo recente da Andreessen Horowitz Partners, que cita dados da Capital IQ. As avaliações caíram de 25 vezes a receita futura em outubro de 2021 para quatro vezes em maio.
As captações de recursos pelas fintechs no trimestre mais recente caíram 21%, para US$ 28,8 bilhões, em relação ao recorde de US$ 36,6 bilhões alcançado no segundo trimestre do ano passado, segundo a CB Insights.
“Foi fácil para os fundos que levantaram uma tonelada de dinheiro dizer ‘ah, vamos apenas dobrar a avaliação’… isso não segue necessariamente o desempenho da companhia”, diz Jonathan Keidan, sócio-gerente da Torch Capital, que investiu em fintechs como Acorns e Compass. “Os efeitos serão públicos no outono [do hemisfério Norte].”
Muitas fintechs levantaram capital com avaliações elevadas baseadas em metas de crescimento ambiciosas, diz Arjun Kapur, sócio-gerente da Forecast Labs. “Com todas as mudanças no mercado, a maior parte delas não atingirá as metas estabelecidas, o que significa que a empresa não valerá o que arrecadou.”
Ele acredita que o setor se recuperará no longo prazo, mas “muitas empresas serão espremidas no processo”.
Os investidores ficaram particularmente céticos em relação aos bancos digitais desafiantes, uma vez que a inflação alta diminui o quanto as pessoas podem poupar e aumenta a possibilidade de inadimplência. Os financiamentos às fintechs bancárias caíram 48% no primeiro trimestre, comparado com o mesmo período do ano passado, segundo a CB Insights.
Robert Le, um analista de fintechs da PitchBook, diz que uma bifurcação deverá ocorrer nos financiamentos, uma vez que as fintechs voltadas para o consumidor enfrentam dificuldades, enquanto aquelas que vendem softwares para outras empresas se mostrarão mais estáveis. Entre essas encontra-se a fintech britânica de atividades bancárias em nuvem Thought Machine, que dobrou seu valor para US$ 2,7 bilhões na mais recente rodada de financiamento, em maio.
Enquanto isso, executivos como Yorick Naeff, presidente-executivo da corretora holandesa Bux, está considerando adiar rodadas de captação de recursos planejadas. “Essas companhias, inclusive nós, deveriam se concentrar mais no caminho para a lucratividade”, disse ele ao “Financia Times”. “Se você é organizado de uma maneira que está focado apenas no crescimento, você terá problemas.”
Muitas fintechs de consumo nos Estados Unidos começaram a reduzir seus orçamentos de marketing, numa tentativa de conservar caixa, diz David Sosna, presidente-executivo da Personetics, que fornece insights e marketing para o setor bancário. “Definitivamente, vemos alguns cliente dizendo ‘OK, talvez precisemos parar ou desacelerar’.”
Banqueiros estão aconselhando empresas a conservar o máximo de caixa possível para suportar o que provavelmente serão dois anos difíceis para os financiamentos.
“Quando você considera o tempo necessário para levantar uma rodada, vê que provavelmente precisará de uma autonomia de 30 a 36 meses para não ser forçado a voltar ao mercado”, diz um banqueiro experiente de um banco comercial dos EUA. Só empresas muito fortes conseguirão captar no mesmo nível do ano passado, acrescenta.
A Freetrade, corretora do Reino Unido avaliada em 650 milhões de libras em novembro, captou 30 milhões por meio de um empréstimo no mês passado. O presidente-executivo, Adam Dodds, disse na ocasião que a medida visava reforçar o balanço da companhia, sem necessidade de ela ser reavaliada. “Os mercados estão agitados. Concentrar-se em uma avaliação neste momento talvez não seja útil.”
Além de uma avaliação mais baixa, que pode ser um sinal embaraçoso para os mercados e também afetar o moral internamente, as rodadas nesse período de baixa podem ter termos mais rígidos, como protocolos de liquidação reforçados e proteção antidiluição, afirma o analista Tom Mason, da S&P Global Market Intelligence.
A venda total está se tornando uma opção cada vez mais atraente para muitas companhias, diz Keidan, da Torch Capital. As mudanças de privacidade na Apple aumentaram significativamente os custos de aquisição do cliente, tornando as bases de clientes existentes mais valiosas, ao mesmo tempo que as avaliações das fintechs caem. Os conselhos de administração começaram a explorar possíveis vendas no segundo trimestre, diz ele.
As aquisições de fintechs – que já caminham para superar o recorde de 2021 – provavelmente vão acelerar no resto do ano, à medida que companhias financeiras tradicionais como J.P. Morgan Chase e Mastercard tiram vantagem dos grupos de softwares relativamente baratos.
“Estou vendo isso se formando muito rápido no momento”, diz Michael Abbot, líder global de bancos da Accenture, acrescentando que as uniões entre fintechs desafiantes e as já estabelecidas estão em alta.
Os negócios realizados no ano até agora incluem a aquisição da Wealthfront pelo UBS e a da Finxact pela Fiserv.
“O que os consumidores querem é o melhor do que os neobancos têm a oferecer em termos de experiência e capacidade de obter produtos rapidamente, mas ao mesmo tempo o que eles vão precisar num cenário de juros em alta é o balanço de um banco”, diz Abbott.
Um investidor de uma grande firma de private equity diz que vem recebendo um ritmo constante de propostas de fintechs tentando se vender nas últimas semanas, mas que passou adiante todas elas.
“Quem pode dizer que esse preço é realmente o preço certo? E se dentro de seis meses aquele preço for considerado caro demais?”