Governança corporativa e licença social.
Por Andriei José Beber
www.valor.com.br- 12/02/2019.
Em 1970, em artigo publicado no “The New York Times Magazine”, o economista Milton Friedman destacou: “A responsabilidade social das empresas é aumentar seus lucros”. Mesmo observando que diversas empresas vêm investindo recursos de maneira espontânea (ou impelidas a tal) no aperfeiçoamento das relações com seus stakeholders, especialmente nos âmbitos social e ambiental, frequentemente alguns executivos recuam e argumentam: “…mas nossa primeira responsabilidade social é maximizar os lucros dos acionistas”.
Contrariamente, empresas que desejam ter sucesso no século XXI têm que pensar e fazer diferente. Toda e qualquer estratégia adotada pelas organizações deve cumprir dois requisitos: 1- ampliar a rentabilidade no longo prazo e 2- melhorar o bem-estar das pessoas e comunidades que atende ou interage. Assim, a responsabilidade social das empresas é criar, simultaneamente, valor para seus clientes, fornecedores, funcionários e comunidades, bem como seus acionistas. Essa abordagem estabelece uma nova narrativa. A sociedade está exigindo que as empresas tenham um propósito social. Para prosperar, não basta apenas o desempenho financeiro.
Os modelos de gestão devem ser capazes de incorporar as dimensões social e ambiental à estratégia de negócios da empresa, buscando promover a elevação da qualidade de vida, a inclusão social, o combate efetivo à pobreza e à degradação ambiental. Um capitalismo responsável valoriza a responsabilidade empresarial.
Todos os anos, a BlackRock, gestora de recursos que administra pouco mais de US$ 6 trilhões, interage com as empresas nas quais investe por meio de uma carta aberta, defendendo práticas de gestão que permitam impulsionar a rentabilidade dessas organizações. Em 2018, recomendou que as empresas se perguntassem: “Que papel desempenhamos na comunidade? Como estamos gerenciando nosso impacto no meio ambiente? Estamos trabalhando para criar uma força de trabalho diversificada? Estamos nos adaptando à mudança tecnológica? Estamos proporcionando a reciclagem e as oportunidades que nossos funcionários e nossos negócios precisarão para se ajustar a um mundo cada vez mais automatizado? Estamos usando finanças comportamentais e outras ferramentas para preparar os trabalhadores para a aposentadoria, para que eles invistam de uma maneira que os ajude a alcançar seus objetivos?”
Como resultado, emerge um novo paradigma – a licença social para operar, especialmente no contexto de empreendimentos de mineração, exploração de petróleo e gás, geração de energia, dentre outros. A licença social desempenha uma função vital na sociedade, segundo a qual as normas sociais precedem e suplantam as regras legais. Apesar da popularidade crescente, a compreensão do conceito de licença social para operar encontra-se, ainda, em estágio incipiente. Não é um conceito novo em si. Não é prevista em lei, não está escrita em um papel e não prevê sanções de caráter legal.
Às empresas não basta a permissão regulatória ou legal, mas também a “permissão social” para conduzir seus negócios.
Uma licença social para operar refere-se ao nível de aceitação (ou aprovação) pelas comunidades locais e demais stakeholders. É a evolução das noções de “responsabilidade social corporativa” e “aceitabilidade social”. Às instituições e empresas não basta apenas a permissão regulatória ou legal, mas também a “permissão social” para conduzir seus negócios. Cada vez mais, possuir a licença social para operar é uma parte essencial do funcionamento dentro das alçadas democráticas, uma vez que, sem apoio popular suficiente, é improvável que as agências governamentais concedam voluntariamente permissões ou licenças.
Não se refere apenas a um acordo ou documento formal, mas à credibilidade real, confiabilidade e aceitação de organizações e seus projetos. É um resultado da forma pela qual empresas e instituições gerenciam a si mesmas. O nome disso é Governança Corporativa.
Trata-se de um mecanismo especializado para a regulação de risco em atividades empresariais, cuja pretensão é evitar desastres corporativos, escândalos e danos ou perdas para os investidores, funcionários, fornecedores, governos e a sociedade em geral. O modelo tem como princípios basilares a transparência, equidade, prestação de contas e responsabilidade corporativa. Para Mervyn King, ex-presidente do Banco da Inglaterra, Governança Corporativa nada mais é do que “honestidade intelectual”.
O risco, inerente ao processo, não é eliminado, porém mitigado. A mitigação de riscos amplia significativamente as chances de sucesso de uma empresa. E o principal órgão do sistema de governança é o Conselho de Administração. Sua função é ser o elo entre os sócios e a diretoria, para orientar e supervisionar continuamente a relação da gestão com as demais partes interessadas, de modo que cada parte receba um benefício apropriado e proporcional ao vínculo que possui com a empresa.
Os conselhos têm dever fiduciário de fomentar a geração de valor, garantindo a sustentabilidade de longo prazo. Eles são encarregados de proteger os ativos da empresa, incluindo sua licença social para operar. Fundamentalmente, as discussões entre o Conselho e a Diretoria Executiva sobre estratégia, risco, oportunidades, inovação e desempenho estão cada vez mais focadas nas questões como crescimento populacional, escassez de recursos, mudanças climáticas e urbanização. Portanto, a inclusão da sustentabilidade nas práticas corporativas é uma tendência irreversível, intimamente ligada à estratégia corporativa, fulcro da responsabilidade do Conselho.
A comunicação efetiva (disclosure) com os stakeholders, portanto, é mister, indo além do desempenho financeiro, mas também mostrando como a empresa contribui positivamente para a sociedade. Consequentemente, empresas e seus Conselhos de Administração vêm ampliando seus esforços no engajamento com os stakeholders, estabelecendo uma saudável conexão. Esta disponibilidade reforça a credibilidade, especialmente diante de situações desafiadoras. À medida que avançamos, os desafios se sucederão, porém sem um senso de propósito, nenhuma empresa pode atingir seu pleno potencial.
Andriei José Beber é professor do MBA da FGV e conselheiro de administração certificado pelo IBGC.