CVM estabelece regras para contratos de indenidade.
Por G. Lab para Machado Meyer
www.valor.com.br – 05/11/2018
CVM estabelece novas diretrizes sobre contratos de isenção de dano.
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) editou, no último dia 25, um parecer (número 38) que trata dos deveres fiduciários dos administradores no que diz respeito aos contratos de isenção de dano (indenidade) celebrados entre as companhias abertas e seus administradores (diretores, membros do conselho de administração ou fiscal, membros de comitês estatutários, entre outros).
O objetivo desse tipo de contrato é garantir o pagamento, reembolso ou adiantamento de despesas decorrentes de possíveis processos arbitrais, cíveis ou administrativos instaurados para investigar atos praticados no exercício das funções dos administradores. Como não está previsto na lei societária brasileira, esse instrumento é livremente estipulado entre as partes e deve sempre respeitar o interesse social da companhia.
Nos últimos anos, os sucessivos casos de corrupção envolvendo companhias brasileiras levaram as seguradoras a elevar os prêmios e diminuir as coberturas relacionadas aos seguros D&O (“Directors and Officers Liability Insurance”) ou até mesmo descontinuar a oferta dessa modalidade de seguro no Brasil.
Nesse cenário, o contrato de indenidade passou a ser visto como alternativa viável para proteger os administradores de companhias que são alvo de investigações. Entretanto, ao contrário dos seguros D&O, nos quais a companhia paga apenas um prêmio em contrapartida à indenização oferecida pela seguradora, os contratos de indenidade podem trazer grande impacto financeiro para a empresa na hipótese de materialização de um evento por ele coberto, pois a obrigam a desembolsar recursos para suportar o risco do administrador.
Esses instrumentos também suscitam riscos relevantes de conflitos de interesses, pois sua aprovação geralmente é feita pelos órgãos da administração que, em última instância, serão os principais beneficiários dos contratos
O novo parecer da CVM, ao mesmo tempo que reconhece o valor do contrato de indenidade como instrumento legítimo de atração e retenção de profissionais qualificados, recomenda a adoção de regras e procedimentos que visem garantir o cumprimento, pelos administradores, dos deveres fiduciários que a Lei nº 6.404 a eles atribui, com o objetivo de mitigar os riscos de conflitos de interesses inerentes a esse tipo de contratação e conferir “o necessário equilíbrio entre, de um lado, o interesse da companhia de proteger seus administradores contra riscos financeiros decorrentes do exercício de suas funções, no âmbito de processos administrativos, arbitrais ou judiciais e, de outro, o interesse da sociedade de proteger seu patrimônio e de garantir que seus administradores atuem de acordo com os padrões de conduta deles esperados e exigidos por lei”.
O parecer prevê também que não são passíveis de indenização, entre outras, despesas decorrentes de atos dos administradores praticados: fora do exercício de suas atribuições; com má-fé, dolo, culpa grave ou mediante fraude; ou em interesse próprio ou de terceiros, em detrimento de interesse social da companhia, incluídos os valores relativos a indenizações decorrentes de ações de responsabilidade ou oferecidas no âmbito de termos de compromisso.
Sobre a competência decisória para a concessão da indenização, o parecer estabelece que a administração da companhia deve se certificar de que o contrato inclua regras claras e objetivas, especificando: o órgão da companhia que será responsável por avaliar se o ato do administrador se enquadra em alguma das ilicitudes; e os procedimentos que serão adotados para afastar a participação de administradores cujas despesas poderão vir a ser indenizadas no processo de avaliação.
Os administradores deverão, portanto, avaliar a existência de conflitos de interesses e a adoção de procedimentos adicionais para proteger a independência das deliberações sobre a concessão da indenização, que sempre deverão ser tomadas no interesse da companhia.
A CVM entende ainda que procedimentos adicionais de governança que reforcem a independência das decisões e a orientação no interesse exclusivo da companhia, como o encaminhamento do assunto para deliberação em assembleia geral, devem ser considerados nas situações em que: mais da metade dos administradores sejam beneficiários diretos da deliberação sobre o dispêndio de recursos; houver divergência de entendimento sobre o enquadramento do ato do administrador como passível de indenização; ou a exposição financeira da companhia se mostre significativa, considerando os valores envolvidos.
Segundo estabelecido pela CVM, o envolvimento dos acionistas na decisão sobre a celebração de determinados contratos tem o potencial de mitigar conflitos de interesses e decisões tomadas contrariamente ao interesse social da companhia, além de garantir a devida divulgação dos seus principais termos e condições
Ainda de acordo com o parecer, a CVM considera desejável que a celebração do contrato de indenidade seja respaldada por um parecer prévio elaborado pela diretoria e aprovado pelo conselho de administração da companhia, explicitando as razões pelas quais entendem que os termos e condições do contrato mitigam os riscos de conflitos de interesses a ele inerentes.
A recomendação é que os contratos de indenidade sejam encaminhados, em até sete dias úteis a contar de sua assinatura, ao sistema eletrônico disponível na página da autarquia. Embora o parecer não tenha força normativa, é recomendável que suas disposições sejam seguidas pelas companhias para reduzir o risco de ações investigativas e/ou punições que possam ser impostas pela CVM.