Por Ana Paula Ragazzi | Do Rio – Valor – 20/12/2013 às 00h00.
Em meados deste ano, a Energisa surpreendeu os credores do Grupo Rede ao aparecer numa assembleia em que eles esperavam apenas aprovar um plano de recuperação judicial negociado com Equatorial e CPFL, que haviam acordado a compra do grupo. Sem conversa prévia, a Energisa atravessou o caminho das concorrentes, apresentou uma outra proposta e acabou sendo a escolhida pelos credores.
Configurou-se então um primeiro caso no Brasil de uma aquisição hostil de empresa em recuperação judicial. À frente da operação pela Energisa estava o advogado Flavio Galdino. Aos 40 anos, ele tem se destacado por sua atuação em processos de litígio e, de uns anos para cá, em recuperação judicial.
Em sua ação mais recente, comanda a recuperação da OSX, estaleiro do grupo de Eike Batista. Nesse caso atua pela empresa, assim como trabalhou para a construtora Delta, no ano passado. No Grupo Rede esteve ao lado do comprador; no caso da Infinity Bio Energy, pelo credor. E na Casa & Vídeo costuma dizer que atuou pelo negócio, assessorando compradores e vendedores: “Isso é possível se houver confiança de todos, uma vez que se aparece um novo investidor no meio do processo é mais eficiente tratar com um advogado que já esteja totalmente a par do assunto”, diz Galdino.
Apesar da participação em recuperações judiciais, é em litígios a especialização de Galdino, cujo escritório, com cerca de 40 advogados, tem bases em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. Trabalhou para os fundos de pensão na disputa com o Opportunity. Também acompanha litígios para bancos e teles. E defende o músico João Gilberto que há mais de 20 anos briga na Justiça para reaver os direitos dos seus três primeiros discos, que definiram a bossa nova e ainda hoje estão na gravadora EMI.
Doutor em direito público, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), o advogado, ao contrário dos processos que defende, prefere ficar longe dos holofotes. Por isso, mostra-se, inicialmente, avesso a entrevistas. Mas logo fica à vontade quando convidado a descrever um processo de recuperação judicial.
Primeiro, diz, a regra de ouro: uma empresa não pode começar um processo sem recursos em caixa, pois no dia seguinte ao pedido ninguém empresta mais um centavo. É por essa razão que antes de iniciar o procedimento, a companhia pode negociar ativos – medida que demandará o máximo de cuidado, já que poderá ser questionada mais à frente pelos credores.
Sobre o fato de as companhias adiarem até o último minuto o pedido de recuperação, ele diz que juridicamente essa é uma medida drástica. “A empresa sempre vai adiar ao máximo e tentar reverter o processo. Para entrar com o pedido deve estar confiante de que vai conseguir se sair bem”, afirma. Antes de tudo, o que se procura sempre é uma conversa com o investidor/credor. “O investidor vai estar aberto a negociar porque é a melhor opção”, diz. Se a companhia for à falência, ele não recebe nada. Se for para a recuperação, já de cara está certo que ele passará seis meses sem pagamento nenhum. “Qualquer coisa que possa ser feita para evitar a recuperação deve ser tentada”, diz Galdino.
Se for inevitável, primeiro se protocola o pedido. Em seguida se espera pelo deferimento pelo juiz. E, por fim, haverá a assembleia de credores. A partir do aceitação do pedido, há um prazo de 60 dias para a apresentação do plano de recuperação. “Essa é a fase que demanda mais empenho de todos os interessados, uma vez que o objetivo é chegar à assembleia dos credores com um plano pronto para ser aprovado. Mas é um processo negocial estressante, ainda mais num caso em que se perde muito dinheiro”, afirma.
O prazo para a assembleia de credores ocorrer é de 120 dias e, uma vez aprovado o plano, a empresa fica em recuperação por dois anos. Passado o prazo, se o procedimento estiver sendo cumprido, a companhia deixa a condição e continua com o plano fora do Judiciário. Galdino diz que basicamente as empresas conseguem passar pela recuperação se tiverem sido levadas a ela por questões financeiras. “Um problema puramente operacional é o que quebra uma companhia.”
O papel do juiz que recebe a solicitação é o de acompanhar os procedimentos. “Essa é uma decisão dos credores. Quem diz quanto desconto pode dar e quanto tempo pode esperar para receber é o credor”, resume. “O máximo que o juiz pode fazer é intervir se houver uma proposta muito baixa, por exemplo, de pagamento de 2%, 3% da dívida. Mas a assembleia de credores é soberana.”
No Brasil, segundo Galdino, o advogado se transformou na principal figura da recuperação porque esses processos são quase que 100% judiciais. “A recuperação extrajudicial é pouquíssimo utilizada”, diz. Para a empresa em recuperação, entre as soluções possíveis estão a venda de ativos, de braços ou operações da empresa ou de toda a companhia – a engenharia financeira para essas possibilidades também entra no pacote comandado pelo advogado.
Por toda a situação, dificilmente esses processos são exatamente tranquilos. Passando da teoria à prática, na Casa & Vídeo, que tem respeitado o plano, primeiro a empresa foi vendida para um grupo de credores qualificados associado a um investidor. No meio do caminho, as coisas não iam bem e um novo fundo ficou com o controle – foi nesse caso que Galdino trabalhou para todas as etapas.
No caso da Delta, conta o advogado, a dificuldade maior veio do fato de a empresa sofrer “bullying empresarial”, em razão das denúncias contra o empresário Carlos Cachoeira. Sem conseguir novos contratos, a empresa buscou uma autorização do juiz e criou uma nova empresa, a Técnica, para atuar em licitações do governo de São Paulo e gerar receitas para o pagamento dos credores – ainda assim, encontra dificuldade.
No Rede, a Energisa inicialmente havia sido preterida no processo, uma vez que Jorge Queiroz fechou exclusividade para negociar com Equatorial e CPFL. A maioria dos credores, porém, escolheu a proposta da Energisa. O caso ainda está pendente de aprovação na Justiça, por questionamentos de outros credores.
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Em sua ação mais recente, comanda a recuperação da OSX, estaleiro do grupo de Eike Batista. Nesse caso atua pela empresa, assim como trabalhou para a construtora Delta, no ano passado. No Grupo Rede esteve ao lado do comprador; no caso da Infinity Bio Energy, pelo credor. E na Casa & Vídeo costuma dizer que atuou pelo negócio, assessorando compradores e vendedores: “Isso é possível se houver confiança de todos, uma vez que se aparece um novo investidor no meio do processo é mais eficiente tratar com um advogado que já esteja totalmente a par do assunto”, diz Galdino.
Apesar da participação em recuperações judiciais, é em litígios a especialização de Galdino, cujo escritório, com cerca de 40 advogados, tem bases em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. Trabalhou para os fundos de pensão na disputa com o Opportunity. Também acompanha litígios para bancos e teles. E defende o músico João Gilberto que há mais de 20 anos briga na Justiça para reaver os direitos dos seus três primeiros discos, que definiram a bossa nova e ainda hoje estão na gravadora EMI.
Doutor em direito público, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), o advogado, ao contrário dos processos que defende, prefere ficar longe dos holofotes. Por isso, mostra-se, inicialmente, avesso a entrevistas. Mas logo fica à vontade quando convidado a descrever um processo de recuperação judicial.
Primeiro, diz, a regra de ouro: uma empresa não pode começar um processo sem recursos em caixa, pois no dia seguinte ao pedido ninguém empresta mais um centavo. É por essa razão que antes de iniciar o procedimento, a companhia pode negociar ativos – medida que demandará o máximo de cuidado, já que poderá ser questionada mais à frente pelos credores.
Sobre o fato de as companhias adiarem até o último minuto o pedido de recuperação, ele diz que juridicamente essa é uma medida drástica. “A empresa sempre vai adiar ao máximo e tentar reverter o processo. Para entrar com o pedido deve estar confiante de que vai conseguir se sair bem”, afirma. Antes de tudo, o que se procura sempre é uma conversa com o investidor/credor. “O investidor vai estar aberto a negociar porque é a melhor opção”, diz. Se a companhia for à falência, ele não recebe nada. Se for para a recuperação, já de cara está certo que ele passará seis meses sem pagamento nenhum. “Qualquer coisa que possa ser feita para evitar a recuperação deve ser tentada”, diz Galdino.
Se for inevitável, primeiro se protocola o pedido. Em seguida se espera pelo deferimento pelo juiz. E, por fim, haverá a assembleia de credores. A partir do aceitação do pedido, há um prazo de 60 dias para a apresentação do plano de recuperação. “Essa é a fase que demanda mais empenho de todos os interessados, uma vez que o objetivo é chegar à assembleia dos credores com um plano pronto para ser aprovado. Mas é um processo negocial estressante, ainda mais num caso em que se perde muito dinheiro”, afirma.
O prazo para a assembleia de credores ocorrer é de 120 dias e, uma vez aprovado o plano, a empresa fica em recuperação por dois anos. Passado o prazo, se o procedimento estiver sendo cumprido, a companhia deixa a condição e continua com o plano fora do Judiciário. Galdino diz que basicamente as empresas conseguem passar pela recuperação se tiverem sido levadas a ela por questões financeiras. “Um problema puramente operacional é o que quebra uma companhia.”
O papel do juiz que recebe a solicitação é o de acompanhar os procedimentos. “Essa é uma decisão dos credores. Quem diz quanto desconto pode dar e quanto tempo pode esperar para receber é o credor”, resume. “O máximo que o juiz pode fazer é intervir se houver uma proposta muito baixa, por exemplo, de pagamento de 2%, 3% da dívida. Mas a assembleia de credores é soberana.”
No Brasil, segundo Galdino, o advogado se transformou na principal figura da recuperação porque esses processos são quase que 100% judiciais. “A recuperação extrajudicial é pouquíssimo utilizada”, diz. Para a empresa em recuperação, entre as soluções possíveis estão a venda de ativos, de braços ou operações da empresa ou de toda a companhia – a engenharia financeira para essas possibilidades também entra no pacote comandado pelo advogado.
Por toda a situação, dificilmente esses processos são exatamente tranquilos. Passando da teoria à prática, na Casa & Vídeo, que tem respeitado o plano, primeiro a empresa foi vendida para um grupo de credores qualificados associado a um investidor. No meio do caminho, as coisas não iam bem e um novo fundo ficou com o controle – foi nesse caso que Galdino trabalhou para todas as etapas.
No caso da Delta, conta o advogado, a dificuldade maior veio do fato de a empresa sofrer “bullying empresarial”, em razão das denúncias contra o empresário Carlos Cachoeira. Sem conseguir novos contratos, a empresa buscou uma autorização do juiz e criou uma nova empresa, a Técnica, para atuar em licitações do governo de São Paulo e gerar receitas para o pagamento dos credores – ainda assim, encontra dificuldade.
No Rede, a Energisa inicialmente havia sido preterida no processo, uma vez que Jorge Queiroz fechou exclusividade para negociar com Equatorial e CPFL. A maioria dos credores, porém, escolheu a proposta da Energisa. O caso ainda está pendente de aprovação na Justiça, por questionamentos de outros credores.
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