VALOR – 02/06/2022.
Por Eduardo Salusse – Graduado e doutor em direito pela PUC/SP, mestre em direito tributário e responsável executivo de pesquisa do Núcleo de Estudos Fiscais na FGV Direito.
Temos a mania de achar que sempre estamos errados porque a maioria do mundo faz diferente. Nem sempre é assim.
Em suma, indiquei que a tributação sobre os dividendos irá provocar queda da arrecadação em razão da pejotização do consumo pessoal de acionistas, planejamentos tributários lícitos e postergação da distribuição de lucros.
Além disso, haverá um desestímulo aos investimentos no país, que se tornará tributariamente ainda menos competitivo. As empresas terão aumento de complexidade decorrente da apuração da base tributável por meio de práticas já antes experimentadas, fomentando ainda mais o ambiente de litígio em face do Fisco.
Talvez a abordagem que fiz tenha sido ingenuamente técnica.
Subestimei outras razões atécnicas para justificar a medida, especialmente a síndrome de pangaré do brasileiro. No brasileirismo, chama-se de pangaré aquele cavalo inútil, magro e fraco. É assim que injustamente nos observamos.
A justificativa usual é a de que tantos outros países tributam dividendos, exceto a Colômbia, a Estônia e a Letônia. Logo, estamos errados em concentrar, em um único momento, a tributação da renda gerada pelas atividades da pessoa jurídica e dos consequentes dividendos.
O fato é que a tributação da mesma renda capturada na apuração de resultado das empresas e/ou quando distribuída aos seus acionistas e investidores (chamada dividendos) pode ser a mesma. É mera escolha tributá-la de forma concentrada ou fragmentada em duas etapas. É simples aritmética.
A escolha pela concentração da tributação pelo imposto sobre a renda por ocasião da geração dos lucros nas empresas, desonerando os dividendos, foi feita pela Lei nº 9.249, de 1995. É uma fórmula de sucesso, na medida em que apresentou algumas vantagens em relação à fragmentação da tributação em duas etapas.
É a mania que temos de achar que sempre estamos errados porque a maioria do mundo faz diferente. Nem sempre é assim. O Brasil é pioneiro em muitas coisas, desde o avião de Santos Dumont até a urna eletrônica de Carlos Prudêncio, passando pelo soro antiofídico de Vital Brasil ou pelo biquini de lacinho de Daniel Azulay.
O imposto sobre a renda concentrado na empresa, com a desoneração da tributação sobre os dividendos, não é invenção nossa, mas a sua aplicação por quase 30 anos trouxe uma experiência que não pode ser subjugada.
Talvez e mais provável é que o pangaré seja quem escreve este artigo ao não considerar que o debate possa ser uma singela busca por holofotes. A cada passo que avança uma reforma desta magnitude, os holofotes da mídia voltam-se aos parlamentares que encampam a ideia, dando-lhes significativo espaço nas manchetes de todos os principais canais jornalísticos.
Isso tem um valor inestimável em período de eleição.
As outras hipóteses possíveis são o desconhecimento ou a irresponsabilidade (talvez até má-fé), reveladas por discursos populistas manipulados ao argumento de que capitalistas não pagam impostos às custas dos trabalhadores. Não são apresentados estudos técnicos balizados comparando os efeitos de ambos os mecanismos de tributação da renda.
Colocando o dedo na ferida, é fato que o imposto sobre a renda, em linha com quase todo o sistema tributário nacional, possui severas injustiças e distorções.
Mas a solução real dos problemas passa por temas impopulares e intocáveis, como alguns regimes especiais e simplificados. Mas corrigi-los, embora de forma muito simples com o mero redimensionamento de alíquotas e bases de cálculo, é muito impopular. E impopularidade não combina com votos.
Em suma, podemos estar diante de uma espuma que busca espaço na mídia em ano de eleição, de desconhecimento ou irresponsabilidade por falta de estudos ou debates técnicos isentos e confiáveis. Mas também podemos estar com ataque de baixa autoestima, assumindo a pangarezice e querendo virar um cavalo puro-sangue inglês ou um cavalo árabe. Somos brasileiros e devemos tomar as decisões de acordo com a nossa quase trintenária experiência no assunto, sem temer enfrentar os problemas onde eles realmente existem.