https://valor.globo.com/legislacao/coluna – 01/02/2024.
Por Júlia Caldeira de Godoy*
Podemos esperar uma maior flexibilidade para uso de imóveis como garantia de créditos, aumentando a disponibilidade de crédito no país, com taxas mais atrativas.
O Projeto de Lei nº 4.188/2021, mais conhecido como o Marco Legal das Garantias, foi sancionado em 2023 e convertido na Lei nº 14.711/2023. Seu objetivo é contribuir para a redução dos juros e o aumento da concorrência, ao minimizar barreiras de entrada no setor. De acordo com o Ministério da Economia, as alterações irão auxiliar as companhias a obterem financiamentos mais baratos, de forma mais simples e rápida. A iniciativa faz parte do programa Mais Garantias Brasil.
Pela legislação anterior, um imóvel alienado fiduciariamente em uma operação de obtenção de crédito, não poderia ser outorgado novamente para uma nova operação, mesmo que o referido imóvel esteja garantindo um valor menor do que o do bem ofertado como garantia. Com o advento da nova lei, é instituída a alienação fiduciária da propriedade superveniente, sendo possível fracionar o valor total do bem imóvel e utilizá-lo em mais de uma operação, com instituições de créditos diferentes. Tal possibilidade de constituição de graus diversos de ônus já era admitida nas hipotecas e penhores.
Como exemplo, se um imóvel no valor de R$ 1 milhão é alienado fiduciariamente para uma dívida contratada de R$ 500 mil, este mesmo bem poderá ser outorgado novamente em garantia em uma ou mais dívidas, desde que a somatória das dívidas contraídas não ultrapasse o valor do referido imóvel, sendo explorado o valor econômico total do bem.
Assim, basta que a obrigação garantida pela alienação fiduciária anterior seja devidamente cumprida ou renunciada pelo credor (e seu registro cancelado), para que a alienação fiduciária da propriedade superveniente se torne eficaz.
Nos casos em que um mesmo imóvel é objeto de garantia de dívidas diferentes com um mesmo credor, a Lei nº 14.711/2023 instituiu a possibilidade de vencimento antecipado de todas as dívidas contraídas pelo mesmo devedor, em caso de inadimplemento de apenas uma delas, desde que tal cláusula (chamada de “cross default”) esteja expressa no contrato de alienação fiduciária celebrado.
Além de um único imóvel poder garantir mais de uma dívida, o devedor também poderá receber de volta do credor parte do valor já amortizado de um empréstimo vigente, nos casos de alienação fiduciária e hipotecas. Entretanto, esse mecanismo de “recarregamento” deverá ser limitado ao valor total da dívida original amortizado pelo devedor, bem como respeitar o prazo da primeira dívida contratada.
Utilizando como exemplo, na contratação de uma dívida de R$ 1 milhão, tendo um imóvel no mesmo valor como garantia, após o pagamento de saldo de parte do valor da dívida, o restante do valor garantido, que era considerado “capital morto”, poderá ser utilizado para celebração de uma nova dívida, com o mesmo credor. Para isso, será necessário apenas a averbação de tal “recarregamento” na matrícula do imóvel.
As mudanças representam um estímulo e facilitação no uso e recuperação dos bens imóveis dados em garantias, os quais são muito utilizados, por pessoas físicas em financiamentos, na maioria dos casos, mas também em operações de M&A, bem como em estruturação de dívidas nas companhias para captação de novos recursos financeiros, estimulando o mercado de crédito do país. Outro tema importante é sobre a alíquota zero de Imposto de Renda sobre rendimentos no caso de fundos de investimento em participações qualificados como entidade de investimento, de acordo com as normas estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), que envolvam titulares de cotas com residência ou domicílio no exterior.
O Marco Legal das Garantias revogou os requisitos tributários para obtenção do referido benefício, entretanto, a nova legislação introduziu uma nova exigência: o benefício da alíquota zero só será aplicável aos fundos de investimentos em participações classificados como “entidade de investimento”, conceito este que foi regulado pelo CMN, conforme Resolução CMN nº 5.11/2023.
Por último, a nova lei traz também alterações relevantes em relação ao procedimento de emissão de debêntures. A aprovação de emissão de debêntures, que antes era de competência privativa da assembleia geral de acionistas (apenas companhias abertas podiam delegar a aprovação para o conselho de administração), agora também poderá ser aprovada pelo conselho de administração ou diretoria, em caso de emissão de debêntures não conversíveis em ações, exceto se houver disposição estatutária em contrário.
Na mesma linha de desburocratização, não há mais a obrigação do registro das escrituras de emissão de debêntures perante a junta comercial competente, sendo necessário o registro apenas das publicações e dos atos societários de sua respectiva aprovação. As debêntures são muito utilizadas por companhias como um mecanismo de captação de recursos financeiros e as mudanças advindas com a nova legislação trarão uma maior celeridade e desburocratização do processo de emissão.
Assim, como resultado das novas regras estabelecidas pela Marco Legal das Garantias, podemos esperar uma maior flexibilidade para uso de imóveis como garantia de créditos, aumentando a disponibilidade de crédito no país, com taxas mais atrativas, além de um potencial acréscimo no volume de operações de captação de recurso, via emissão de debêntures, fomentando o mercado de capitais brasileiro.
*Júlia Caldeira de Godoy é advogada do Candido Martins Advogados
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