https://valor.globo.com/legislacao/coluna – 24/05/2023.
Por Bruno Portugal (*)
A hipoteca judiciária tem grande utilidade, sobretudo para os detentores de créditos quirografários.
Induvidosamente, o titular de crédito com garantia real ostenta posição privilegiada no processo de falência. Por esse motivo, ganha relevância uma figura raramente utilizada na prática, muito embora possua enorme vantagem: a hipoteca judiciária (ou judicial).
A garantia real se caracteriza quando o credor destaca um bem do universo patrimonial do devedor, para que fique vinculado ao cumprimento da obrigação. Com efeito, a hipoteca é espécie de garantia real, e ocorre quando o destaque se dá sobre bem imóvel. Isso significa que, uma vez não paga a dívida, o credor tem o direito de se valer do imóvel hipotecado para proceder à satisfação da obrigação, preferindo no pagamento aos demais credores, à exceção daqueles cujos créditos devam ser adimplidos antes de quaisquer outros.
O mais comum é que a hipoteca se opere por meio de convenção entre contratantes (hipoteca convencional). Nada obstante, ela também pode ser constituída por força de lei (hipoteca legal) ou de decisão judicial (hipoteca judiciária). Essa última hipótese advém do efeito secundário de toda decisão judicial que importe na condenação da parte ao pagamento de quantia, podendo ser realizada pelo mero fato de a decisão existir.
O fundamento da hipoteca judiciária é o artigo 495 do Código de Processo Civil. A esse respeito, o preceito normativo estabelece que a decisão que condenar o réu ao pagamento de prestação consistente em dinheiro e a que determinar a conversão de prestação de fazer, de não fazer ou de dar coisa em prestação pecuniária valerão como título constitutivo de hipoteca judiciária. Tal situação prevalece ainda que seja interposto recurso dotado de efeito suspensivo.
Não há dificuldade para constituição da hipoteca judiciária. Basta que seja apresentada cópia da sentença perante o cartório de registro imobiliário, independentemente de ordem judicial, de declaração expressa do juiz ou de demonstração de urgência. Dentro de 15 dias da sua realização, caberá à parte informá-la ao juízo da causa, que determinará a intimação da outra parte para que tome ciência do ato.
A hipoteca judiciária é, pois, uma forma da parte garantir a futura cobrança da dívida, fazendo com que o bem fique vinculado ao pagamento dela, sem que, para tanto, necessite aguardar a conclusão do processo. Tão logo exarada a decisão, há imediata possibilidade de se segregar um imóvel do patrimônio do devedor, onerando-o com hipoteca judiciária, o que serve para neutralizar eventual alienação fraudulenta. Isso porque o credor hipotecário tem o chamado direito de sequela, podendo perseguir o bem seja quem for o seu proprietário.
Não se pode desconsiderar que, sobrevindo a reforma ou a invalidação da decisão, a parte responderá, independentemente de culpa, pelos danos que a outra parte tiver sofrido em razão da constituição da hipoteca judiciária.
A relevância da hipoteca judiciária em contexto de processo de falência ocorre por conta da localização preferencial que o crédito com garantia real ocupa na ordem de pagamento. Haja vista o estado de insolvência do falido, é natural que não possua patrimônio suficiente para arcar com a totalidade das suas dívidas. Por isso, o procedimento falimentar tem intuito de arrecadar e vender o maior número de bens, a fim de que o dinheiro resultante pague o máximo de credores possível, de acordo com uma ordem legal de preferências. Por óbvio, os credores posicionados no topo têm grandes chances de recebimento, ao passo que aqueles situados no plano inferior fatalmente nada alcançarão.
Assim, até o limite do valor do respectivo bem, os credores com garantia real – dentre eles, os titulares de hipoteca judiciária – possuem preferência sobre todos os demais credores, ficando só abaixo dos extraconcursais (não sujeitos a concurso de credores) e dos trabalhistas. Para se ter uma ideia da vantagem que essa circunstância acarreta, preferem inclusive aos credores tributários.
Não é preciso esforço para perceber que a hipoteca judiciária se revela uma excelente alternativa aos titulares de créditos quirografários; ou seja, os que, em princípio, não detêm preferência alguma, situando-se, portanto, na base da ordem legal de pagamento. É o caso, por exemplo, de quem teve sentença fixando indenização por dano moral em seu favor. Não se figura factível que, numa falência, este tenha o seu crédito satisfeito. No entanto, com a utilização anterior de hipoteca judiciária, obterá a preferência citada.
Até mesmo na recuperação judicial a hipoteca judiciária enseja vantagem. É que, uma vez que os credores com garantia real integram classe que possui elevado poder de barganha, a adoção da medida lhe permite negociar melhores condições de recebimento.
Em razão do pouco uso da hipoteca judiciária, a jurisprudência quase não se ocupou de correlacioná-la com o processo de falência. A despeito disso, a 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), no julgamento do Agravo de Instrumento nº 2020462- 46.2020.8.26.0000, decidiu que a hipoteca judiciária regularmente constituída sobre imóvel de propriedade da massa falida, com registro na respectiva matrícula em data anterior à decretação da quebra, classifica-se como crédito com garantia real, a assegurar a preferência que lhe é inerente.
Conclui-se, em última análise, que a hipoteca judiciária tem grande utilidade, sobretudo para os detentores de créditos quirografários, os quais, na falência do devedor, deixarão a incômoda posição inferior na ordem de pagamento, passando a ostentar título de preferência, que lhes dará possibilidade real de recebimento.
(*) Bruno Portugal é advogado em Vitória (ES), coordenador da área de contencioso de Da Luz Advogados e vice-presidente da Comissão Especial de Recuperação de Empresas e Falência da OAB-ES
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