https://valor.globo.com/legislacao/fio-da-meada – 25/04/2023.
Por Edison Fernandes – Doutor em Direito pela PUC-SP, professor doutor da FEA-USP e da FGV Direito SP, titular da Academia Paulista de Letras Jurídicas.
Para a avaliação das renúncias fiscais é preciso ter claro o que é e o que não é subsídio fiscal.
Depois de ser falado e tentado por governos anteriores, ao que parece, o atual ministro da Fazenda também está decidido em reduzir as renúncias fiscais, comumente identificadas como gastos tributários – ainda mais pela necessidade de arrecadação gerada pelo novo marco fiscal.
No topo da lista de “gastos tributários” está o Simples Nacional. No entanto, é questionável enquadrar essa forma de apuração de tributos como subsídio fiscal (renúncia fiscal).
Em primeiro lugar, o Simples Nacional decorre de mandamento constitucional, expressamente em dois dispositivos, a saber:
- (i) a União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei (artigo 179); e
- (ii) cabe à lei complementar a definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso dos tributos (artigo 146, III, “d”).
Considerando que a competência tributária, ou seja, o poder de estabelecer tributos decorre e encontra seus limites na Constituição Federal, não é correto identificar o tratamento tributário simplificado às microempresas e às empresas de pequeno porte como renúncia fiscal (gasto tributário), porque o poder de tributar essas empresas já foi constituído de maneira diferenciada.
Depois, para se falar em renúncia fiscal (gasto tributário), é necessário estabelecer o parâmetro de comparação, isto é, qual seria a arrecadação sem o tratamento diferenciado.
Neste ponto, temos outra dificuldade para apurar o “gasto tributário” equivalente ao Simples Nacional: com o que esta forma de tributação será comparada? Com o lucro real ou o lucro presumido, no caso da apuração dos tributos sobre o lucro? Pelo regime cumulativo, não cumulativo ou específico, no caso da contribuição para o PIS e da Cofins? Tomar-se-á quais legislações estadual e municipal para determinar, respectivamente, o ICMS e o ISS que seriam devidos?
Essa dificuldade apontada chega a inviabilizar qualquer comparação e apuração de eventual “renúncia fiscal” causada pelo Simples Nacional.
Por fim, há ainda que ser considerado o efeito indutor do Simples Nacional. Muitas empresas só existem formalmente, registram seus funcionários adequadamente e recolhem tributos – ainda que de maneira simplificada – porque existe a regulamentação de um sistema simplificado. A sua extinção pura e simples, certamente, provocaria uma readequação dos agentes econômicos, impactando o nível de arrecadação.
É muito divulgado o argumento de que o Simples Nacional incentiva a chamada “pejotização”, provocando desvios na relação de emprego e, dentre outras consequências, na arrecadação de tributos. Ocorre que o combate à “pejotização” deveria utilizar, prioritariamente, instrumentos da legislação trabalhista e eventualmente concorrencial, não vedando a utilização de um regime de tributação que favorece à formalização da atividade econômica.
Nesse sentido, a lei complementar que regulamenta o Simples Nacional já conta com dispositivos sobre o assunto, como, por exemplo: não poderá se beneficiar do tratamento jurídico diferenciado a pessoa jurídica e cujo capital participe pessoa física que seja inscrita como empresário ou seja sócia de outra empresa que receba tratamento jurídico diferenciado (artigo 3º, § 4º, III da Lei Complementar nº 123) ou cujos titulares ou sócios guardem, cumulativamente, com o contratante do serviço, relação de pessoalidade, subordinação e habitualidade (artigo 3º, § 4º, XI da Lei Complementar nº 123).
Microempresa, pequena empresa, costura, costureira — Foto: Nikola Beloptovi/Pixabay.