https://valor.globo.com/financas/noticia/2020/07/14.
Por Cristiano Romero e Talita Moreira — De São Paulo.
Pinho de Mello, diretor do BC: “Vamos cumprir o mandato legal de garantir interoperabilidade, neutralidade e isonomia”.
Foto: Leo Pinheiro/Valor.
O Banco Central (BC) está aberto à entrada das grandes empresas de tecnologia no setor financeiro e de pagamentos, mas vai exigir que elas se submetam à regulamentação e que seus serviços não prejudiquem a competição. A afirmação foi feita ontem pelo diretor de organização do sistema financeiro e de resolução do BC, João Manoel Pinho de Mello, em entrevista transmitida ao vivo no site do Valor.
“Todas as soluções que forem pró-competitivas, e que a gente tiver garantido que todo mundo pode competir, nós vamos autorizar. Mas vamos cumprir o mandato legal de garantir interoperabilidade, neutralidade e isonomia competitiva”, disse.
São esses princípios que vão nortear a análise do BC sobre o serviço de pagamentos via WhatsApp – anunciado no mês passado e suspenso poucos dias depois pelo regulador, que quer entender melhor os termos do arranjo de pagamentos antes de liberá-lo. “Garantidas essa condições, que seja [um serviço] pró-competitivo e para todo mundo, não terá nenhum problema em autorizar”, afirmou.
As bandeiras Visa e Mastercard, que fazem parte do acordo com o Facebook, apresentaram uma proposta ao regulador, na semana passada, para poder realizar pagamentos via WhatsApp.
O BC está à frente do desenvolvimento do Pix, meio de pagamentos instantâneos que vai permitir aos usuários transferir recursos entre contas de qualquer instituição de forma gratuita para pagadores e recebedores. A intenção do regulador é criar uma infraestrutura abrangente e evitar que o mercado seja dominado por serviços “verticais”, como ocorreu na China.
É ponto pacífico, para o Banco Central, que as diversas soluções de pagamentos que surgirem no país sejam interoperáveis, isto é, que seja possível transferir dinheiro entre quaisquer contas, de qualquer provedor. Pinho de Mello destacou que o órgão regulador e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) trabalharam durante anos para abrir o mercado de pagamentos, de forma que, hoje, as maquininhas das credenciadoras aceitam cartões de todas as bandeiras. Antes, a Visanet (atual Cielo) só aceitava cartões Visa e nos terminais da Redecard (atual Rede) só passavam transações da Mastercard. “Vamos evitar a todo custo que isso ocorra”, disse.
Outro objetivo é que os serviços tenham baixo custo para o usuário final. No caso do WhatsApp, o diretor do BC afirmou que a autarquia soube “pela imprensa” que o serviço cobraria dos lojistas uma taxa de quase 4% por transação, bem acima da média de 0,9% cobrada nas operações com cartões de débito e de 1,7%, no crédito.
“Você tem uma mídia social com 130 milhões de usuários e vira um iniciador de pagamento. Já nasce grande. É possível que o lojista não tenha capacidade de negar o pagamento por esse meio [pelo fato de que é grande]”, disse. “Aí temos um problema.”
De acordo com Pinho de Mello, as “big techs” são bem-vindas, mas terão de se sujeitar às regras e, em algumas situações, o BC terá de adaptar a regulamentação para contemplar as mudanças que elas podem representar para o mercado. O órgão regulador poderá exigir que as gigantes de tecnologia peçam autorização prévia para oferecer serviços de pagamentos – diferentemente do que acontece com as fintechs.
O diretor do BC também rebateu as críticas de que o órgão estaria interferindo no mercado, e perdendo a isenção necessária, ao desenvolver o Pix. Segundo Pinho de Mello, a preocupação é legítima, mas a função do regulador tem de se adaptar às mudanças no ambiente econômico. Bancos centrais de todo o mundo, afirmou, veem a necessidade de garantir uma infraestrutura de pagamentos isonômica, interoperável e neutra como um elemento essencial no novo cenário.
Pinho de Mello acrescentou que a atuação do BC no Pix tem duas frentes. Uma delas é prover uma plataforma de liquidação instantânea e uma base de dados de identificação de usuários a custo baixo. O outro pilar são as regras para o funcionamento do mercado. “O BC não vai ofertar serviço”, ressaltou.
No caso brasileiro, a implantação do Pix e do open banking – outro item da agenda BC# – ajudará a fomentar um sistema financeiro mais aberto e competitivo, e deve contribuir para que a atual crise não tenha como rescaldo um aumento da concentração bancária, disse Pinho de Mello.
De acordo com ele, as duas estruturas estão sendo construídas de forma a permitir a participação de bancos grandes e pequenos, instituições de pagamentos, fintechs e empresas de tecnologia. O objetivo é que, dessa forma, pessoas físicas e empresas tenham acesso a melhores ofertas de crédito e outros produtos. “Com o open banking, a desconcentração será uma consequência, mas o ambiente será mais competitivo”, afirmou.
No caso do Pix, cujo lançamento está previsto para novembro, a participação será obrigatória para as maiores instituições financeiras e de pagamentos. Ainda assim, um número muito maior de interessados – 980 no total – já se inscreveu para aderir ao serviço. (Colaborou Flávia Furlan).