Por Beth Koike – Valor – 06/11/2015 – 05:00.
Carvalho, vice-reitor da Unip: “Parcelamento atende aluno que não consegue o Fies e preenche cursos com baixa procura”Uma das maiores universidades privadas do país, com 370 mil alunos, e a única desse porte que não foi vendida a grupos consolidadores ou investidores, a Universidade Paulista (Unip) – fundada e controlada pelo empresário João Carlos Di Gênio – montou uma grande operação para atrair e reter estudantes. Nesta semana, abriu a possibilidade do aluno parcelar de 30% a 50% do valor da mensalidade, sem cobrança de juros – a diferença será bancada pelo caixa. Também fechou acordo com a Ideal Invest para oferecer financiamento. Neste caso, a maior parte do juro será paga pela Unip (ver Metade do setor já é cliente da Ideal Invest).
Este movimento se dá diante de um ambiente de forte concorrência e da redução drástica do Fies, o financiamento estudantil do governo.
Além disso, a Unip está dando descontos no valor da inscrição de seu vestibular e na primeira mensalidade. E os alunos que já estudam na Unip e estão inadimplentes, puderam dividir o pagamento de suas dívidas em 10 vezes para fazer a rematrícula, na virada do semestre.
O parcelamento de parte da mensalidade de cursos de graduação presencial, sem cobrança de juros, é algo raro no setor de ensino superior privado.
Somente a Kroton, a maior empresa do setor de ensino superior privado, com faturamento de R$ 4,7 bilhões no ano passado e ações negociadas em bolsa, possui um programa semelhante de parcelamento voltado aos calouros de qualquer curso presencial. Hoje, cerca de 20 mil alunos da Kroton têm abatimentos que variam de 30% a 90% do valor da mensalidade no primeiro ano do curso, com amortização após a formatura.
Na Unip, que deve faturar neste ano entre R$ 2,2 bilhões e R$ 2,5 bilhões, a diferença é que o calouro pode parcelar as mensalidades de todos os semestres do curso, mas a prioridade são aqueles com menor demanda como, por exemplo,pedagogia e letras que poderão ter cerca de 10% de suas vagas atendidas pelo programa.
A Unip conta com 67 cursos de graduação, sendo que os mais procurados são odontologia, veterinária e engenharia – esses não participam do programa.
“O parcelamento vai atender alunos que não conseguem o Fies e ao mesmo tempo vai preencher cursos com baixa procura. Em nossos três cursos mais procurados, há uma relação candidato-vaga alta e o valor da mensalidade é bem competitivo”, diz o professor Fábio Romeu de Carvalho, vice-reitor de planejamento, administração e finanças da Unip.
O valor médio das mensalidades da graduação presencial é de R$ 800 e o curso mais caro é o de odontologia, na casa de R$ 2 mil.
A Unip, que neste ano deve faturar entre R$ 2,2 bilhões e R$ 2,5 bilhões, vai usar recursos próprios para bancar o programa de parcelamento das mensalidades.
O pagamento do débito é feito nos quatro anos seguintes à conclusão do curso, com correção do IPGP-FGV. Durante o curso, o valor parcelado será reajustado para o patamar das mensalidades vigentes no período.
Segundo o vice-reitor da Unip, não há um montante financeiro específico alocado para o programa que começa a valer para os calouros do próximo ano letivo.
“Vamos limitar e moldar o parcelamento conforme a procura. Sabemos dos riscos de inadimplência, mas o risco real é difícil saber porque é um produto novo no mercado”, disse. “Neste começo, não há um limite de renda. Chegamos a pensar em usar o mesmo critério do Fies, mas desistimos”. O financiamento estudantil do governo agora é restrito a pessoas com rendimento per capita familiar de meio a dois e meio salários mínimos.
Fundada em 1972, é a primeira vez que a Unip oferece financiamento a seus alunos. Atualmente, tem cerca de 250 mil estudantes na graduação presencial, dos quais 72 mil têm Fies, 19 mil foram beneficiados pelo ProUni (programa do governo de bolsas de estudos para alunos carentes) e 500 alunos têm bolsas do CNPQ ou Santander Universidades.
Há ainda mais 120 mil matriculados nos cursos de ensino a distância, cuja mensalidade oscila entre R$ 250 e R$ 300.
Com 28 campi próprios distribuídos em São Paulo, Brasília, Goiânia e Manaus, a Unip é um dos ativos mais cobiçados pelos investidores locais e internacionais.
Em número de alunos, a Unip, que tem 370 mil, só perde para Kroton, com pouco mais de um milhão, e Estácio, com 537 mil.
Segundo fontes do setor, em 2008, o fundo americano Apollo chegou a oferecer R$ 2,5 bilhões, mas Di Gênio não se interessou e continua recusando as ofertas que lhe batem à porta.
Essa posição é mantida mesmo diante da concorrência acirrada, nos últimos anos,de grandes grupos de ensino. Por causa deles, a Unip foi forçada a reduzir em cerca de 30% o valor das mensalidades, dar descontos nos valores da inscrição do
vestibular e da matrícula, parcelar débitos e antecipar o processo seletivo de verão, feito em geral em dezembro e janeiro, para outubro.
Aos 76 anos, Di Gênio é um empresário extremamente reservado e pouco se sabe de seus projetos de sucessão para o conglomerado de educação Objetivo.
Além da universidade, o grupo conta com colégios, sistemas de ensino e cursinho preparatório Objetivo que juntos atendem mais de 430 mil alunos em todo o país.
As especulações em torno de uma possível venda são constantes devido ao tamanho do grupo no setor e também porque os herdeiros do empresário ainda são crianças.
Mas, ao contrário, do que se possa imaginar, Di Gênio continua na ativa. “Nosso reitor gosta de trabalhar à noite. Acompanhamos e fazemos reuniões até dez da noite”, contou Carvalho, em uma das poucas observações sobre o fundador do Objetivo.
Mineiro e contador de “causos”, o vice-reitor trabalha com Di Gênio desde a fundação do grupo, no entanto, quando é questionado sobre a participação societária de Di Gênio ou negociações de venda, o professor é quase monossilábico. “Ah, ele é controlador. Não sei os detalhes”, diz, sem esticar muito a conversa.
Carvalho conheceu Di Gênio em 1965, logo após formar-se engenheiro pela Poli-USP. Ele foi dar aulas de física no cursinho Objetivo que seria criado no ano seguinte. Carvalho havia lecionado no Anglo Latino, único curso preparatório para engenharia na época, do qual também foi aluno.
Nesses 50 anos, o engenheiro, com mestrado em filosofia e que enveredou para a área de gestão, liderou as áreas de educação básica, cursinho e universidade do grupo Objetivo.
Também foi goleiro do time de futebol de salão do Objetivo, que tinha como jogadores o próprio Di Gênio, o médico Dráuzio Varella, o fundador do Colégio Bandeirantes Mauro Salles Aguiar e o químico Wilson Aun, considerado o artilheiro dos torneios.