Por Consuelo Y. M. Yoshida e Renata S. Piazzon – Valor – 02/10/2014 às 05h00.
Muito se tem discutido acerca da responsabilidade ambiental dos bancos em operações financeiras de significativa exposição a risco socioambiental, analisando-se a aplicabilidade da responsabilidade objetiva, o nexo de causalidade e a amplitude do conceito de poluidor.
Com o objetivo de dar escala às políticas que melhor alinhem o sistema financeiro ao desenvolvimento sustentável, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) publicou recentemente o Normativo SARB nº 14/2014 (Autorregulação), que formaliza diretrizes e procedimentos fundamentais para a incorporação das práticas socioambientais pelas instituições financeiras em seus negócios.
A autorregulação se fez necessária após a publicação da Resolução nº 4.327/2014 do Banco Central (Bacen), em abril. A resolução dispõe sobre as diretrizes para o estabelecimento e a execução da Política de Responsabilidade Socioambiental (PRSA) pelas instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil.
Além de contribuir para a proteção do ambiente, as instituições protegem-se dos eventuais riscos de suas operações e serviços
O prazo para os bancos aprovarem a PRSA e o seu respectivo plano de ação se encerra em fevereiro de 2015, para aqueles obrigados a implementar o Processo Interno de Avaliação da Adequação de Capital (ICAAP); para os demais, em julho de 2015.
Na tentativa de padronizar as políticas a serem elaboradas pelas instituições financeiras e determinar a diligência socioambiental dos bancos, a autorregulação trouxe critérios para assegurar o gerenciamento do risco socioambiental de suas atividades. Os critérios são aplicados para atividades internas (tal como a eficiência no consumo de energia e de recursos naturais e a gestão adequada de resíduos), bem como para a análise dos aspectos socioambientais de novos produtos e serviços.
Tais critérios devem ser consistentes e passíveis de verificação, seja por meio da análise das licenças ambientais emitidas pelo órgão do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama), seja pela comprovação do cumprimento da legislação socioambiental vigente da companhia objeto de novos investimentos e da análise de eventuais passivos ambientais a ela relacionados.
Ainda, na tentativa de antever hipóteses em que um imóvel rural é oferecido em garantia ao financiamento de determinado projeto, a autorregulação prevê que a instituição financeira deve verificar a averbação de reserva legal na matrícula ou obtenção de registro no Cadastro Ambiental Rural para o imóvel objeto da operação, além de fazer constar no instrumento contratual uma série de declarações de que o imóvel não possui qualquer restrição ao uso de natureza socioambiental.
Como se depreende das disposições destacadas, a autorregulação constitui importante iniciativa para disciplinar, em conjunto com a Resolução do Bacen já existente, o dever de diligência socioambiental dos bancos.
Certamente, a disseminação das PRSAs das instituições financeiras e o aprimoramento do dever de diligência impulsionarão a sustentabilidade da economia nos seus diferentes setores, haja vista a importância crescente do sistema financeiro e da concessão do crédito nos tempos atuais.
Contudo, não se pode olvidar o sistema abrangente de responsabilização por danos ambientais vigente no Brasil que alcança o poluidor direto e o poluidor indireto. A Política Nacional do Meio Ambiente estabelece, de forma genérica, que poluidor é aquele responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental. O conceito de poluidor indireto é abrangente e muitas vezes questionado – e é nele justamente que as instituições financeiras podem ser consideradas responsáveis caso haja dano ambiental em projeto por elas financiado.
Não obstante a legislação brasileira dê amparo à responsabilidade civil objetiva das instituições financeiras em decorrência da concessão de crédito à atividade causadora de degradação ambiental, a exclusão ou atenuação do nexo de causalidade deve ser objeto de discussão em face de cada caso concreto, considerando-se, na ausência de critério legal específico que defina, o cumprimento do dever de diligência ambiental estabelecido pelas resolução e autorregulação.
Com a publicação da Resolução do Bacen nº 4.327 e da autorregulação da Febraban, a interpretação é de que a instituição financeira poderá ser considerada responsável na esfera ambiental caso não tenha conduzido diligência socioambiental suficiente em operações financeiras de significativa exposição a tal risco, resultando, assim, em contribuição indireta para a atividade que porventura venha a ser considerada danosa ao meio ambiente.
Ao incluir, no processo de análise e concessão de crédito, quesitos socioambientais estabelecidos previamente em PRSA, as instituições financeiras, além de contribuir com a proteção ao meio ambiente, protegem-se dos eventuais riscos ambientais decorrentes de suas operações e serviços.
Consuelo Y. Moromizato Yoshida e Renata Soares Piazzon são, respectivamente, desembargadora do TRF da 3ª região, mestre em direito das relações sociais, doutora em direito pela mesma universidade, professora de direito ambiental na graduação e pós-graduação (mestrado e doutorado) da PUC-SP e do Centro Universitário Salesiano de São Paulo/Lorena (Unisal); advogada da área ambiental do Lobo & de Rizzo Advogados, mestre em direito ambiental pela PUC-SP e professora de pós-graduação na instituição
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