Por Gustavo Loyola – Valor Econômico – 02/06/2014 às 05h00.
O Comitê de Política Monetária (Copom) interrompeu, na semana passada, a trajetória de elevação da taxa básica de juros quando as expectativas de inflação para 2014 e 2015 se mantinham respectivamente em 6,47% e 6%. Espera-se que o BC dê suas razões quando da divulgação da ata da reunião do Copom. Porém, dificilmente convencerá os analistas de que a meta de inflação no Brasil continua sendo mesmo 4,5%. Ao contrário, a decisão do Copom parece indicar que uma taxa de 6,5% passou a ser patamar aceitável para a inflação, uma espécie de mal menor diante do risco de a economia se desacelerar ainda mais com a alta dos juros.
Quando a própria instituição cuja missão principal é assegurar a manutenção do poder de compra da moeda acomoda-se diante de uma inflação de 6,5%, o país ingressa numa situação perigosa. É a vitória definitiva do “um pouquinho mais de inflação não faz mal” e a derrota de toda sociedade brasileira que acreditava ter se livrado definitivamente da praga inflacionária que corroeu suas bases durante décadas até o Plano Real. Os inflacionistas de plantão se sentirão agora mais livres para defender a elevação formal da meta para 6,5% ao ano ou mesmo a própria extinção do regime de metas de inflação. Afinal de contas, qual é o sentido de uma meta que existe para não ser cumprida?
Os problemas na política macroeconômica não começaram agora. A política fiscal está totalmente desacreditada, vítima de maquiagens sucessivas e infindáveis das contas públicas. A manipulação dos preços administrados, admitida e justificada abertamente por um ministro de Estado, tornou-se um sucedâneo da política monetária, custe o que custar em termos de distorções setoriais e de prejuízos para a Petrobras. Tudo isso por obra da “nova matriz macroeconômica” que pretendia alinhar juros baixos, câmbio desvalorizado e menores superávits fiscais.
Parece que taxa de 6,5% passou a ser um patamar aceitável para a inflação, uma espécie de mal menor
Nesse contexto, a atuação de um Banco Central firmemente comprometido com o cumprimento da meta de inflação poderia contribuir para restaurar o mínimo de credibilidade à gestão macroeconômica. É verdade que, nos últimos 12 meses, o BC elevou em 375 pontos base a taxa Selic que estava estacionada em 7,25%. Com isso, provavelmente evitou que a inflação estourasse o limite de tolerância da meta de inflação, os 6,5% ao ano. Porém, o esforço do BC se mostrou insuficiente para trazer a inflação para a meta de 4,5%, prejudicado certamente pela manutenção do expansionismo fiscal e do crédito direcionado nos bancos públicos turbinado por recursos do Tesouro.
A interrupção do ciclo de alta de juros, nessas condições, poderia ser justificada caso estivéssemos diante de um choque temporário de oferta que tivesse elevado a inflação para um nível acima da meta. Muito embora os índices recentes estejam de fato afetados por impactos acidentais e sazonais nos preços agrícolas, que tendem a arrefecer nos próximos meses, a rigidez da inflação de serviços que se mantém consistentemente acima dos 7% nos últimos anos é suficiente para indicar a existência de desequilíbrios entre a oferta e a demanda que devem ser enfrentados pelo Banco Central.
Quanto aos efeitos cumulativos e defasados da política monetária, que em tese recomendariam ao BC cautela na elevação dos juros, não me parece que sejam justificativa suficiente para uma “parada técnica” no processo de aperto monetário nesse momento, tendo em vista principalmente que as expectativas continuam muito descoladas do centro da meta para a inflação nos próximos meses. Na realidade, as expectativas de inflação sinalizam a descrença dos analistas de que a inflação possa convergir para o centro da meta sem um esforço monetário adicional, a não ser que haja uma forte inflexão da política fiscal, o que até aqui não parece ser o caso.
Por outro lado, as pesquisas de opinião mostram que a sociedade brasileira está muito preocupada com a inflação. Parte da insatisfação captada na avaliação do governo tem como origem o incômodo que a alta dos preços traz para as famílias brasileiras. Por outro lado, aqui e acolá, percebe-se que os mecanismos de indexação estão mais vivos do que nunca, com os sindicatos demandando crescentemente a inclusão de mecanismos de “gatilho salarial” nos acordos coletivos de trabalho. Em tais circunstâncias, é fundamental que o BC atue de forma a moderar as expectativas inflacionárias e não sancione a manutenção da inflação nos níveis atuais.
Embora no curto prazo a política anti-inflacionária possa deprimir a atividade econômica, não há como a economia crescer de forma sustentada se a inflação se mantiver elevada. No regime de metas para a inflação, o mandato atribuído pela sociedade ao BC é claro, sendo indispensável que a instituição tenha autonomia operacional para manter a inflação na meta fixada. Não cabe ao BC ter uma leitura flexível da meta, aceitando o teto de tolerância como novo objetivo. Ao contrário, o BC deve ter tolerância zero com a inflação. Fora disso, os riscos são enormes e os custos, altíssimos para a sociedade.
Gustavo Loyola, doutor em economia pela EPGE/FGV, foi presidente do Banco Central e é sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada, em São Paulo. Escreve mensalmente às segundas-feiras. gloyola@tendencias.com.br.
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