valor.globo.com -13/12/2019.
Por Marcos Jank.
A tributação também é perversa, penaliza duramente o crédito e dessa forma limita o crescimento da economia.
— Foto: Gerd Altmann/Pixabay.
Uma declaração do ministro da Economia desembestou a cotação do dólar e as preocupações sobre sua trajetória futura. Disse que é normal que o dólar fique mais caro por conta dos juros mais baixos e de uma política fiscal mais apertada.
É uma assertiva correta que pode ser encontrada em quase todos os livros texto de macroeconomia: juros menores e apertos fiscais depreciam o câmbio. Assim como juros altos e déficits elevados valorizam a moeda nacional prejudicando a competitividade dos exportadores.
É fato que os juros básicos estão mais baixos no Brasil. Também é fato que, apesar do discurso, a política fiscal ainda é expansiva. As projeções são de que apenas em 2023 o país tenha um superávit primário. Assim sendo, juros e política fiscal estão atuando em direções opostas, por enquanto. Há mais fatores para explicar a cotação do dólar.
Além do mix macroeconômico, o câmbio também depende da produtividade, das expectativas e da estrutura do mercado de divisas. A livre flutuação da moeda atua como um estabilizador automático que ajusta o patamar, desde que a influência dos outros determinantes não desvirtue o processo.
É o que acontece no mercado cambial brasileiro. A estrutura é disfuncional e gera equilíbrios perversos que exacerbam a oscilação de preços. A moeda brasileira é uma das mais voláteis do planeta. A repercussão da fala ilustra como o câmbio, mais do que flutuante, é oscilante.
Privilégios dados no passado se justificavam para atrair recursos para financiar déficits públicos e externos
Nos últimos doze meses, a mediana das projeções da cotação do dólar para o final do ano variou entre R$ 3,70 e R$ 4,10, e as cotações médias entre R$ 3,65 e R$ 4,26. O máximo foi 16,7% maior do que o mínimo. Enquanto um patamar alto da taxa de câmbio favorece a exportação e um rebaixado favorece a importação, uma volatilidade excessiva prejudica e preocupa a todos.
Empresas do setor não financeiro ficam reféns das idas e vindas da moeda norte-americana. A estrutura do mercado de câmbio é fragmentada e as negociações com divisas ocorrem em dois segmentos com características diferentes: o futuro e o à vista, também conhecido como spot.
O mercado futuro é eficiente, as negociações são eletrônicas, são isentas de IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) para transações, a burocracia é baixa, a participação de estrangeiros é alta e as margens de compra e venda (spreads) são estreitas e é usado para hedge e para operações para ganhos financeiros de curto prazo com risco, predominantemente feita por financistas.
No mercado à vista, as negociações demandam alguns documentos em papel, há exigências administrativas, são tributadas com IOF, os volumes são significantemente menores e as margens são maiores do que no mercado futuro, especialmente para operações de valores mais baixos. É onde atua o comércio exterior e o turismo.
O mercado futuro em função dos volumes maiores, da velocidade de ajuste e da eficiência é o determinante das taxas de câmbio, muito influenciado pela dinâmica do mercado financeiro e do mundo político. É uma estrutura de mercado que favorece os financistas em detrimento do setor não financeiro. Uma expressão usada por alguns analistas: é o rabo que abana o cachorro.
Para diminuir a disparidade entre os dois mercados, o Banco Central do Brasil tem uma proposta de Nova Lei Cambial. Deverá consolidar 400 artigos da legislação dispersa em muitos normativos em 40 na nova norma e dessa forma modernizar, simplificar e racionalizar mais o mercado spot.
É uma melhoria e um avanço no processo de conversibilidade do real. Mas a desigualdade entre o mercado spot e o futuro vai continuar. É possível conseguir mais, e mais rápido, com duas medidas: tornar o real plenamente conversível e mudar a tributação.
O real já é conversível para os financistas. É legal abrir contas em divisas internacionais em outros países, inclusive em bancos brasileiros no exterior. Uma resolução do Conselho Monetário Nacional autorizando todos os bancos no Brasil a terem contas em dólares aqui teria benefícios consideráveis.
O primeiro é que possibilitaria um hedge em espécie para produtores nacionais. Também alargaria o mercado à vista dando mais estabilidade. Tiraria parte do risco cambial do governo. Reduziria o custo de carregar reservas no Banco Central do Brasil e pode diminuir a dívida bruta do governo em até 25%. Não dolarizaria a economia brasileira, apenas estenderia os privilégios dos financistas a todos os demais cidadãos e empresas no país.
A segunda medida seria isentar de IOF as operações no mercado spot e tributar com IOF as transações no mercado futuro. Com isso, as operações de curtíssimo prazo no mercado futuro seriam penalizadas reduzindo o espaço para ações puramente especulativas, a disparidade entre os dois segmentos diminuiria assim como a volatilidade do câmbio. Mesmo com uma alíquota menor, a arrecadação tributária aumentaria.
Note-se que mercados futuros devem ser estimulados porque são importantes para proteger o setor não financeiro de oscilações de preços. Note-se também que quando a especulação é predominante, a consequência é mais instabilidade na economia, algo que pode ser prevenido com a mudança na tributação que está sendo proposta.
Outro segmento do mercado financeiro em que os financistas têm mais privilégios é o de renda fixa. Há exigências de certificação, transparência e responsabilização, protegendo aplicadores financistas, que não existem para os tomadores de crédito. A tributação também é perversa, onera mais quem toma emprestado. Penaliza duramente o crédito e dessa forma limita o crescimento da economia.
Resumindo, há uma parte do sistema que está hipertrofiada e outra atrofiada, urge uma correção. Os financistas são necessários para uma intermediação financeira eficiente e sustentável. Alguns privilégios concedidos no passado se justificavam para atrair recursos para financiar os déficits públicos e externos e rolar a dívida do governo. Agora, essas vantagens devem ser estendidas a todos, as prioridades e as condições são outras. O Brasil não precisa esperar mais.
Roberto Luis Troster é economista – robertotroster@uol.com.br