Por Eduardo Campos | De Brasília – Valor – 08/01/2014 às 00h00.
Desde a crise de 2008 cresce a percepção de que regras mais rígidas para os mercados financeiros seriam uma boa forma de prevenção a colapsos como o visto naquele ano. As palavras de ordens voltaram a ser regular, limitar e exigir. No entanto, trabalho publicado por procurador do Banco Central (BC) aborda essa questão de forma diferente.
A regulação prudencial mais rígida não é garantia de prevenção contra crises futuras. Mais importante que um marco legal que limite riscos, exposições e exija mais capital do mercado financeiro e de derivativos é a construção de uma rede de proteção financeira a ser lançada em momentos de crise.
Remediar é melhor que prevenir
Como formar uma rede de proteção ao sistema financeiro:
- Seguro de depósitos
- Fundo a ser acionado em caso de emergência
- Uso de dinheiro privado para socorrer instituições (bail-in)
- Uso de dinheiro público (bail-out) só em último caso
- Responsabilizar executivos pelas perdas
Fonte: Marcelo Prates
Segundo o autor, Marcelo Madureira Prates, que é procurador do BC, por mais contraintuitivo que pareça é mais importante dar atenção às consequências do que às causas dessas crises financeiras.
“Construir uma forte rede de segurança pode não só elevar a confiança no sistema financeiro e contribuir para sua estabilidade, mas também criar os incentivos corretos para evitar a tomada de risco de forma imprudente, principalmente se essas regras estabelecerem que outras instituições financeiras, credores e executivos podem ser responsabilizados pelos problemas causados por qualquer instituição que venha a falhar”, diz o autor no estudo “Why Prudential Regulation Will Fail to Prevent Financial Crises. A Legal Approach”, disponível na página do BC. Cabe lembrar que a visão exposta no estudo é do autor e não necessariamente reflete a do BC.
A construção dessa rede de proteção deve se dedicar a três questões principais: como organizar um sistema de seguro de depósitos e um fundo de resolução para ser utilizado como primeira resposta em caso de falhas; como encontrar uma solução privada e não pública e, mais importante, como reduzir o risco moral seguindo a construção de tal rede de proteção; e, como responsabilizar os executivos pelas perdas causadas por instituições financeiras.
“Acreditamos, realmente, que os reguladores não devem se preocupar muito com o que gerou a última crise. Eles devem tentar aprender como minimizar as consequências de uma nova crise, pois não é uma questão de ‘se’ uma nova crise vai acontecer, mas sim de ‘quando’ ela vai acontecer”, resume o autor.
A ideia fundamental dessa proposição é evitar o uso de dinheiro público para resolver crises financeiras, permitindo, assim, a evolução dessa rede de proteção sem dar espaço para surgimento do risco moral.
Para o autor, o primeiro passo para esse fortalecimento é ter um sistema de proteção de depósitos. A sua mera existência já ajuda a dissipar uma onda de desconfiança. Os depositantes da instituição devem ser os primeiros protegidos, pois isso evita a corrida bancária, e, claro, esse sistema deve ser bancado pela própria indústria. Além disso, o autor defende que esse fundo seja um instrumento de resolução bancária, provendo liquidez e atuando na liquidação de instituições. O autor não fala sobre o caso brasileiro, mas o Fundo Garantidor de Crédito (FGC) tem cumprido esse papel.
O estudo também aborda a figura do “bail-in”. Neste modelo, o regulador deve ter poder para forçar o banco a se recapitalizar internamente, usando capital privado e não dinheiro público, como no “bail-out”, ditando os termos dessa recapitalização.
O estudo não aborda a questão, mas o Banco Central (BC) está trabalhando em novo mecanismo de resolução bancária, que tem entre as suas propostas a criação da figura do “bail-in”. Esse novo projeto, no entanto, também traria de volta a possibilidade de uso de recursos públicos para salvar bancos, algo vedado pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
“Como os bancos são os primeiros a se beneficiar de um sistema financeiro estável, livre de bancos que possam espalhar risco e desconfiança, eles devem tomar parte no processo de solução de problemas enfrentados por qualquer instituição”, diz.
Esse tipo de regulação leva o mercado a se policiar e mesmo a dar alertas ao regulador sobre possíveis problemas.
A busca por novos sistemas de resolução, principalmente aqueles que não usem dinheiro público é agenda mundial. Os imensos resgates a bancos nos Estados Unidos e Europa e o consequente endividamento dos governos gerou amplo debate sobre se é função do Estado salvar bancos privados, ainda mais quando seus executivos seguiram com bônus recordes ainda no ápice da crise. Nos EUA novas legislações foram aprovadas e o setor privado já está sendo chamado a participar da solução. O J.P. Morgan aceitou pagar US$ 13 bilhões por passar informações erradas na venda de títulos subprime. E a União Europeia trabalha para ter ainda neste ano um regulador bancário único e figuras como “bail-in”.
No entanto, se mesmo o seguro de depósitos, fundo de resolução e “bail-in” não forem suficientes para lidar com o contágio decorrente da quebra de uma instituição é quase certo que dinheiro público será utilizado. Neste ponto o autor defende que chegou o momento de convocar os executivos da instituição problemática. “Se eles foram parte do problema, eles têm de ser parte da solução”, afirma.
Para o autor, os executivos devem preparar “testamentos” se as soluções anteriores não forem suficientes para evitar o uso de recursos do contribuinte. Assim, eles seriam forçados a reservar ativos líquidos para cobrir possíveis perdas futuras. A sugestão é que tal ‘testamento’ seja determinado como uma proporção dos rendimentos dentro de um período de tempo.
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