Por Walter Carlos C. Henrique – Valor – 06/01/2014 às 00h00.
A Constituição Federal adotou como princípio a livre iniciativa – artigo 170, redação original. Também garantiu tratamento favorecido às empresas de pequeno porte (art.170, inciso IX – EC 6/95) e tratamento favorecido e diferenciado às microempresas e empresas de pequeno porte, inclusive por meio de regimes especiais ou simplificados (art.146, III, “d” – Emenda Constitucional nº 42, de 2003).
A Constituição é de 1988 e em duas oportunidades foi alterada para dizer o mesmo: pequenos contribuintes devem ter um tratamento adequado e, portanto, favorecido (leia-se incentivados até que atinjam maturidade e venham a se sujeitar ao regramento normal). Tratar os desiguais na medida de sua desigualdade não é fazer caridade, significa apenas respeitar, sob a ótica tributária, a capacidade contributiva de cada sociedade. Com isso todos ganham, do empreendedor ao país; da sociedade ao Tesouro. É a política do ganha-ganha.
Mas isso não importa. O que vale não é a leitura jurídica, mas a ditada pelos representantes do Fisco aqui, lá e acolá. E a influência é tão grande que até a jurisprudência a ele se curva. Quando a Justiça perceber, será tarde, seja para os contribuintes/empreendedores, seja para o Brasil. A arrecadação não pode ser um fim em si própria.
Ao invés de recuperar quem gera riquezas e empregos, extinguimos o Empreendedor
No Congresso Nacional está em pauta a chamada universalização do Simples. O jurista atento sabe que não há critério constitucional para que apenas uma ou outra atividade seja inserida no regime da Lei Complementar nº 123. O jurista também sabe que a inadimplência momentânea ou contumaz não impede a cobrança de novos impostos ou autoriza a mudança de regimes tributários. Verificado no mundo dos fatos a situação prevista em lei, surge o espaço para a tributação ser identificada, lançada e recolhida. Não é o que acontece com o Simples. Pretende o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) – Ofício nº 38/2013 encaminhado à Presidência da República – que a inadimplência também continue a impedir o acesso ao regime jurídico da Lei Complementar nº 123. Argumenta que a proposta é “um estímulo ao calote, visto que nada aconteceria ao contribuinte inadimplente”. Levada às últimas consequências – e é assim que testamos o modelo – é o mesmo que asfixiar o gripado.
Não importa a qualidade dos argumentos. Se do outro lado está o Fisco, a disputa é épica. Ao invés de recuperar quem gera riquezas e empregos, extinguimos o empreendedor. Matamos o país e passamos a importar.
O massacre acontece em todas as frentes. No começo deste mês o Superior Tribunal de Justiça firmou jurisprudência no sentido de que o contribuinte inadimplente pode ser protestado pela Fazenda Pública. Tomada de posição contrária à orientação sumular do Supremo Tribunal Federal com relação às chamadas sanções políticas. A solução da inadimplência fiscal não passa pelo escracho em praça pública, mas pela redução dos excessos, seja quanto à obrigação principal (pagamento), seja quanto às obrigações acessórias (deveres instrumentais). Aliás, é incrível que ninguém ainda tenha atrelado a questão das execuções a estes aspectos e à própria carga tributária em si. A ineficiência da cobrança judicial está atrelada a falta de meios e de gestão. A afirmação não causa receio e nem assusta, porque algumas comarcas importantes em termos de PIB não possuem sequer estruturas de cobrança. É mais simples protestar e constranger.
Está em andamento em Brasília um projeto de desburocratização das atividades empresariais, visando extinguir os cadastros municipais e estaduais (inscrições municipais e estaduais). Uma das ideias é que os empreendedores utilizem apenas o CNPJ como único dado referencial. A Secretaria Especial da Micro e Pequena Empresa está à frente deste projeto, mas o Fisco não vive apenas de exageros passados (protestos de CDA) ou presentes (limitações ao Simples).
O futuro está à nossa porta. E aqui surge a Portaria nº 122 emitida pela Secretária da Fazenda do Estado de São Paulo, que instrumentaliza a “possibilidade” da exigência prévia, de comprovação de capacidade financeira para os pagamentos tributários futuros, antes mesmo que a atividade econômica seja desenvolvida. Garantia necessária para a obtenção e manutenção da Inscrição Estadual. Já tínhamos a certidão negativa com prazo de validade. Agora temos prazo de validade da própria atividade econômica! E não se trata de medida apenas para coibir inadimplência contumaz, porque o regramento não prevê possibilidade recursal com efeito suspensivo e ainda pode ser aplicado quando sócios ou empresas coligadas estejam em situação de inadimplência. A afirmação de que essa possibilidade já estava prevista no regulamento paulista do ICMS explica, mas não justifica.
Uma coisa é ter porte de arma (possibilidade) outra é sair atirando (aplicação). É o caso.
O que as três situações possuem em comum é o cerceamento de atividades econômicas como forma coercitiva de tributação. Isso é confisco em sentido amplo, algo sobre o qual devemos meditar e que certamente chegará ao crivo do Supremo Tribunal Federal, que já possui manifestações sobre extravagâncias anteriores.
A máxima de que o “dinheiro só vem antes do trabalho no dicionário” deveria ser aplicada aos impostos, porque sem empreendedorismo e uma economia pujante não deveríamos ter tanta arrecadação. O diagnóstico é grave e a possibilidade de recuperação não será eficiente enquanto a arrecadação não estiver sob o controle de um estadista que enxergue além das próximas eleições.
Walter Carlos Cardoso Henrique é advogado, representante da OAB-SP no Codecon para o biênio 2014/2015 e presidente da Comissão de Assuntos Tributários do MDA.
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