Por Sebastião Ventura Pereira da Paixão Jr – 01/11/2013 às 00h00
A ideia é simples: quanto mais a lei é aplicada, melhores são as instituições nacionais; por outro lado, quanto menos a lei é prestigiada, maior o grau de degeneração institucional. Logo, se pudéssemos criar um “coeficiente de legalidade”, com escala crescente de zero a um, teríamos a seguinte situação: países com instituições que funcionam teriam um coeficiente de legalidade perto de um, enquanto que países com instituições precárias ou ineficientes estariam perto do zero. Sobre o ponto, merecem destaque os estudos pioneiros do eminente professor Douglass North, Prêmio Nobel de Economia de 1993, que bem demonstrou que as instituições nacionais guardam uma estreita e qualitativa relação com o grau de desenvolvimento das nações. Ou seja, países com instituições públicas eficientes possuem níveis de crescimento econômico mais acentuados que países com instituições públicas bagunçadas ou ineficientes.
Vamos, então, deixar as subjetividades de lado e passar a casos objetivos.
A Constituição brasileira, por exemplo, assegura “o respeito à integridade física e moral” dos presos, determina que o salário mínimo deve ser capaz de atender as necessidades de “moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social” e, ainda, diz em alto e bom som que “moralidade e eficiência” são princípios da administração pública brasileira. Tais regras, no entanto, só existem no papel, pois os presídios são sabidamente caóticos, o salário mínimo praticamente se esvai em moradias precárias e em magra alimentação, enquanto que moralidade é uma palavra desconhecida da política, assim como eficiência é uma nota proibida no sarau da burocracia brasileira.
Temos uma Constituição distante da realidade da vida: a norma diz uma coisa, porém a realidade diz outra bem diferente
Moral da história: a lei no Brasil soa, muitas vezes, com um som sem voz, ou seja, nós sabemos que algo foi dito, mas pouco ligamos para o seu exato significado ou para o seu cumprimento eficaz. Em outras palavras, temos uma Constituição distante da realidade da vida: a norma diz uma coisa, porém a realidade diz outra diferente. Tal fato é um claro indicativo de que nosso coeficiente de legalidade é baixo e, por assim ser, muitas de nossas instituições são precárias ou funcionam de forma defectiva. Os exemplos estão aí e não nos deixam mentir: a segurança pública é pobre e em muitos locais inexistentes; a saúde pública está literalmente na UTI e respirando com auxílios de aparelhos; a educação foi condenada à ignorância e as escolhas públicas foram transformadas em ruínas. Em resumo, o Estado de Direito brasileiro está torto e sem norte. Por quê? Porque a lei foi virada em cacos para atender interesses passageiros que em muito diferem do alto e soberano interesse público.
Vamos adiante. Outro dado sintomático de que a lei não funciona no Brasil está no vertiginoso aumento da litigiosidade judicial. Se há litígio é porque a lei não foi cumprida em alguma medida, criando um conflito de interesses entre as partes envolvidas. Se a lei tivesse sido imperativamente observada, não haveria litígio nem conflito de interesses. Logo, o vertiginoso aumento de demandas judiciais é um claro indicativo de que estamos a viver uma preocupante crise de legalidade, ou seja, a norma existe, mas, muitas vezes, parece que não. É claro que algum espírito mais benevolente poderá sustentar o contrário: o aumento da litigiosidade, ao invés da fragilidade institucional da lei, revela justamente que as pessoas estão indo atrás de seus direitos. A premissa é bonita e requintada, mas é logicamente falsa. Afinal, se as pessoas precisam ir atrás de direitos, é porque, na prática, não os têm.
Na verdade, a lei em nosso país é como aquela imagem do macaco correndo atrás da banana: no início, o macaquinho, corre, corre, corre e nada; chega um momento que o pobre mortal, exausto de tanto correr, desiste e, aí, o que ele faz? Bate na porta do Judiciário em busca de justiça. Tal fenômeno vem acontecendo sistematicamente em nosso país e bem revela que muitos de nossos direitos precisam de um ato judicial para serem efetivados.
No final, além da fadiga dos materiais que funcionam, restará a amarga evidência que a lei brasileira promete muito, mas a política faz muito pouco. Nosso grau de cumprimento da lei é baixo e insatisfatório. Não é de estranhar, portanto, o acentuado grau de degeneração das instituições públicas de nosso país. Para mudar o triste panorama que aí está, basta fazer o simples e não inventar moda: cumprir insistentemente a lei, pois, assim, dia após dia, nos transformaremos em um país melhor, mais justo e com instituições mais firmes e eficientes.
E, então, qual o coeficiente de legalidade que o prezado leitor atribui ao Brasil?
Sebastião Ventura Pereira da Paixão Jr. é advogado e diretor executivo do Sebastião Ventura Advocacia.
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.
Vamos, então, deixar as subjetividades de lado e passar a casos objetivos.
A Constituição brasileira, por exemplo, assegura “o respeito à integridade física e moral” dos presos, determina que o salário mínimo deve ser capaz de atender as necessidades de “moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social” e, ainda, diz em alto e bom som que “moralidade e eficiência” são princípios da administração pública brasileira. Tais regras, no entanto, só existem no papel, pois os presídios são sabidamente caóticos, o salário mínimo praticamente se esvai em moradias precárias e em magra alimentação, enquanto que moralidade é uma palavra desconhecida da política, assim como eficiência é uma nota proibida no sarau da burocracia brasileira.
Temos uma Constituição distante da realidade da vida: a norma diz uma coisa, porém a realidade diz outra bem diferente
Moral da história: a lei no Brasil soa, muitas vezes, com um som sem voz, ou seja, nós sabemos que algo foi dito, mas pouco ligamos para o seu exato significado ou para o seu cumprimento eficaz. Em outras palavras, temos uma Constituição distante da realidade da vida: a norma diz uma coisa, porém a realidade diz outra diferente. Tal fato é um claro indicativo de que nosso coeficiente de legalidade é baixo e, por assim ser, muitas de nossas instituições são precárias ou funcionam de forma defectiva. Os exemplos estão aí e não nos deixam mentir: a segurança pública é pobre e em muitos locais inexistentes; a saúde pública está literalmente na UTI e respirando com auxílios de aparelhos; a educação foi condenada à ignorância e as escolhas públicas foram transformadas em ruínas. Em resumo, o Estado de Direito brasileiro está torto e sem norte. Por quê? Porque a lei foi virada em cacos para atender interesses passageiros que em muito diferem do alto e soberano interesse público.
Vamos adiante. Outro dado sintomático de que a lei não funciona no Brasil está no vertiginoso aumento da litigiosidade judicial. Se há litígio é porque a lei não foi cumprida em alguma medida, criando um conflito de interesses entre as partes envolvidas. Se a lei tivesse sido imperativamente observada, não haveria litígio nem conflito de interesses. Logo, o vertiginoso aumento de demandas judiciais é um claro indicativo de que estamos a viver uma preocupante crise de legalidade, ou seja, a norma existe, mas, muitas vezes, parece que não. É claro que algum espírito mais benevolente poderá sustentar o contrário: o aumento da litigiosidade, ao invés da fragilidade institucional da lei, revela justamente que as pessoas estão indo atrás de seus direitos. A premissa é bonita e requintada, mas é logicamente falsa. Afinal, se as pessoas precisam ir atrás de direitos, é porque, na prática, não os têm.
Na verdade, a lei em nosso país é como aquela imagem do macaco correndo atrás da banana: no início, o macaquinho, corre, corre, corre e nada; chega um momento que o pobre mortal, exausto de tanto correr, desiste e, aí, o que ele faz? Bate na porta do Judiciário em busca de justiça. Tal fenômeno vem acontecendo sistematicamente em nosso país e bem revela que muitos de nossos direitos precisam de um ato judicial para serem efetivados.
No final, além da fadiga dos materiais que funcionam, restará a amarga evidência que a lei brasileira promete muito, mas a política faz muito pouco. Nosso grau de cumprimento da lei é baixo e insatisfatório. Não é de estranhar, portanto, o acentuado grau de degeneração das instituições públicas de nosso país. Para mudar o triste panorama que aí está, basta fazer o simples e não inventar moda: cumprir insistentemente a lei, pois, assim, dia após dia, nos transformaremos em um país melhor, mais justo e com instituições mais firmes e eficientes.
E, então, qual o coeficiente de legalidade que o prezado leitor atribui ao Brasil?
Sebastião Ventura Pereira da Paixão Jr. é advogado e diretor executivo do Sebastião Ventura Advocacia.
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.
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