Em entrevista à Rio Bravo Investimentos, o economista Claudio Porto, fundador da consultoria Macroplan diz que País vive um momento de grande transição “complexo e desafiante”
Claudio Porto, que lança hoje o livro “Propostas para o Governo 2015-2018 – Agenda para um País Próspero e Competitivo”, defende que o País vive um momento de grande transição para libertar-se das velhas amarras que marcaram o chamado “ciclo de expansão fácil” da economia brasileira, mas esse processo será “complexo e desafiante”.
Em podcast gravado com a Rio Bravo Investimentos, Porto, que atualmente é diretor-presidente e fundador da consultoria econômica e empresarial Macroplan, deixou claro que o próximo governo terá a árdua missão de deixar o velho e esgotado modelo do “ciclo de expansão fácil”, que se acelerou a partir de 2004 amparado pelo uso da capacidade ociosa na economia e força de trabalho, e buscar uma nova agenda econômica. “É um novo momento, muito mais desafiante, e eu creio que um sinal disso foram as manifestações que aconteceram em junho deste ano”, comentou.
Para ele, manter o crescimento econômico se tornou mais complexo e exigentes do ponto de vista do manejo de elementos de política econômica, do diálogo entre governo e empresariado e a sociedade civil e até de alinhamento disso com as expectativas da população. Confira os principais trechos da entrevista.
Desafios do próximo governo
A agenda econômica agora se tornou mais complexa e desafiante. Nós estamos em uma grande transição que é marcada pelo esgotamento do chamado ciclo de expansão mais fácil, que é marcado, basicamente, por dois grandes fatores. O primeiro, pela incorporação e uso de capacidade ociosa que nós tínhamos na nossa economia e também ainda de força de trabalho, ainda havia uma certa margem de desemprego, então de ocupação de força de trabalho, expansão do uso de fatores, e uma conjuntura externa extremamente favorável para, em relação a demandas nas quais o Brasil tem grandes vantagens comparativas, especialmente no campo de commodities agrícolas ou minerais. Agora nós estamos em uma situação de quase pleno emprego, mas, ao mesmo tempo, de esgotamento dessa fase em plena transição demográfica e os desafios para sustentar e manter o crescimento econômico se tornaram muito mais complexos e exigentes do ponto de vista do manejo de elementos de política econômica, do diálogo entre governo e empresariado e a sociedade civil e até de alinhamento disso com as expectativas da população. É um novo momento, muito mais desafiante, e eu creio que um sinal disso foram as manifestações que aconteceram em junho deste ano.
Consumo sai das cesta de prioridades do governo
O Brasil precisa de investimentos, e mais investimentos. Esse é o único jeito de solucionar o gargalo do lado da oferta. A taxa de investimentos é historicamente muito baixa no Brasil. A média entre 2011 e 2013 foi de 17,9% do PIB (Produto Interno Bruto), enquanto no Chile chega a cinco pontos percentuais a mais, no México vai a quase 25%. “Então, nesse ponto de vista, não há solução de desenvolvimento sustentável para o Brasil sem uma expansão drástica e dramática da nossa taxa de investimento”.
Abertura econômica
“Penso que qualquer estratégia de desenvolvimento econômico de médio e longo prazo tem que levar em conta o mercado interno, mas é cada vez mais importante e urgente abrir mais a nossa economia. Nós só conseguiremos uma economia produtiva e competitiva se a gente aumentar muito a abertura da nossa economia, pelo menos até chegar a patamares como os dos Estados Unidos”, comenta. Hoje, a economia brasileira tem uma taxa de abertura em torno de 18% em relação ao PIB, enquanto nos EUA, que também é uma economia com mercado interno muito grande, ela chega a quase 30%.
Consumo em queda
Até pelo menos 2010, houve uma clara opção pela alavancagem do mercado interno e essa opção se mostrou eficaz, no sentido de ser um elemento para tirar o país da recessão e das dificuldades que aconteciam em função da crise de 2008. Havia demanda reprimida, mas essa demanda não se mantém eternamente. Deve começar a haver sinais de arrefecimento em termos de aumento do endividamento das empresas, a perda das taxas de expansão de consumo. Não significa, na maioria dos cenários, que teremos uma retração grande no consumo, mas é uma aposta errada imaginar que vai conseguir sustentar um desenvolvimento mais saudável exclusivamente pelo consumo.
Desemprego em baixa
O cenário mais provável é de uma manutenção de níveis de desemprego baixos. O que provavelmente poderá ocorrer nos próximos anos, se não acelerarmos o crescimento econômico, é uma situação aonde o salário médio pode crescer menos ou até sofrer algumas perdas. O que nós estamos vendo é que depois desse último ciclo de expansão baseado no consumo de fato isso levou a uma ampliação no mercado de trabalho. Claro, são trabalhos que cresceram sobretudo no setor serviços, que tem a maior improdutividade do País e que absorveu mais mão de obra. Então, provavelmente devemos continuar assim, mas eu não creio que o cenário mais provável seja de um aumento grande na taxa de desemprego que se mantiver no crescimento econômico, dado o momento baixo. Inclusive porque tem outro componente que é o da transição demográfica. Tem cada vez menos gente entrando no mercado de trabalho. O que reforça a importância de que qualquer política de crescimento de médio e longo prazos tem que focar na produtividade – que chega a ser, em alguns casos, metade da vista no México e no Chile, e não somente abaixo de países desenvolvidos.
Política fiscal
A política fiscal preocupa. O Brasil hoje, que perdeu algumas posições em termos das agências de classificação de risco, a Petrobras (PETR3; PETR4) também, tudo isso é consequência de uma certa perda de confiança em relação a alguns fundamentos na política fiscal.
Programas sociais
As políticas sociais precisam ser revistas para se ajustar à nova transição demográfica. Só para te dar um exemplo, em qualquer análise prospectiva demográfica da nossa população nós teremos cada vez menos crianças para educar e para cuidar da saúde e cada vez mais idosos. A equação que existe hoje em termos de financiamento de educação e saúde teria que, necessariamente, ser revista e eu diria que o quanto antes é melhor porque dá tempo de adaptação para poder fazer face e atender a essas mudanças de perfil da demanda.
Certamente no caso da Bolsa Família, também por conta até da transição demográfica, mas também por conta de um mercado que tende a absorver mais mão de obra, está na hora de investir, de pensar seriamente em mecanismos que estimulem as chamadas portas de saída. Portas de saída no sentido da inclusão produtiva dos beneficiários no mercado de trabalho, aproveitando até esse momento onde você está com crescente escassez em relação à mão de obra. Agora, tem outros pontos que são fundamentais a considerar, dentro das políticas sociais, é de que nós temos e é cada vez mais urgente enfrentar a questão de reequacionar a questão do financiamento da previdência. O Brasil tem uma das maiores bombas relógio, do ponto de vista de financiamento da previdência, do mundo. Não é imediato, mas qualquer análise de números que a gente faça você enxerga um problema imenso pela frente e as medidas tomadas até hoje são muito tímidas em suficiência para o tamanho do problema.
Investimento privado
O governo precisa, no primeiro momento, recuperar a confiança para reestabelecer o apetite do investimento do setor privado em infraestrutura,. Esse é o ponto fundamental. E para recuperá-la é essencial ter mais clareza e estabilidade das regras. Um segundo ponto é criar e manter as condições de atratividade para o investimento privado, segundo a racionalidade econômica. Quanto menos o investimento privado depender dos arranjos, das engenharias financeiras, se depender de subsídios, de eventuais aportes orçamentários para mitigar riscos ou financiamentos em condições extremamente especiais, mais viável torna-se o empreendimento. Enquanto se depender de tudo isso não vai ter muita amplitude porque o investidor quer ter a previsibilidade a médio e longo prazo e estabilidade de regras. Esses são pontos muito importantes.
Reformas do próximo governo
O Brasil é um País solúvel. Temos muitos recursos, muitas possibilidades, nós temos escala, temos um povo flexível, adaptável, resiliente, quando ele compreende, ele ajuda, ele é parte da solução, como foi no caso da estatização econômica, de enfrentar o apagão em 2009, o apagão de energia elétrica em 2011. Então, desse ponto de vista, eu diria que no caso do Brasil fazer reformas é algo que é menos planejado, de convencimento, mas é persistência e foco para conseguir retomar esse processo de reforma. E a classe política tem essa coragem que essas propostas precisam? Acredito que é possível encontrarmos lideranças firmes e com senso de urgência porque nós não temos muito tempo a perder.
Por Paula Barra –