Por Rodrigo Zeidan – 22/08/2013 às 00h00
Não é preciso temer o aumento da taxa de juros americana e seu efeito sobre a moeda brasileira – pois isso já ocorreu. Não há uma única explicação para a desvalorização do real. Contudo, é inegável o papel que a estrutura a termo da taxa de juros americana teve sobre essa desvalorização.
O processo de desvalorização da moeda brasileira teve data para começar – 10 de maio de 2013. Porém, ninguém realmente percebeu a profundidade do que se iniciava naquela data: o processo de descolamento da taxa de juros americana. Em termos técnicos, isso representou a mudança na estrutura a termo da taxa de juros americana. A estrutura a termo se refere ao retorno dos investidores ao comprar títulos da dívida americana com diferentes períodos de vencimento. Assim, um título com vencimento em seis meses rende pouco mais de 0,3% ao ano, que é bem perto da atual taxa de juros dos EUA. Um título que vence em 10 anos, por sua vez, traz um retorno maior, pois incorpora o provável aumento da taxa de juros que ocorrerá quando o governo americano der fim ao período de afrouxamento monetário (“quantitative easing”), somado às incertezas de longo prazo sobre a economia americana.
Não existem mais razões externas que estejam influenciando a desvalorização da moeda brasileira
Até abril de 2013, a estrutura a termo da taxa de juros americana manteve-se estável. Contudo, começou a mudar em maio, acelerou-se em junho e culminou em um grande deslocamento dos retornos de títulos com prazos mais longos. Durante os dois primeiros trimestres do ano, as taxas americanas mantiveram-se constantes, aumentando, principalmente para prazos mais longos, nos meses de maio, junho e julho. O resultado sobre a economia brasileira é simples: com maior retorno em títulos americanos, os gestores de fundos de investimento mundiais passam a diminuir a exposição a países emergentes em troca dos papéis do Tesouro americano. O capital flui de volta para os Estados Unidos, provocando uma desvalorização generalizada em países com elevados déficits em conta corrente e relativamente livre movimento de capitais, como Brasil, México e Tailândia.
Interessante observar a cronologia dos acontecimentos. Em 19 de junho, o retorno dos títulos americanos com vencimento em um ano aumenta 11%, enquanto títulos com vencimentos mais longos, de 2 a 30 anos, aumentam de 3 a 6%. No dia seguinte, este cenário se repete. No Brasil, o câmbio se desvaloriza 4,2% somente no dia 20 de junho.
Na década de 80, o aumento da taxa de juros americana pelo então presidente do Fed, Paul Volcker, acabou desencadeando o início da crise da dívida externa sul-americana. O efeito sobre a economia brasileira foi devastador e sentido ao longo de 20 anos. Hoje, o Brasil não tem a mesma exposição a mudanças externas, mas ao mesmo tempo não precisa nem esperar que a taxa de juros americana suba – basta a mudança nas expectativas sobre a trajetória dos juros para que se desencadeie a desvalorização recente na moeda brasileira.
Durante o ano de 2013, a correlação entre a variação dos retornos dos títulos americanos e da moeda brasileira é de 0,14. Contudo, se usarmos somente os dados de maio até agosto essa correlação aumenta consideravelmente para cerca de 0,27. É o mesmo cenário se usarmos uma cesta de moedas ajustada para o comércio. A moeda americana se valoriza e a correlação com a taxa de juros sobe de 0,32 durante o ano de 2013 para 0,5 se usarmos somente os dados de maio a agosto. O mesmo acontece com a moeda de outros países na mesma situação do Brasil, como México e Tailândia, por exemplo.
Mas o que fazer, dado a elevada desvalorização recente? São dois cenários mais prováveis, e um terceiro mais tenebroso. No primeiro, estaríamos diante de um sobrepreço (overshooting), como em 1999, quando o real se desvalorizou mais de 80%, saindo de R$ 1,21 por dólar em 12 de janeiro para R$ 2,20 no início de março, antes de recuar para patamares menos exagerados e fechar o ano em R$ 1,80. No segundo cenário, não teríamos, ainda, encontrado o novo dólar de equilíbrio e o mercado estaria testando novos patamares, com o real ficando instável durante algum tempo. No primeiro caso, o Banco Central não precisaria atuar e o reequilíbrio dos fluxos de capitais traria o dólar de volta a um patamar manejável. No segundo caso, o Banco Central poderia atuar para tentar ajustar a volatilidade de mercado. E há um terceiro cenário, em que a estrutura a termo da taxa de juros americana continua mudando, sem indícios de melhora no cenário econômico mundial. Nesse cenário, o fim do processo de desvalorização estaria distante.
É importante lembrar que a alteração na estrutura a termo da taxa de juros americana deveu-se a uma perspectiva de melhora no cenário da economia americana. Nesse caso, o Fed deveria, em algum momento, retirar o excesso de liquidez do mercado gerado pelo “quantitative easing”. Se a recuperação da economia americana se solidificar, o efeito sobre a economia brasileira pode ser até benéfico. As tentativas tímidas do Banco Central em impedir a escalada do dólar estavam fadadas ao fracasso de qualquer jeito. Seria praticamente impossível impedir a desvalorização, a não ser que o governo quisesse realmente praticar controles de capital ou subir demasiadamente a taxa de juros. O governo manteve a estrutura da economia brasileira: fechada ao comércio e aberta ao movimento de capitais.
Expectativas sempre tiveram papel importante em modelos econômicos, mas hoje em dia é ainda mais fácil ver como mudanças em expectativas podem afetar as transações reais. A boa notícia é que, no momento, a estrutura a termo da taxa de juros americana parece ter se estabilizado, o que significa que o efeito sobre a moeda brasileira já passou. A grande questão é sobre a dinâmica do câmbio daqui para frente. Os últimos aumentos se devem à deterioração das expectativas sobre a economia brasileira, pois não existem mais razões externas, neste momento, que estejam influenciando a desvalorização da moeda brasileira.
Rodrigo Zeidan é professor da Fundação Dom Cabral e da Nottingham University Business School China.
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