O mercado acionário e as ações da Apple merecem raras menções ao longo das 586 páginas da biografia de Steve Jobs escrita por Walter Isaacson. O livro mostra a trajetória do fundador da Apple desde sua infância até a vida adulta, passando por sua atuação na Apple, Next e Pixar. A vida familiar também é tema de destaque, como sua adoção, a relação conflituosa com a filha originada ainda solteiro, o casamento com Laurene Powell e a inglória luta contra o câncer.
Mas, apesar de poucos trechos referentes ao mercado de capitais, uma leitura cuidadosa permite tirar lições preciosas para quem analisa empresas listadas em bolsa:
1) Empresa de dono — independentemente da participação acionária que Jobs detinha na Apple, a companhia era considerada como uma “empresa de dono”. Essa característica permitiu que a companhia adotasse estratégias que fugiam às práticas usuais de mercado, como mostram pelo menos quatro exemplos. Ao contrário da Microsoft, que se especializou em licenciar seus softwares para diversos fornecedores de hardware, a Apple preferiu ter o controle de todo o processo, integrando software e hardware. Outro exemplo foi a invenção do iPod. Com ele, a Apple conseguiu conciliar o produto que tocava música com a venda das canções por intermédio do iTunes, suplantando a Sony, que era a candidata natural a inovar, pois havia criado o walkman e possuía a gravadora entre suas controladas. Terceiro, criou a Apple Store quando especialistas em varejo consideravam a estratégia um erro. E, por fim, a empresa sempre observou apenas o resultado global do grupo e não por unidade de negócio. Essa atitude permitiu à companhia ter uma noção do todo em diversos momentos, evitando que disputas entre os departamentos, como ocorreu na Sony, impedissem o desenvolvimento de novos produtos. Por essas razões, empresas de donos são preferidas às empresas sem controle definido por muitos investidores. Essas podem ser levadas ao sabor das modas do mercado.
2) Tese de investimento — A Apple teve sucesso na sua opção de integrar hardware e software, além de entrar em outros mercados como varejo, música e livros. O valor de mercado da Apple na sexta-feira (2) era de US$ 420 bilhões, comparado a US$ 265 milhões da Microsoft. Por outro lado, a empresa de Jobs negocia com um desconto substancial de múltiplo P/L (preço por lucro) em relação à companhia fundada por Bill Gates: 11,1 vezes versus 16,1 vezes. O mercado, apesar da integração de negócios distintos, ainda vê a companhia como uma produtora de hardware, cuja indústria apresenta resultados mais voláteis do que a de software. Já havia realçado este ponto no provocante post “O sonho da Apple é ser a Totvs”, de 9 de maio deste ano.
3) Análise voltada para a qualidade da administração — Muitos gestores dão um peso excessivo à atuação dos executivos para a escolha de suas ações. Na última década, Steve Jobs foi endeusado (e com razão) como um visionário. Mas não foi sempre assim. Quando ele foi demitido da Apple, em 1985, os investidores apreciaram a notícia e as ações subiram quase 7%. O editor de um boletim sobre ações de empresas de tecnologia escreveu o seguinte: “Acionistas da Costa Leste sempre se preocuparam com esse essoal estranho da Califórnia na direção de uma empresa. Agora, com Wozniak (o outro fundador da Apple) e Jobs fora, esses acionistas se sentiram aliviados”. Outro momento que frustrou os investidores foi o lançamento do Power Mac G4 Cube, que contribuiu para um faturamento decepcionante em 2000 e, consequentemente, para um mau desempenho das ações. Além disso, atitudes que demonstraram pouco apreço pela governança corporativa assustam. A primeira foi a decisão, na sua volta à companhia, em 1997, de reduzir o preço de emissão de “stock options”, pois o plano anterior já não valia nada em decorrência da queda das ações da Apple. A segunda era a pouca independência do conselho de administração. Isaacson conta a história que Jobs havia decido convidar Arthur Levitt, antigo presidente da SEC (a CVM americana), para assumir um assento. Contudo, ao ler um de seus discursos que pregava uma atuação forte e independente dos conselheiros, desistiu de convidá-lo. Segundo Levitt, Jobs disse o seguinte: “Arthur, imagino que você não vai se sentir feliz no nosso conselho, e acho melhor não convidá-lo. Francamente, acho que algumas questões que você levantou, embora apropriadas para algumas empresas, não se aplicam à cultura da Apple”. Estes exemplos — existem outros ao longo do livro — mostram como é difícil avaliar a capacidade do administrador. Dar um peso exagerado à qualidade da administração para a escolha de uma ação é arriscado dado o grau de subjetivismo. A decisão acertada de hoje pode ser um equívoco amanhã. A avaliação da administração pode variar ao longo do tempo. Se isto aconteceu com um ícone como Jobs, imagine com executivos mortais.
O livro é delicioso. Há casos curiosos, mas infelizmente o espaço acabou. Fica para uma próxima oportunidade.
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05/08/2013 às 18h06 | Postado por: André Rocha Seção: Geral
Se considerarmos o desempenho recente da Apple, a resposta para a pergunta que intitula este artigo — Steve Jobs agradava aos investidores? — seria um estrondoso sim. Mas nem sempre foi assim. Houve momentos em que o estilo de Jobs e problemas de governança corporativa irritaram o mercado. Sua biografia traz aprendizados importantes para quem investe no mercado acionário.