Por Leonardo Adriano Ribeiro Dias – 05/08/2013 às 00h00
Nesses oito anos de vigência da Lei de Recuperação de Empresas (LRE), a jurisprudência de todo o país tem aclamado a preservação da empresa como princípio norteador no julgamento de demandas envolvendo companhias em recuperação judicial. Prorrogação de prazos improrrogáveis, blindagem de bens essenciais da empresa e mesmo a anulação de deliberações das assembleias de credores têm sido promovidas para facilitar a manutenção das atividades e a preservação de empregos, ainda que dispositivos legais expressos sejam contrariados.
Entretanto, dois outros princípios, inspiradores da LRE e inseparáveis do princípio da preservação da empresa, têm sido pouco lembrados: a recuperação das sociedades e empresários recuperáveis e a retirada do mercado de sociedades ou empresários não recuperáveis. Obviamente, nem todas as empresas em crise são recuperáveis. Portanto, os negócios inviáveis merecem uma rápida e eficiente liquidação, não uma artificial e custosa manutenção no mercado, ainda mais sob a mesma gestão anterior.
O grande desafio consiste em distinguir as empresas viáveis daquelas inviáveis. Por vezes, esse trabalho é dificultado pela obscuridade, tendenciosidade ou ausência de documentos e informações essenciais sobre a empresa e suas perspectivas de recuperação. Isso sem falar da metodologia de avaliação a ser empregada e da tensão existente entre devedor e credores, cada qual com pretensões distintas.
Permanecer em recuperação judicial por vários anos pode até mesmo se tornar um bom negócio para a empresa endividada
Da análise de algumas dezenas de processos de recuperação judicial, constata-se que os devedores invariavelmente justificam seus problemas a partir de causas genéricas, como juros bancários elevados, crise financeira internacional e elevada competição. Poucas são as indicações de causas concretas e nenhum devedor assume ter cometido erros de gestão ou tomado decisões estratégicas equivocadas.
Por outro lado, é comum verificar documentações contábeis incompletas, projeções de fluxo de caixa excessivamente otimistas, omissões quanto a créditos fiscais e demais créditos excluídos da recuperação judicial, além de falta de clareza nas listas de credores sujeitos ao processo.
Já os planos de recuperação apresentados gastam diversas páginas repetindo aquilo que já foi dito na petição inicial e raramente apresentam cálculos que justifiquem o sacrifício imposto aos credores. Tampouco comparam a solução oferecida com um eventual cenário de alienação dos estabelecimentos ou bens isolados a outros empresários. Logo, os elevados deságios propostos, aliados às décadas de pagamento e juros e correção desprezíveis, resultam em perdas significativas que, uma vez ponderadas pelo custo de capital, reduzem o valor dos créditos a quase zero em alguns casos. Tudo isso num ambiente de pouco ou nenhum diálogo entre devedor e partes interessadas, o que agrava os problemas de transparência do processo recuperacional.
Recentemente, pelo enunciado nº 46, aprovado na 1ª Jornada de Direito Comercial, entendeu-se que não compete ao juiz deixar de conceder a recuperação judicial com fundamento na análise econômico-financeira do plano aprovado pelos credores. Em outras palavras, o magistrado exerceria apenas um juízo de legalidade, não cabendo investigar a viabilidade da empresa à luz do plano aprovado. Todavia, a recíproca nem sempre é verdadeira: há casos em que, com amparo na preservação da empresa, a recuperação foi concedida mesmo ante a rejeição do plano.
Porém, nesses casos, e em todos aqueles nos quais se invoca o princípio da preservação da empresa para excepcionar a aplicação da lei, é fundamental que haja uma concreta investigação quanto à efetiva viabilidade da empresa.
Diversos são os meios que auxiliam nessa tarefa, mas a opinião do administrador judicial, a análise de seus relatórios mensais, a evolução dos negócios desde o início do processo, a qualidade dos documentos apresentados, as atitudes das partes interessadas, o tamanho da empresa e a gravidade da crise fornecem importantes subsídios para que o juiz possa aferir se a empresa em questão é recuperável e como a decisão a ser tomada poderia impedir, de fato, sua recuperação.
O que não se pode é utilizar o princípio da preservação da empresa como panaceia para proibir toda e qualquer investida contra a recuperanda, sem uma justificativa concreta de sua viabilidade, sob pena de se criar um poderoso instrumento que beneficia somente devedores oportunistas. Nesse sentido, permanecer em recuperação judicial por vários anos pode até mesmo se tornar um bom negócio para a empresa endividada.
Em suma, a aplicação do princípio da preservação da empresa deve sempre ocorrer com parcimônia e ser sopesada com os princípios da recuperação de empresa recuperáveis e da retirada do mercado de empresas não recuperáveis, para que não seja subvertido em mera idealização, sem correspondência com a realidade das empresas em crise.
Leonardo Adriano Ribeiro Dias é mestre e doutorando em direito pela USP, advogado, sócio do escritório Turci Advogados e associado do Instituto Brasileiro de Estudos de Recuperação de Empresas (IBR).
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.
Entretanto, dois outros princípios, inspiradores da LRE e inseparáveis do princípio da preservação da empresa, têm sido pouco lembrados: a recuperação das sociedades e empresários recuperáveis e a retirada do mercado de sociedades ou empresários não recuperáveis. Obviamente, nem todas as empresas em crise são recuperáveis. Portanto, os negócios inviáveis merecem uma rápida e eficiente liquidação, não uma artificial e custosa manutenção no mercado, ainda mais sob a mesma gestão anterior.
O grande desafio consiste em distinguir as empresas viáveis daquelas inviáveis. Por vezes, esse trabalho é dificultado pela obscuridade, tendenciosidade ou ausência de documentos e informações essenciais sobre a empresa e suas perspectivas de recuperação. Isso sem falar da metodologia de avaliação a ser empregada e da tensão existente entre devedor e credores, cada qual com pretensões distintas.
Permanecer em recuperação judicial por vários anos pode até mesmo se tornar um bom negócio para a empresa endividada
Da análise de algumas dezenas de processos de recuperação judicial, constata-se que os devedores invariavelmente justificam seus problemas a partir de causas genéricas, como juros bancários elevados, crise financeira internacional e elevada competição. Poucas são as indicações de causas concretas e nenhum devedor assume ter cometido erros de gestão ou tomado decisões estratégicas equivocadas.
Por outro lado, é comum verificar documentações contábeis incompletas, projeções de fluxo de caixa excessivamente otimistas, omissões quanto a créditos fiscais e demais créditos excluídos da recuperação judicial, além de falta de clareza nas listas de credores sujeitos ao processo.
Já os planos de recuperação apresentados gastam diversas páginas repetindo aquilo que já foi dito na petição inicial e raramente apresentam cálculos que justifiquem o sacrifício imposto aos credores. Tampouco comparam a solução oferecida com um eventual cenário de alienação dos estabelecimentos ou bens isolados a outros empresários. Logo, os elevados deságios propostos, aliados às décadas de pagamento e juros e correção desprezíveis, resultam em perdas significativas que, uma vez ponderadas pelo custo de capital, reduzem o valor dos créditos a quase zero em alguns casos. Tudo isso num ambiente de pouco ou nenhum diálogo entre devedor e partes interessadas, o que agrava os problemas de transparência do processo recuperacional.
Recentemente, pelo enunciado nº 46, aprovado na 1ª Jornada de Direito Comercial, entendeu-se que não compete ao juiz deixar de conceder a recuperação judicial com fundamento na análise econômico-financeira do plano aprovado pelos credores. Em outras palavras, o magistrado exerceria apenas um juízo de legalidade, não cabendo investigar a viabilidade da empresa à luz do plano aprovado. Todavia, a recíproca nem sempre é verdadeira: há casos em que, com amparo na preservação da empresa, a recuperação foi concedida mesmo ante a rejeição do plano.
Porém, nesses casos, e em todos aqueles nos quais se invoca o princípio da preservação da empresa para excepcionar a aplicação da lei, é fundamental que haja uma concreta investigação quanto à efetiva viabilidade da empresa.
Diversos são os meios que auxiliam nessa tarefa, mas a opinião do administrador judicial, a análise de seus relatórios mensais, a evolução dos negócios desde o início do processo, a qualidade dos documentos apresentados, as atitudes das partes interessadas, o tamanho da empresa e a gravidade da crise fornecem importantes subsídios para que o juiz possa aferir se a empresa em questão é recuperável e como a decisão a ser tomada poderia impedir, de fato, sua recuperação.
O que não se pode é utilizar o princípio da preservação da empresa como panaceia para proibir toda e qualquer investida contra a recuperanda, sem uma justificativa concreta de sua viabilidade, sob pena de se criar um poderoso instrumento que beneficia somente devedores oportunistas. Nesse sentido, permanecer em recuperação judicial por vários anos pode até mesmo se tornar um bom negócio para a empresa endividada.
Em suma, a aplicação do princípio da preservação da empresa deve sempre ocorrer com parcimônia e ser sopesada com os princípios da recuperação de empresa recuperáveis e da retirada do mercado de empresas não recuperáveis, para que não seja subvertido em mera idealização, sem correspondência com a realidade das empresas em crise.
Leonardo Adriano Ribeiro Dias é mestre e doutorando em direito pela USP, advogado, sócio do escritório Turci Advogados e associado do Instituto Brasileiro de Estudos de Recuperação de Empresas (IBR).
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.
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