Por Plínio Shiguematsu – 02/08/2013 às 00h00
Ser executivo de companhia aberta não é uma tarefa qualquer. É uma posição onde a pressão por resultados, a velocidade na decisão, a resiliência e a segurança pessoal são colocadas a toda prova. Quando essa atividade for exercida em um país do terceiro mundo, onde a violência torna-se uma preocupação adicional e o crime organizado possuiu maior interferência na vida privada dos cidadãos, estamos, então, diante de um problema.
No Brasil, a divulgação da remuneração do administrador de companhia aberta, trazida pela Instrução CVM nº 480, de 2009, aflorou a preocupação de boa parte dos executivos de companhias abertas. Segundo essa norma, elaborada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), as companhias listadas são obrigadas a divulgar a remuneração mínima, média e máxima paga a seus administradores.
Essa obrigação, dependendo do número de administradores no conselho ou na diretoria, expõe os ganhos ao público dos administradores, na média, e de alguns de forma individualizada. Sabe-se, por exemplo, que o principal executivo, leia-se presidente da companhia, terá sua remuneração individual aberta se seguir a lógica do número um no comando de uma empresa ser também o dono do maior pacote de remuneração.
A governança corporativa traz maior segurança ao investidor e estimula o desenvolvimento econômico
Ao abrir o pacote de remuneração dos administradores, aguça o apetite dos meliantes de plantão, cada vez mais sofisticados e organizados, colocando em risco a integridade física não só dos executivos, assim como de seus familiares. Fica fácil imaginar sequestros, extorsões e chantagens e outras condutas criminosas possíveis após a leitura da seção 13 do formulário de referência.
Com base também nesse argumento, somado ainda ao entendimento que a CVM ultrapassou seus poderes normativos ao pedir a abertura da remuneração, já que estes não podem contrariar a lei ou impor obrigação às companhias que se encontram já reguladas de outra forma em lei, o Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças entrou na Justiça questionando a legalidade da exigência de divulgação dos ganhos de seus associados. Em junho de 2013, o juiz de primeira instância responsável pela ação emitiu sua decisão entendendo que, de fato, a CVM avançou os limites impostos pela legislação e expôs os executivos das companhias abertas, colocando-os inclusive em situação de risco de forma desnecessária.
Não foram suficientes os argumentos da CVM que buscaram construir a legalidade de sua atuação, tampouco foram suficientes os estudos de governança corporativa que demonstraram a tendência mundial de maior abertura dessas informações para o mercado.
A CVM falhou em sensibilizar o juiz de que essas informações são importantes, se não cruciais, para que o acionista possa avaliar como, para quem e de que forma está pagando os eleitos para gerenciar seus investimentos. De nada valeram os argumentos da importância em se saber a composição da remuneração de médio e longo prazo, fundamentais na identificação do equilíbrio dos interesses dos acionistas e administradores.
No caso de mercados de valores mobiliários mais sofisticados, a abertura dessas informações é primordial para essas análises. Nos Estados Unidos, buscando informações sobre uma empresa de tecnologia, encontrei o curioso caso de um CEO que ganhava US$ 1 por ano. Buscando em outros relatórios, vi que desde 1997 ele recebia esse salário anual, até a sua renúncia em 2011.
Graças à abertura das informações no equivalente ao nosso formulário de referência dessa companhia, foi possível apurar também que ele recebeu um lote de 5.500.000 ações da companhia em 1997, quando as ações foram cotadas em US$ 50 e hoje valem por volta de US$ 413,50. A estratégia de remuneração privilegiando o longo prazo estava evidente nesse caso.
O criminoso comum talvez não o identificasse como um bom alvo de sequestro. Afinal, após 24 anos recebendo apenas US$ 1 por ano, sua fortuna estimada em US$ 24 não representaria ganhos muito elevados. Mas será que ninguém sabia o quanto ele valia? Claro que todos sabiam.
Vale uma reflexão sobre se realmente esse seria um argumento suficiente para manter a não divulgação dos administradores. Tenho minhas dúvidas de sua força como um argumento válido, inclusive porque me parece que antes mesmo de saber sua remuneração, alguns outros sinais externos (e mais evidentes) de riqueza, como estilo de vida, bens pessoais e exposição à mídia melhor o qualificam como potencial alvo de sequestro por alguns criminosos.
Difícil também não se sensibilizar com o argumento do acionista que aporta seu dinheiro em uma companhia e entrega sua gestão para terceiros buscando a maximização do retorno de seus investimentos. A falta de calibração na remuneração ou ganhos dos executivos pode no longo prazo resultar na destruição de valor para a companhia e, consequentemente, para o acionista. Sem saber como está sendo calibrado internamente, não há como se fazer ajustes.
Surge então a importância da boa governança corporativa no mercado de capitais. Ela traz maior segurança aos investidores e estimula o desenvolvimento econômico por meio de um maior fluxo de capitais. Ou seja, maior transparência, maiores direitos, maior fiscalização e maior segurança aos investidores.
A despeito de tudo isso, temos que reconhecer e mencionar o bom exemplo de governança corporativa de algumas empresas, que com coragem e inteligência aceitaram o desafio de abrir a remuneração de seus administradores conforme requerido pela CVM. Nitidamente, muitas dessas empresas já se encontram em outro patamar de governança corporativa, mas reforçam a ideia de que não há nada a esconder ou a temer dos acionistas e que esse alinhamento de interesses é mais do que salutar não só para a companhia, mas para o mercado de capitais como um todo.
Plínio Shiguematsu é professor de governança corporativa do Insper Instituto de Ensino e Pesquisa, membro do Instituto de Direito Societário Aplicado (IDSA) e advogado em São Paulo.
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.
No Brasil, a divulgação da remuneração do administrador de companhia aberta, trazida pela Instrução CVM nº 480, de 2009, aflorou a preocupação de boa parte dos executivos de companhias abertas. Segundo essa norma, elaborada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), as companhias listadas são obrigadas a divulgar a remuneração mínima, média e máxima paga a seus administradores.
Essa obrigação, dependendo do número de administradores no conselho ou na diretoria, expõe os ganhos ao público dos administradores, na média, e de alguns de forma individualizada. Sabe-se, por exemplo, que o principal executivo, leia-se presidente da companhia, terá sua remuneração individual aberta se seguir a lógica do número um no comando de uma empresa ser também o dono do maior pacote de remuneração.
A governança corporativa traz maior segurança ao investidor e estimula o desenvolvimento econômico
Ao abrir o pacote de remuneração dos administradores, aguça o apetite dos meliantes de plantão, cada vez mais sofisticados e organizados, colocando em risco a integridade física não só dos executivos, assim como de seus familiares. Fica fácil imaginar sequestros, extorsões e chantagens e outras condutas criminosas possíveis após a leitura da seção 13 do formulário de referência.
Com base também nesse argumento, somado ainda ao entendimento que a CVM ultrapassou seus poderes normativos ao pedir a abertura da remuneração, já que estes não podem contrariar a lei ou impor obrigação às companhias que se encontram já reguladas de outra forma em lei, o Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças entrou na Justiça questionando a legalidade da exigência de divulgação dos ganhos de seus associados. Em junho de 2013, o juiz de primeira instância responsável pela ação emitiu sua decisão entendendo que, de fato, a CVM avançou os limites impostos pela legislação e expôs os executivos das companhias abertas, colocando-os inclusive em situação de risco de forma desnecessária.
Não foram suficientes os argumentos da CVM que buscaram construir a legalidade de sua atuação, tampouco foram suficientes os estudos de governança corporativa que demonstraram a tendência mundial de maior abertura dessas informações para o mercado.
A CVM falhou em sensibilizar o juiz de que essas informações são importantes, se não cruciais, para que o acionista possa avaliar como, para quem e de que forma está pagando os eleitos para gerenciar seus investimentos. De nada valeram os argumentos da importância em se saber a composição da remuneração de médio e longo prazo, fundamentais na identificação do equilíbrio dos interesses dos acionistas e administradores.
No caso de mercados de valores mobiliários mais sofisticados, a abertura dessas informações é primordial para essas análises. Nos Estados Unidos, buscando informações sobre uma empresa de tecnologia, encontrei o curioso caso de um CEO que ganhava US$ 1 por ano. Buscando em outros relatórios, vi que desde 1997 ele recebia esse salário anual, até a sua renúncia em 2011.
Graças à abertura das informações no equivalente ao nosso formulário de referência dessa companhia, foi possível apurar também que ele recebeu um lote de 5.500.000 ações da companhia em 1997, quando as ações foram cotadas em US$ 50 e hoje valem por volta de US$ 413,50. A estratégia de remuneração privilegiando o longo prazo estava evidente nesse caso.
O criminoso comum talvez não o identificasse como um bom alvo de sequestro. Afinal, após 24 anos recebendo apenas US$ 1 por ano, sua fortuna estimada em US$ 24 não representaria ganhos muito elevados. Mas será que ninguém sabia o quanto ele valia? Claro que todos sabiam.
Vale uma reflexão sobre se realmente esse seria um argumento suficiente para manter a não divulgação dos administradores. Tenho minhas dúvidas de sua força como um argumento válido, inclusive porque me parece que antes mesmo de saber sua remuneração, alguns outros sinais externos (e mais evidentes) de riqueza, como estilo de vida, bens pessoais e exposição à mídia melhor o qualificam como potencial alvo de sequestro por alguns criminosos.
Difícil também não se sensibilizar com o argumento do acionista que aporta seu dinheiro em uma companhia e entrega sua gestão para terceiros buscando a maximização do retorno de seus investimentos. A falta de calibração na remuneração ou ganhos dos executivos pode no longo prazo resultar na destruição de valor para a companhia e, consequentemente, para o acionista. Sem saber como está sendo calibrado internamente, não há como se fazer ajustes.
Surge então a importância da boa governança corporativa no mercado de capitais. Ela traz maior segurança aos investidores e estimula o desenvolvimento econômico por meio de um maior fluxo de capitais. Ou seja, maior transparência, maiores direitos, maior fiscalização e maior segurança aos investidores.
A despeito de tudo isso, temos que reconhecer e mencionar o bom exemplo de governança corporativa de algumas empresas, que com coragem e inteligência aceitaram o desafio de abrir a remuneração de seus administradores conforme requerido pela CVM. Nitidamente, muitas dessas empresas já se encontram em outro patamar de governança corporativa, mas reforçam a ideia de que não há nada a esconder ou a temer dos acionistas e que esse alinhamento de interesses é mais do que salutar não só para a companhia, mas para o mercado de capitais como um todo.
Plínio Shiguematsu é professor de governança corporativa do Insper Instituto de Ensino e Pesquisa, membro do Instituto de Direito Societário Aplicado (IDSA) e advogado em São Paulo.
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.
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