Por Assis Moreira – 31/07/2013 às 00h00
A Alemanha e a França, as duas maiores economias da Europa, querem ampliar a regulação do setor financeiro.
Cinco anos depois da deflagração da pior crise econômica desde os anos 30, novas regras para bancos e outras instituições foram anunciadas ou prometidas, a implementação começou, mas há muito trabalho ainda a ser definido, na visão de Berlim e Paris.
Por isso, os dois parceiros europeus estão insistindo para que os chefes de Estado e de governo das maiores economias desenvolvidas e emergentes tenham uma sessão específica sobre o tema durante a cúpula do G-20, em setembro, em São Petersburgo (Rússia).
Paris e Berlim querem sessão sobre o tema na cúpula do G-20
Pierre Moscovici e Wolfgang Schaueble, ministros de Finanças da França e da Alemanha, têm argumentado no G-20 que a questão de reduzir riscos e assegurar a estabilidade futura do setor continua a ser central para a economia mundial. E não veem sentido em discutir a regulação financeira no meio de outros temas da carregada agenda na cúpula dos líderes.
“Uma vontade política dos chefes de Estado e de governo é indispensável. Sobretudo, não se deve considerar que a vigilância pode se relaxar, ou que todo o necessário e previsto foi feito”, disse Moscovici, num ‘briefing’ recente com alguns jornalistas. “Há prioridades políticas a definir para melhorar a regulação financeira e dar respostas à crise, cujas consequências continuamos sofrendo.”
Os franceses admitem, porém que, apesar de pressionarem “pesadamente”, não sentem que uma sessão específica sobre regulação financeira seja “prioridade espontânea” da Rússia, na presidência rotativa do G-20. Mas Paris e Berlim sabem precisamente o que precisará ser feito – e rápido, se possível.
Uma prioridade é definir de vez como estender as regras impostas aos bancos para o “sistema financeiro paralelo” (shadow banks), que inclui fundos de hedge, corretoras, fundos de investimentos, fundos de private equity, veículos especiais de investimentos, fundos de pensão, além de instituições focadas em crédito hipotecário. Nos Estados Unidos, esse segmento encolheu do pico de US$ 20,8 trilhões em 2007 para US$ 14,7 trilhões atualmente, uma queda de quase 30%, mas ainda é gigantesco.
Também querem resolver o conflito de como será a supervisão global e a transparência no mercado de derivativos de US$ 650 trilhões, cuja opacidade teve papel importante na forma como a crise se desenvolveu em 2007-2008. Os europeus têm uma regulação baseada na equivalência com as regras em vigor em outros países, o que não é o caso da lei dos Estados Unidos. Há uma tentativa de acordo entre os dois gigantes, mas alguns europeus ainda resistem, achando que vão ser mais afetados.
Em algum momento, o G-20 deverá também estender a regulação ao mercado de matérias-primas. Reguladores examinam se os grandes intermediários de commodities representam um risco sistêmico e se devem ser enquadrados na categoria de “bancos paralelos” (shadow banks).
Além disso, Paris e Berlim querem completar a regulação sobre outros índices financeiros para impedir manipulação. Entre as prioridades está a Libor, que serve de referencia para cerca de US$ 800 trilhões em transações globais.
Continua no radar a imposição de transparência nas “price reporting agencies”, que têm papel importante na determinação do preço do gás e do petróleo. Agencias como Platts, unidade da McGraw-Hill, e Argus Media, fornecem a clientes preços que são usados como referencia para acordos envolvendo produtos físicos e derivativos num mercado de US$ 1,9 trilhão. As agencias expandiram suas atividades para outras commodities, como metais e minérios.
As seguradoras grandes demais para quebrar vão também necessitar de capital próprio adicional para se protegerem a partir de 2015, sobretudo nas atividades “não tradicionais”.
Em todo caso, cresce o sentimento de que, na prática, pouca coisa mudou no comportamento dos bancos, no rastro de reformas e nova regulação. Como notou Simon Johnson, ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), em recente artigo, o pior é que, mesmo com as regulações já impostas, os bancos se tornaram ainda maiores e não há sinais de que eles tenham abandonado os métodos de incentivos que encorajaram a tomada excessiva de riscos.
Ele aponta três explicações para o que deu errado até agora: primeiro, reforma financeira é sempre complicado; segundo, persiste conflito entre reguladores de diferentes jurisdições, dentro e entre os países; e terceiro, também há gente encarregada de reforma financeira que realmente não quer fazer progressos rápidos, diante do crescimento econômico medíocre e de argumentos dos bancos de que a reforma os tornará menos lucrativos e os deixará menos capazes para emprestar à economia real, entre outras consequências ruins.
O FMI vem insistindo sobre a necessidade de os países respeitarem o compromisso para reforçar a regulação e melhorar a estabilidade do sistema financeiro, reduzindo ao mesmo tempo o risco de fragmentação das regras internacionais. Para o Banco Internacional de Compensações (BIS), espécie de banco dos bancos centrais, a estabilidade futura do sistema financeiro dependerá também de como a revisão da regulação será aplicada de maneira concordante entre os países.
Por sua vez, o Comitê de Basileia, principal órgão global de supervisão bancária, foi obrigado recentemente a abrir a “possibilidade” de simplificar novas regras sobre capital próprio dos bancos, impostas pelo Acordo de Basileia 3.
O comitê se diz “perfeitamente consciente do presente debate sobre a complexidade do atual quadro regulamentar”. E considera que um “equilíbrio razoável” entre simplicidade e sensibilidade aos riscos é essencial para o sucesso das regras.
Assis Moreira é correspondente em Genebra.
Cinco anos depois da deflagração da pior crise econômica desde os anos 30, novas regras para bancos e outras instituições foram anunciadas ou prometidas, a implementação começou, mas há muito trabalho ainda a ser definido, na visão de Berlim e Paris.
Por isso, os dois parceiros europeus estão insistindo para que os chefes de Estado e de governo das maiores economias desenvolvidas e emergentes tenham uma sessão específica sobre o tema durante a cúpula do G-20, em setembro, em São Petersburgo (Rússia).
Paris e Berlim querem sessão sobre o tema na cúpula do G-20
Pierre Moscovici e Wolfgang Schaueble, ministros de Finanças da França e da Alemanha, têm argumentado no G-20 que a questão de reduzir riscos e assegurar a estabilidade futura do setor continua a ser central para a economia mundial. E não veem sentido em discutir a regulação financeira no meio de outros temas da carregada agenda na cúpula dos líderes.
“Uma vontade política dos chefes de Estado e de governo é indispensável. Sobretudo, não se deve considerar que a vigilância pode se relaxar, ou que todo o necessário e previsto foi feito”, disse Moscovici, num ‘briefing’ recente com alguns jornalistas. “Há prioridades políticas a definir para melhorar a regulação financeira e dar respostas à crise, cujas consequências continuamos sofrendo.”
Os franceses admitem, porém que, apesar de pressionarem “pesadamente”, não sentem que uma sessão específica sobre regulação financeira seja “prioridade espontânea” da Rússia, na presidência rotativa do G-20. Mas Paris e Berlim sabem precisamente o que precisará ser feito – e rápido, se possível.
Uma prioridade é definir de vez como estender as regras impostas aos bancos para o “sistema financeiro paralelo” (shadow banks), que inclui fundos de hedge, corretoras, fundos de investimentos, fundos de private equity, veículos especiais de investimentos, fundos de pensão, além de instituições focadas em crédito hipotecário. Nos Estados Unidos, esse segmento encolheu do pico de US$ 20,8 trilhões em 2007 para US$ 14,7 trilhões atualmente, uma queda de quase 30%, mas ainda é gigantesco.
Também querem resolver o conflito de como será a supervisão global e a transparência no mercado de derivativos de US$ 650 trilhões, cuja opacidade teve papel importante na forma como a crise se desenvolveu em 2007-2008. Os europeus têm uma regulação baseada na equivalência com as regras em vigor em outros países, o que não é o caso da lei dos Estados Unidos. Há uma tentativa de acordo entre os dois gigantes, mas alguns europeus ainda resistem, achando que vão ser mais afetados.
Em algum momento, o G-20 deverá também estender a regulação ao mercado de matérias-primas. Reguladores examinam se os grandes intermediários de commodities representam um risco sistêmico e se devem ser enquadrados na categoria de “bancos paralelos” (shadow banks).
Além disso, Paris e Berlim querem completar a regulação sobre outros índices financeiros para impedir manipulação. Entre as prioridades está a Libor, que serve de referencia para cerca de US$ 800 trilhões em transações globais.
Continua no radar a imposição de transparência nas “price reporting agencies”, que têm papel importante na determinação do preço do gás e do petróleo. Agencias como Platts, unidade da McGraw-Hill, e Argus Media, fornecem a clientes preços que são usados como referencia para acordos envolvendo produtos físicos e derivativos num mercado de US$ 1,9 trilhão. As agencias expandiram suas atividades para outras commodities, como metais e minérios.
As seguradoras grandes demais para quebrar vão também necessitar de capital próprio adicional para se protegerem a partir de 2015, sobretudo nas atividades “não tradicionais”.
Em todo caso, cresce o sentimento de que, na prática, pouca coisa mudou no comportamento dos bancos, no rastro de reformas e nova regulação. Como notou Simon Johnson, ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), em recente artigo, o pior é que, mesmo com as regulações já impostas, os bancos se tornaram ainda maiores e não há sinais de que eles tenham abandonado os métodos de incentivos que encorajaram a tomada excessiva de riscos.
Ele aponta três explicações para o que deu errado até agora: primeiro, reforma financeira é sempre complicado; segundo, persiste conflito entre reguladores de diferentes jurisdições, dentro e entre os países; e terceiro, também há gente encarregada de reforma financeira que realmente não quer fazer progressos rápidos, diante do crescimento econômico medíocre e de argumentos dos bancos de que a reforma os tornará menos lucrativos e os deixará menos capazes para emprestar à economia real, entre outras consequências ruins.
O FMI vem insistindo sobre a necessidade de os países respeitarem o compromisso para reforçar a regulação e melhorar a estabilidade do sistema financeiro, reduzindo ao mesmo tempo o risco de fragmentação das regras internacionais. Para o Banco Internacional de Compensações (BIS), espécie de banco dos bancos centrais, a estabilidade futura do sistema financeiro dependerá também de como a revisão da regulação será aplicada de maneira concordante entre os países.
Por sua vez, o Comitê de Basileia, principal órgão global de supervisão bancária, foi obrigado recentemente a abrir a “possibilidade” de simplificar novas regras sobre capital próprio dos bancos, impostas pelo Acordo de Basileia 3.
O comitê se diz “perfeitamente consciente do presente debate sobre a complexidade do atual quadro regulamentar”. E considera que um “equilíbrio razoável” entre simplicidade e sensibilidade aos riscos é essencial para o sucesso das regras.
Assis Moreira é correspondente em Genebra.
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