Por César Felício – 04/07/2013 às 00h00
Tão intrigante quanto a explosão de conflito social que marca o Brasil há um mês é o contraste com o que se viu nas ruas em tempo inferior à gestação de uma criança. Quem olha o resultado das eleições municipais de 2012 e as intenções de voto que outorgavam poucas semanas atrás à presidente a maioria absoluta no próximo ano tem um pouco de dificuldade em entender como Dilma Rousseff se tornou tão rapidamente chefe de um dos governos mais impopulares do continente, com menos aceitação que o chileno Sebastian Piñera ou a argentina Cristina Kirchner.
A questão é como compreender o voto, ou a intenção de sufragar o PT nas urnas, por parte de um eleitor que avaliava como péssimo o serviço prestado pelo partido em áreas como saúde, transporte e educação, estava convicto que a corrupção grassa no Brasil e era menos otimista em relação às perspectivas econômicas suas e do país. Forçando para a caricatura, todo mundo achava tudo muito ruim e aprovava com folga a administração petista.
Diante da força do que se chama “opinião pública”, já há muitas décadas o voto é questionado como uma expressão das verdadeiras convicções de quem o exerce. Quem se sente em minoria procura ir se ajustando à direção do vento que sopra. Com seu silêncio, que cresce como um câncer, como dizia uma velha canção popular americana, guarda suas crenças para si e busca pertencer ao todo. Em letra de forma, a tese foi exposta pela pesquisadora alemã Elisabeth Noelle-Neumann (1916-2010), em seu trabalho “A Espiral do Silêncio”, nos anos 70. Diante da dificuldade de se dizer “não”, é mais fácil consentir calando-se.
Solução do conflito social pode não estar nas urnas
A pesquisadora estudou o descompasso entre os resultados eleitorais na Alemanha daquele tempo com as pesquisas que mostravam um absoluto equilíbrio entre os eleitores da direita, partidários da União Democrática Cristã, e os de centro-esquerda, do Partido Social Democrata. Em 1965, para surpresa geral, houve uma vitória clara da Democracia Cristã. Sete anos depois, quem triunfou foram os sociais-democratas. A conclusão de Noelle-Neumann é que boa parte dos eleitores partidários de uma corrente votou contra suas convicções, porque não se sentia à vontade para externá-las. A pesquisadora não se preocupou em explicar muito porque a opinião pública mudou tão rapidamente, mas sim em demonstrar como o “mainstream” representava um controle social.
Aplicando ao caso brasileiro, uma capa importante do eleitorado teria votado a favor de Dilma em 2010, ou de Haddad em 2012, para não se isolar do que entendia ser um sentimento majoritário. Volta a abraçar suas crenças, ou demonstrar a falta delas, no instante em que sente liberada do controle social anterior. A preferência por Dilma se aproxima do real tamanho do eleitor petista no universo brasileiro.
Lidando há anos com pesquisas comparadas de opinião em diversos países da América Latina, a chilena Marta Lagos constatou a aplicação da tese recentemente em seu próprio país.
No Chile uma eleição primária para a escolha dos candidatos presidenciais no último domingo mostrou que a sociedade está mais polarizada do que projetavam as pesquisas de intenção de voto. Depois de uma pré-campanha em que resgatou as bandeiras tradicionais da esquerda, a ex-presidente Michelle Bachelet conquistou 52% dos votos válidos, se sagrando a candidata pela coligação “Concertação”, que reúne socialistas, comunistas e democratas-cristãos, com uma vantagem superior à imaginada anteriormente. No bloco governista, o segundo mais votado foi o ex-ministro da Fazenda Pablo Longueira, o mais identificado entre todos com o ditador Augusto Pinochet, desaparecido fisicamente em 2006, mas ainda vivo na alma de muitos chilenos, com 13% entre os votos totais ou a maioria absoluta entre os 25% de eleitores que optaram pela direita.
“A direita no Chile jamais superou o pinochetismo, mas este sentimento estava represado por um consenso na opinião pública de que o caminho a ser buscado era o centro do espectro político. Piñera ganhou as eleições de 2009 negando a herança da ditadura, mas seu governo intensificou as divisões sociais. A consequência foi o Chile ter voltado a uma temática entre o branco e o negro”, afirmou a pesquisadora. A prova de que 40 anos não foram nada se dava no instante em que Marta Lagos conversava com o Valor. Enquanto a cientista política dava a entrevista por telefone, havia manifestações contra e a favor da iniciativa da Comuna de Providencia, um dos bairros de Santiago, de mudar o nome da rua 11 de setembro, data do golpe militar de 1973, por Nueva Providencia.
As manifestações de rua no Brasil juntaram vozes de todos os matizes, segundo aponta o sociólogo radicado em Minas Gerais Rudá Ricci, mas, sobretudo em São Paulo, soou mais forte um coro avesso ao universo tradicional de crenças da esquerda institucionalizada. Foi a onda antipartido e antissindicatos. “O descrédito dos instrumentos da democracia representativa é sustentado por mais de uma onda conservadora e individualista, que já se desenhava desde o início do governo Lula mas que não se refletiu nas eleições desde então e não está certo que irá se refletir no próximo ano”, comentou. Dilma perde 27 pontos na intenção de voto da última pesquisa, mas as alternativas no mundo partidário cresceram 11 pontos. Como alerta Ricci, há um vão que pode alimentar uma grande abstenção eleitoral, ou um manancial de votos brancos e nulos. De certo modo, uma boa notícia para o PT e o PMDB, cada um a seu modo organizado e mobilizado em todo o país. Em países como a França imediatamente após maio de 1968 e a Espanha de 2011, o “establishment” político não teve problemas em demonstrar sua força nas urnas, uma vez que a insatisfação com a democracia representativa canaliza para o nada. O problema é o que acontece logo depois. Sem o voto como instrumento de solução de controvérsias, o tempo da estabilidade social fica definitivamente para trás.
César Felício é correspondente em Buenos Aires. Escreve mensalmente às quintas-feiras.
A questão é como compreender o voto, ou a intenção de sufragar o PT nas urnas, por parte de um eleitor que avaliava como péssimo o serviço prestado pelo partido em áreas como saúde, transporte e educação, estava convicto que a corrupção grassa no Brasil e era menos otimista em relação às perspectivas econômicas suas e do país. Forçando para a caricatura, todo mundo achava tudo muito ruim e aprovava com folga a administração petista.
Diante da força do que se chama “opinião pública”, já há muitas décadas o voto é questionado como uma expressão das verdadeiras convicções de quem o exerce. Quem se sente em minoria procura ir se ajustando à direção do vento que sopra. Com seu silêncio, que cresce como um câncer, como dizia uma velha canção popular americana, guarda suas crenças para si e busca pertencer ao todo. Em letra de forma, a tese foi exposta pela pesquisadora alemã Elisabeth Noelle-Neumann (1916-2010), em seu trabalho “A Espiral do Silêncio”, nos anos 70. Diante da dificuldade de se dizer “não”, é mais fácil consentir calando-se.
Solução do conflito social pode não estar nas urnas
A pesquisadora estudou o descompasso entre os resultados eleitorais na Alemanha daquele tempo com as pesquisas que mostravam um absoluto equilíbrio entre os eleitores da direita, partidários da União Democrática Cristã, e os de centro-esquerda, do Partido Social Democrata. Em 1965, para surpresa geral, houve uma vitória clara da Democracia Cristã. Sete anos depois, quem triunfou foram os sociais-democratas. A conclusão de Noelle-Neumann é que boa parte dos eleitores partidários de uma corrente votou contra suas convicções, porque não se sentia à vontade para externá-las. A pesquisadora não se preocupou em explicar muito porque a opinião pública mudou tão rapidamente, mas sim em demonstrar como o “mainstream” representava um controle social.
Aplicando ao caso brasileiro, uma capa importante do eleitorado teria votado a favor de Dilma em 2010, ou de Haddad em 2012, para não se isolar do que entendia ser um sentimento majoritário. Volta a abraçar suas crenças, ou demonstrar a falta delas, no instante em que sente liberada do controle social anterior. A preferência por Dilma se aproxima do real tamanho do eleitor petista no universo brasileiro.
Lidando há anos com pesquisas comparadas de opinião em diversos países da América Latina, a chilena Marta Lagos constatou a aplicação da tese recentemente em seu próprio país.
No Chile uma eleição primária para a escolha dos candidatos presidenciais no último domingo mostrou que a sociedade está mais polarizada do que projetavam as pesquisas de intenção de voto. Depois de uma pré-campanha em que resgatou as bandeiras tradicionais da esquerda, a ex-presidente Michelle Bachelet conquistou 52% dos votos válidos, se sagrando a candidata pela coligação “Concertação”, que reúne socialistas, comunistas e democratas-cristãos, com uma vantagem superior à imaginada anteriormente. No bloco governista, o segundo mais votado foi o ex-ministro da Fazenda Pablo Longueira, o mais identificado entre todos com o ditador Augusto Pinochet, desaparecido fisicamente em 2006, mas ainda vivo na alma de muitos chilenos, com 13% entre os votos totais ou a maioria absoluta entre os 25% de eleitores que optaram pela direita.
“A direita no Chile jamais superou o pinochetismo, mas este sentimento estava represado por um consenso na opinião pública de que o caminho a ser buscado era o centro do espectro político. Piñera ganhou as eleições de 2009 negando a herança da ditadura, mas seu governo intensificou as divisões sociais. A consequência foi o Chile ter voltado a uma temática entre o branco e o negro”, afirmou a pesquisadora. A prova de que 40 anos não foram nada se dava no instante em que Marta Lagos conversava com o Valor. Enquanto a cientista política dava a entrevista por telefone, havia manifestações contra e a favor da iniciativa da Comuna de Providencia, um dos bairros de Santiago, de mudar o nome da rua 11 de setembro, data do golpe militar de 1973, por Nueva Providencia.
As manifestações de rua no Brasil juntaram vozes de todos os matizes, segundo aponta o sociólogo radicado em Minas Gerais Rudá Ricci, mas, sobretudo em São Paulo, soou mais forte um coro avesso ao universo tradicional de crenças da esquerda institucionalizada. Foi a onda antipartido e antissindicatos. “O descrédito dos instrumentos da democracia representativa é sustentado por mais de uma onda conservadora e individualista, que já se desenhava desde o início do governo Lula mas que não se refletiu nas eleições desde então e não está certo que irá se refletir no próximo ano”, comentou. Dilma perde 27 pontos na intenção de voto da última pesquisa, mas as alternativas no mundo partidário cresceram 11 pontos. Como alerta Ricci, há um vão que pode alimentar uma grande abstenção eleitoral, ou um manancial de votos brancos e nulos. De certo modo, uma boa notícia para o PT e o PMDB, cada um a seu modo organizado e mobilizado em todo o país. Em países como a França imediatamente após maio de 1968 e a Espanha de 2011, o “establishment” político não teve problemas em demonstrar sua força nas urnas, uma vez que a insatisfação com a democracia representativa canaliza para o nada. O problema é o que acontece logo depois. Sem o voto como instrumento de solução de controvérsias, o tempo da estabilidade social fica definitivamente para trás.
César Felício é correspondente em Buenos Aires. Escreve mensalmente às quintas-feiras.
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