Por Fabiana Lopes, Carolina Mandl e André Guilherme Vieira | De São Paulo – Valor – 19/09/2014 às 05h00.
Já em recuperação judicial, a empresa de alimentos Arantes recebeu do BicBanco um empréstimo de R$ 15 milhões sem que a instituição financeira fizesse a adequada provisão para o risco de crédito de uma companhia com passivo a descoberto de R$ 593 milhões. Em seguida, antes mesmo que a dívida vencesse, o BicBanco concedeu outros três empréstimos à Arantes, todos repactuados inúmeras vezes frente à falta de pagamento.
Também com passivo a descoberto e inúmeros protestos por calotes, a companhia agroindustrial Sperafico conseguiu um empréstimo de R$ 16,7 milhões no BicBanco depois de ter sua classificação de risco de crédito alterada de forma manual. Isso permitiu ao banco ter menos despesas com provisão para devedores duvidosos, o que incrementou seu resultado.
Uma série de falhas na análise de risco como essas constam de denúncia por gestão temerária apresentada pelo Ministério Público Federal à Justiça contra controladores, administradores e conselheiros do BicBanco, instituição financeira que até outubro pertencia à família cearense Bezerra de Menezes. Entre os incluídos na denúncia estão os acionistas José Bezerra de Menezes e José Adauto Bezerra, o vice-presidente Milto Bardini, o diretor Carlos José Roque e o conselheiro Daniel Joseph Macquoid.
O documento, ao qual o Valor teve acesso, mostra que problemas na avaliação da capacidade de pagamento de tomadores de empréstimos já vinham sendo detectados pela própria auditoria interna do BicBanco pelo menos desde 2009, antes mesmo que uma extensa fiscalização conduzida pelo Banco Central (BC). Em setembro de 2013, o Valor noticiou que o BC havia encontrado irregularidades na análise de crédito do BicBanco e multado os gestores.
Apesar dos alertas dos auditores internos, a denúncia do procurador Andrey Borges de Mendonça afirma, com base no relatório do BC, que os gestores do BicBanco não fizeram mudanças na análise de crédito.
Pelos cálculos da autoridade do sistema financeiro, o BicBanco deixou de constituir provisão para risco de crédito no montante de R$ 611, 461 milhões, considerada a data de abril de 2011. O valor equivale a 22,2% do patrimônio de referência e a 254% do lucro líquido obtido em 2010. O BC analisou 129 clientes e 84 mostraram necessidade de provisão adicional.
Advogado dos executivos, Antonio Claudio Mariz de Oliveira diz que apresentou a defesa dos citados e alega que eles não cometeram crime nenhum. “Os crimes previstos no sistema financeiro têm por objetivo resguardar o sistema financeiro de qualquer risco e estamos dizendo que não houve nenhum risco na conduta desses diretores do banco. Os empréstimos foram feitos com cautela, mediante garantias.” Mariz também contesta o valor das provisões, dizendo que elas foram reduzidas a R$ 400 milhões. O recurso do processo ainda não foi julgado.
Questionado ontem sobre o caso durante apresentação do Relatório de Estabilidade Financeira, o diretor de fiscalização do BC, Anthero Meirelles, disse que não comenta casos específicos.
Segundo a denúncia do MP, os executivos teriam sido responsáveis pela gestão da carteira de crédito do BicBanco em desacordo com os dispositivos que regem a atividade bancária, “notadamente em afronta aos princípios da seletividade, liquidez e garantia”.
Pela avaliação do BC, havia insuficiência de dados cadastrais e dos clientes. Além disso, faltava uma análise adequada da capacidade financeira das empresas para honrar compromissos; falta de reversão periódica do nível de risco das operações; realização de aditamentos para liquidação de operação vencida, com incorporação de encargos da operação anterior; concessão de novos empréstimos para liquidação de operações, com incorporação de juros ou encargos e garantias sem a devida análise da capacidade de pagamentos dos avalistas.
Os membros do conselho de administração do banco, Daniel Joseph Macquoid, Francisco Humberto Bezerra e José Adauto foram denunciados por se omitirem ao deixar de fiscalizar os atos da diretoria. A mesma denúncia de omissão foi apresentada contra os membros do comitê de auditoria Carlos Eduardo Sampaio Lofrano, Heraldo Gilberto de Oliveira e Walter Mallas Machado.
A decisão também aponta que José Bezerra, Carlos José e Milto Bardini teriam sido responsáveis pelas informações falsas inseridas nas demonstrações contábeis de 30 de junho de 2011. “Ao assim agirem, induziram em erro o Banco Central, os investidores e demais usuários do sistema financeiro nacional.”
Em novembro do ano passado, o BicBanco anunciou a venda do seu controle (72%) ao China Construction Bank (CCB), por R$ 1,62 bilhão. (Colaborou Eduardo Campos, de Brasília)