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Por Edison Fernandes (*)
Parte I – 02/05/2023.
A repercussão dos incentivos de ICMS na escrituração contábil terá ainda mais relevância depois do julgamento da Corte.
Preliminarmente, é preciso ressaltar que a questão contábil das “subvenções de ICMS”, isto é, a forma de escrituração e evidenciação dos benefícios fiscais de ICMS nas demonstrações contábeis, já havia sido relevante para a argumentação tanto a favor quanto contra a não tributação por IRPJ/CSLL.
Apesar de algumas afirmações tentando isolar as matérias – tributária de um lado e contábil de outro –, o fato é que parecer contábil foi encomendado para dar suporte ao entendimento da questão.
Acontece que a repercussão dos benefícios de ICMS no patrimônio das empresas – atualmente, tendo como melhor representação a escrituração contábil –, permanece determinante para o entendimento e para o cumprimento das teses firmadas no julgamento do Tema 1182.
Essa é a primeira tese:
Impossível excluir os benefícios fiscais relacionados ao ICMS – tais como redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, diferimento, entre outros – da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, salvo quando atendidos os requisitos previstos em lei (artigo 10 da Lei Complementar 160/2017 e artigo 30 da Lei 12.973/2014), não se lhes aplicando o entendimento firmado no EREsp 1.517.492, que excluiu o crédito presumido de ICMS das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL.
As doutrinas sobre finanças públicas e sobre tributação suportam o entendimento de que a subvenção governamental (subvenção econômica) possa ser concedida por redução de base de cálculo de tributo, redução de alíquota ou mesmo isenção de tributo.
No caso do ICMS, particularmente, muitas vezes, essas modalidades de incentivos fiscais têm efeitos diferentes da concessão do crédito presumido mencionado no fim da primeira tese firmada pelo STJ, e essa diferença é verificada nas demonstrações contábeis.
Normalmente, a escrituração do crédito presumido de ICMS representa, efetivamente, o registro de receita na demonstração do resultado da empresa beneficiada (destinatária do crédito presumido de ICMS). Sendo assim, há aumento do resultado (lucro), o que justificaria a exclusão do valor correspondente da base de cálculo dos tributos sobre o lucro, isto é, do lucro real (IRPJ) e do resultado ajustado (CSLL).
Dependendo da forma de concessão de incentivo fiscal do ICMS, e de maneira especial do destinatário desse incentivo (beneficiário), o resultado da empresa não será afetado (aumentado) pelo benefício de ICMS. Com isso, seria mais difícil identificar o montante a ser excluído na apuração dos tributos sobre o lucro (IRPJ/CSLL) – embora não seja inviável tal identificação em razão das alternativas de escrituração contábil.
balanço; contas; contabilidade — Foto: Reprodução / Facebook FGV-Ibre.
Parte II – 04/05/2023.
A escrituração contábil se fortalece como comprovação de ter sido realizado ou não investimento com os recursos do benefício fiscal.
Nesta série de três artigos pretendo analisar a conexão das teses firmadas no julgamento com a escrituração contábil.
Como visto no texto anterior, a primeira tese tem uma conexão evidente com a escrituração contábil, o que não é tão fácil de identificar na segunda tese.
Vamos a ela:
Para a exclusão dos benefícios fiscais relacionados ao ICMS – tais como redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, diferimento, entre outros – da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, não deve ser exigida a demonstração de concessão como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos.
Na segunda tese firmada pelo STJ, parece que o foco foi a legislação do ICMS, de modo a resolver a antiga discussão sobre “subvenção para investimento” e “subvenção para custeio”.
Nesse sentido, a lei concessiva do benefício de ICMS não precisaria necessariamente já estabelecer na sua origem, isto é, no seu texto, as condições para o investimento a ser realizado pela empresa beneficiária.
A concessão do benefício de ICMS poderia ser instituída de maneira genérica, fazendo referência apenas à sua forma, seja isenção, redução de alíquota, redução de base de cálculo ou outra (com exceção da imunidade).
Se, por um lado, a caracterização como subvenção governamental não exigiria que a legislação tributária concessiva de benefício de ICMS definisse desde logo as condições de investimento, por outro, o seu aproveitamento poderia apontar para a destinação desse benefício fiscal.
Dada a repercussão desse aproveitamento no patrimônio econômico-financeiro da empresa que usufrui de tal benefício, a escrituração contábil se fortalece como comprovação de ter sido realizado ou não investimento com os respectivos recursos.
Caso o melhor entendimento sobre a segunda tese seja no sentido de que o investimento realizado não seja uma exigência original da legislação tributária, mas a sua efetivação seja demonstrada pela empresa beneficiária, a terceira tese pode ser tida como complementar, como será comentado no terceiro artigo da série sobre a conexão entre a contabilidade e a decisão do STJ sobre subvenção do ICMS.
A escrituração contábil se fortalece como comprovação de ter sido realizado ou não investimento com os recursos do benefício fiscal — Foto: Edilson Dantas/Agência O Globo.
Parte III – 05/05/2023.
A escrituração contábil pode ser decisiva para a não tributação dos benefícios fiscais.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), no dia 26 de abril, enfrentou o debate sobre a incidência ou não dos tributos sobre o lucro – Imposto de Renda (IRPJ) e CSLL – no caso das “subvenções de ICMS”, identificado como Tema 1182.
Nesta série de três artigos pretendo analisar a conexão das teses firmadas no julgamento com a escrituração contábil.
No primeiro texto, vimos que a primeira tese fixada no julgamento tem uma conexão evidente com a escrituração contábil. Essa relação não é tão fácil de identificar na segunda tese, como apontei no segundo artigo.
A terceira tese firmada pelo STJ no Tema 1182 é a que mais se conecta com as demonstrações contábeis.
Lembremos a redação dessa tese:
Considerando que a Lei Complementar 160/2017 incluiu os parágrafos 4º e 5º no artigo 30 da Lei 12.973/2014 sem, entretanto, revogar o disposto no seu parágrafo 2º, a dispensa de comprovação prévia, pela empresa, de que a subvenção fiscal foi concedida como medida de estímulo à implantação ou à expansão do empreendimento econômico não obsta a Receita Federal de proceder ao lançamento do IRPJ e da CSLL se, em procedimento fiscalizatório, for verificado que os valores oriundos do benefício fiscal foram utilizados para finalidade estranha à garantia da viabilidade do empreendimento econômico.
Em primeiro lugar, a terceira tese reforça a leitura integral e sistemática do artigo 30 da Lei nº 12.973, de 2014. A inclusão dos parágrafos 4º e 5º preservou a redação do parágrafo 2º, que, por sua vez, faz referência ao parágrafo 1º e ao “caput”.
Enfim, a orientação do STJ parece ter sido pela interpretação e aplicação integral do dispositivo legal. Se assim for, a disciplina tributária da subvenção para investimento encontra paralelo com a disciplina contábil da subvenção governamental.
Com relação à regulamentação contábil, o Pronunciamento Técnico do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC 07) identifica o que seria considerada subvenção, exige sua evidenciação nas demonstrações contábeis, até para efeito de comparabilidade entre as empresas, e sugere a constituição da reserva de lucros (reserva de incentivos fiscais, conforme o artigo 195-A da Lei nº 6.404, de 1976), com vistas a que não haja distribuição aos sócios, como dividendos, dos recursos relativos à subvenção.
A conexão dos benefícios de ICMS à contabilidade nos auxilia a entender a última parte da terceira tese. Conquanto não haja a exigência de a legislação concessiva do incentivo de ICMS determinar o investimento (tese 2), a aplicação dos recursos gerados pelo inventivo de ICMS a investimentos deve ser comprovada, isto é, os recursos correspondentes não devem ter finalidade (destinação) distinta do empreendimento econômico. Isso não quer dizer, entretanto, que os recursos “são carimbados”, como as demonstrações contábeis podem certificar.
Neste ponto, a escrituração contábil pode ser decisiva para a não tributação dos benefícios fiscais de ICMS pelos tributos sobre o lucro (IRPJ/CSLL).
Nas demonstrações contábeis, encontramos os investimentos realizados, bem como os recursos aplicados e o prazo para sua recuperação, além da verificação quanto à destinação desses recursos, como no caso da constituição da reserva de incentivos fiscais, previstas expressamente no artigo 30 da Lei nº 12.973, de 2014.
A decisão sobre o Tema 1182 é mais uma prova da aproximação entre contabilidade e tributação, inclusive na área do contencioso tributário.
A escrituração contábil pode ser decisiva para a não tributação dos benefícios fiscais — Foto: Mikhail Nilov from Pexels
(*) Doutor em Direito pela PUC-SP, professor doutor da FEA-USP e da FGV Direito SP, titular da Academia Paulista de Letras Jurídicas.