Por Beatriz Cutait | De São Paulo – 11/12/2013 às 00h00.
Em tempos de fechamento de ano e planejamento do próximo, as famosas promessas de virada de período costumam ganhar força e novos adeptos. Mas antes de tentar programar como será 2014, é mais do que indicado ter em mente as despesas acumuladas neste ano para evitar começar um outro ciclo no “vermelho”. É preciso ter cuidado com as compras de Natal, por exemplo, e preparo para lidar com eventuais dívidas.
Embora o cenário macroeconômico desenhado para o ano que vem não seja muito animador – com economia em desaceleração, inflação ainda elevada e taxas mais salgadas de juros -, a situação ainda parece sob controle, pelo menos no que tange às contas dos brasileiros. Segundo dados do Banco Central, o endividamento das famílias com o sistema financeiro, excluído crédito habitacional, tem caído desde junho e chegou em setembro a 30,22% da renda acumulada dos últimos 12 meses.
Outro dado com sinais mais positivos se refere às dívidas em atraso. Considerando as operações de pessoas físicas com recursos livres, a taxa de inadimplência chegou a 6,8% em outubro, a menor desde junho de 2011.
Ainda assim, todo cuidado para não perder o controle das finanças é pouco. Um levantamento com internautas, elaborado pela LeadPix Survey em parceria com a Cristina Panella Planejamento e Pesquisa, mostra dados alarmantes. A pesquisa “A inadimplência dos brasileiros em 2013: situação financeira e percepção do futuro”, realizada entre agosto e setembro via internet com 5.566 participantes, aponta que 96% relataram que não estão com todas as contas, carnês, prestações ou dívidas em dia. Em 2012, a fatia representava menos da metade, de 44%.
Dentre os pagamentos atrasados, 24% estão vinculados a cartão de crédito – ante 62% registrado na pesquisa do ano passado; 16% referem-se a contas de telefone, água, luz e outros – ante 40% em 2012; e 14%, a compras a prazo, abaixo dos 38% do levantamento anterior.
Dos entrevistados com faturas de cartão de crédito em aberto, 28% disseram que o atraso já supera um ano. Além disso, 19% afirmaram que não sabem ou não têm como pagar essa obrigação.
Apesar das dívidas, 46% das pessoas disseram que pretendem solucionar os pagamentos atrasados controlando gastos e outros 30% pretendem negociar um parcelamento do valor com as instituições – percentuais que se mantêm muito próximos aos de 2012.
A figura do gerente bancário ganha destaque no levantamento, já que 54% dos internautas afirmaram que consultariam o profissional antes de tomar um crédito.
O diretor do Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais Financeiros (IBCPF) Jan Karsten chama atenção para o desafio de o Brasil contar com mais planejadores financeiros para orientar a população. Segundo ele, além da dificuldade de encontrar profissionais com experiência nesse mercado, há uma barreira cultural no país que pesa sobre a contratação dessa figura, em grande parte ainda desconhecida da população.
“Percebemos que o brasileiro ainda tem carência de informação para se sentir seguro para tomar a decisão de tomar crédito. Muitas vezes ele vai definir no mesmo lugar no qual já vai contratar o crédito”, ressalta o presidente do site de comparação de produtos financeiros Canal do Crédito, Marcelo Prata, em referência aos bancos. “É importante lembrar que o crédito fácil significa, via de regra, crédito caro.”
Prata também chama atenção para os critérios do consumidor ao se endividar. De acordo com a pesquisa da LeadPix, 88% dos internautas olham a taxa de juros antes de tomar crédito e 19% também analisam o limite oferecido. “Olhar para o custo efetivo total [que corresponde a todos os encargos e despesas de uma operação de crédito como tarifas e IOF] não é uma prática no Brasil”, diz.
A maioria dos entrevistados – 84% – disse ser muito importante ter o nome “limpo” e as preocupações estão em grande parte vinculadas à possibilidade de continuar se endividando. As justificativas para a relevância de não estar inadimplente passam pelo fato de os limites de crédito no banco dependerem disso, assim como a compra de imóveis via financiamento, a aquisição de veículos e o próprio parcelamento de pagamentos.
Prata assinala que o brasileiro não tem a consciência da relevância de estar com as contas em dia para obter um crédito melhor, de mais qualidade, ou seja, com taxas mais baixas. Nesse sentido, ele acredita que o cadastro positivo pode contribuir nessa direção, embora ressalte que o ideal seria o país contar com um único rating de crédito para cada consumidor, com informações unificadas (leia mais na página D2).
“Esse é o caminho, porque os bancos começam a ter acesso não só ao histórico de contratação de crédito, mas a todo comportamento do consumidor para manter em ordem as finanças. Os bancos não têm apenas o lado negativo”, comenta Prata.
Para o fim do ano, o conselho de Karsten, do IBCPF, ao consumidor passa por uma solução básica: faça contas. “É preciso parar para ver quanto entra por mês e quanto sai para saber se é possível se dar ao luxo de se presentear, porque, se não houver disciplina, a situação pode virar uma bola de neve”, afirma.
Prata concorda e diz que essa época é oportuna para se rever o planejamento financeiro, com atenção ao uso do 13º salário e da participação nos lucros da empresa para colocar as finanças em ordem. O presidente do Canal do Crédito também destaca a importância de se lembrar que o cartão de crédito é apenas um meio de pagamento, não uma renda.
No site, Prata nota que nos meses de janeiro há um aumento de quase 40% do tráfego em relação à média dos outros meses. “É quando a ressaca financeira aparece.”
Apesar das recomendações reforçadas para o fim de ano, Luiz Rabi, economista da Serasa Experian, avalia que o cenário segue positivo em termos de inadimplência, sem sinal de reversão do quadro no “curtíssimo” prazo. Mas a continuação do aumento da taxa básica de juros em 2014 e a possibilidade de encarecimento do crédito e impacto na taxa de desemprego estão no radar.
Flávio Calife, economista da Boa Vista Serviços, diz que a inadimplência das pessoas físicas tende a se manter praticamente estável em 2014, em torno de 7%. “Dentro do que estamos vivendo, é um patamar aceitável”, afirma. A avaliação leva em conta a perspectiva de um crescimento, ainda que lento, do nível de endividamento e uma desaceleração da expansão da renda.
Mas mesmo com os alertas dos economistas, o levantamento do LeadPix indica que o otimismo ainda prevalece dentre os internautas consultados. Conforme a pesquisa, 47% consideram a própria situação financeira melhor, quando comparada com agosto de 2012. E o quadro de 2014 é ainda mais promissor. Para 80% dos consultados, o quadro estará ainda melhor. Agora resta ver se o clima de “torcida” vai dar resultados em um ano considerado bastante desafiador para a economia.
© 2000 – 2013. Todos os direitos reservados ao Valor Econômico S.A. . Verifique nossos Termos de Uso em http://www.valor.com.br/termos-de-uso. Este material não pode ser publicado, reescrito, redistribuído ou transmitido por broadcast sem autorização do Valor Econômico.