Inovação e novas leis já em vigor vão fomentar o mercado de financiamento pessoal e permitir a criação de um contexto saudável de endividamento no país.
Os brasileiros vão assistir nos próximos anos à construção de uma nova forma de financiar os seus projetos pessoais. O ano de 2024 será o ponto de partida para este novo cenário. Tomar um empréstimo deve ganhar um significado diferente no imaginário do brasileiro.
Com exceção do tradicional financiamento da casa própria, estamos habituados a encarar uma dívida como o último recurso diante de alguma dificuldade financeira. Mas a perspectiva de juros mais baixos e de um maior alcance do mercado de crédito transforma o financiamento da pessoa física em uma ferramenta de desenvolvimento e prosperidade individual.
Em 2023, começamos a criar a base para essa mudança, com o desenvolvimento de produtos de crédito inovadores e a criação de regras que favorecem a redução das taxas de juros ou limitam as cobranças abusivas. As novas leis passaram a vigorar entre o fim do ano passado e o começo de 2024.
A primeira é o novo marco de garantias, que favorece a utilização de bens como a casa própria ou um veículo como garantia para que se ofereça crédito a juros bastante menores do que os praticados pelo mercado. A grande novidade é possibilitar que um bem seja utilizado mais de uma vez para diferentes operações de crédito, expandindo consideravelmente o potencial de oferta de crédito no país. A medida ataca a inadimplência, o principal componente do spread bancário e uma das maiores razões para os juros exorbitantes para o tomador de recursos no Brasil.
Em 3 de janeiro, passou a valer a lei que estabelece um teto nos juros rotativos do cartão de crédito. Mesmo com críticas quanto a sua efetividade, agora há o limite de 100% no que se pode cobrar sobre o montante principal da dívida. De acordo com o Banco Central, a taxa média anual dessa modalidade de juros ultrapassa 400% ao ano.
Ainda que as críticas se revelem verdadeiras, há uma sinalização cada vez mais intensa de que não faz sentido para as pessoas nem para a economia do país ter taxas de juros nesse patamar. Todos nos beneficiamos com práticas de crédito mais responsáveis – e esse é um caminho sem volta.
O setor privado cumpriu o seu papel de, por meio da inovação, trabalhar para facilitar a tomada de empréstimos por pessoas físicas, com novos tipos de soluções e produtos que democratizam as alternativas de crédito, seja por meio de taxas de juros mais baixas ou facilidade de acesso a crédito. Cito três exemplos que começaram a ganhar destaque ao longo do ano passado e têm grande potencial ao longo de 2024.
O primeiro é o crédito rotativo com garantia imobiliária, inspirado em um produto de sucesso nos Estados Unidos, o Heloc. Uma evolução do “home equity”, que se popularizou nos últimos anos no país, a nova modalidade utiliza um imóvel como garantia para oferecer linhas de crédito flexíveis com taxas equivalentes às mais baixas praticadas no mercado, como o crédito consignado. E seu diferencial é que, ao oferecer flexibilidade para o tomador usar apenas o montante desejado e definir os melhores prazos de acordo com sua necessidade, é possível fazer um planejamento de forma a reduzir ainda mais o custo do financiamento.
As outras duas modalidades têm como característica principal incluir no mercado de crédito de pessoa física um público antes desatendido pelo sistema bancário tradicional, ainda que a questão dos juros deva ser olhada com mais cuidado num primeiro momento.
Uma delas é o Pix parcelado. Com uma operação de crédito bastante simples – ao contrário da análise necessária para obtenção de um cartão de crédito -, é possível parcelar compras ou transferências em poucos segundos.
A outra modalidade é a de microcrédito, que tem experimentado uma expansão por meio de tecnologias inovadoras. Com foco na população de baixa renda, novas fintechs utilizam a tecnologia e a análise de dados para ofertar valores muito baixos em pequenas transações, inferiores a R$ 500.
Com o nascimento de um novo contexto na oferta de crédito para a pessoa física no Brasil, surge também um mercado para os profissionais que vão atuar na distribuição e na orientação de clientes sobre as opções mais adequadas de financiamento. Trata-se do correspondente bancário, que deve crescer nos próximos anos em quantidade de profissionais e especialização, a exemplo do que ocorreu com a figura do assessor de investimento durante o processo de desbancarização das aplicações dos brasileiros.
Embora a consolidação do novo cenário de crédito não vá acontecer de um dia para o outro, as premissas para a mudança já estão valendo. A largada já foi dada com a chegada de 2024. O mercado de crédito deve ser um dos motores da economia até dezembro e todos temos a chance de nos beneficiar desse contexto econômico mais saudável.
*Claudio Omagari é CEO e sócio-fundador da ZiliCred
E-mail: claudio@zilicred.com.br
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